Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Os nossos corpos são campos de batalha

Ases, 1 de Julho de 1986

Entrevista a Rui Jordão:

“ (…) — Quais os actores e actrizes que mais aprecia?
— Richard Burton e Al Pacino.
— Spielberg é um génio ou um fantasista?
— Um génio.
— Quem foi o seu herói da “Banda Desenhada”?
— O Fantasma e o célebre Super-Homem. (...)” (p. 22)

sábado, 26 de março de 2011

Portugal não será o Chile da Europa

De acordo com o Diário de Notícias de hoje, o canal de televisão suíço SRF vai deixar de transmitir episódios de Os Simpsons que incluam referências à falta de segurança das centrais nucleares. Por exemplo, aquele em que Homer Simpson carrega por mero acaso no botão que evita uma catástrofe nuclear em Springfield. Os acontecimentos na central japonesa de Fukushima são o motivo da atitude “censória” da SRF. Na verdade, acho que, pelo contrário, esta é a altura ideal para exibir cenas com a temática atómica. Nenhum produto audiovisual fez mais que a série de Matt Groening pela causa anti-nuclear. A possibilidade da vida de milhares de pessoas depender de alguém como Homer e a atribuição dos lucros da central de Springfield ao sinistro e desprezível Mr. Burns alertaram todo o mundo para os riscos da energia nuclear. O que aconteceu no Japão parece confirmar que os argumentistas de Os Simpsons tinham razão.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Para que o povo seja livre, é preciso reprimir os fascistas

Tudo começou há muito tempo atrás, na ilha do Sol, quando eu tinha uns cinco anos e me veio parar às mãos, não sei como, um brinquedo (uma espécie de moinho) com os símbolos “1X2” do Totobola e o emblema do Futebol Clube do Porto. Os meus familiares não se interessavam por desporto, sendo inexistente qualquer doutrinação clubística. No Outono de 1992, quando compreendi o que era o futebol, a escolha do FC Porto acabou por ser natural. Comecei a ler jornais desportivos, a revista Dragões (o que será feito dela, que há muito não a vejo nas bancas?) e algumas sínteses da história do futebol português. O campeonato de 1992/93 foi o meu primeiro. Chorava com as derrotas e vibrava com as vitórias da equipa azul e branca, onde o jovem guarda-redes Vítor Baía iniciava o seu percurso de glória. A passagem do tempo e a acumulação dos deveres escolares levaram-me a um maior distanciamento. De qualquer maneira, quase tudo corria bem, dentro de portas, a um FCP rumo ao pentacampeonato. Na escola, a ligação ao clube das Antas servia para me distinguir do predomínio Benfica/Sporting, que dificilmente aceitava alternativas. Aprendi então a mentalidade “nós contra o resto do país” que fortalece a mística portista, tal como a saborear os sons do silêncio nas ruas de Odivelas quando o FCP ganha mais um campeonato ou Taça de Portugal. 

Em termos históricos, não deixa de ser cativante o percurso de um clube que sofre décadas de fracassos e desprezo dos adversários para um dia se levantar do chão (ou melhor, da relva) e conseguir tornar-se a potência dominante. Claro que duvido que eu usasse um cachecol azul e branco se tivesse nascido dez anos mais cedo. Os sucessos quase ininterruptos do FCP contribuíram para alargar a sua base de apoio e retirar, em certa medida, a carga regional associada ao emblema portuense. Sem nunca esquecer o solo nortenho onde nasceu, hoje o FC Porto é de Portugal.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Nós só queremos as cunhas da Diana

Diário de Lisboa, 5 de Novembro de 1977

“Para comemoração do 60º Aniversário da Revolução Socialista, as colectividades de Almada (com participação da CM de Almada) levam a efeito amanhã uma manifestação de rua, com todas as suas classes desportivo-culturais, com chegada ao Largo Gabriel Pedro, às 11 horas. Após a chegada das colectividades haverá uma alocução, seguida de actividades desportivas e culturais, durante o resto do dia.” (p. 13)

Essas extinguem-se em 1 de Outubro

Apesar da idade avançada, o coronel João Varela Gomes continua lúcido e atento à situação nacional e internacional. O recente livro Memória Ideológica no Centenário da República (Letra Livre, 2011) reúne crónicas publicadas pelo militar antifascista no jornal Alentejo Popular. Um dos temas mais abordados por Varela Gomes é a produção historiográfica portuguesa sobre o período contemporâneo, em especial o século XX. Várias obras lançadas nos últimos anos são sujeitas a recensão pelo cronista, destacando-se a abundância de trabalhos provenientes do Instituto de História Contemporânea da FCSH-UNL.

Varela Gomes, que a badana do livro indica como um dos militares que defenderam profundas mudanças sociais em Portugal após o 25 de Abril, manifesta ainda um grande ressentimento pela derrota de 25 de Novembro de 1975 e a consequente “normalização” que deu origem ao regime por ele designado como “democracia filofascista”, no qual o poder político e militar permitiu a amnistia e reintegração dos apoiantes da ditadura derrubada. Segundo Varela Gomes, a historiografia produzida nos últimos trinta e cinco anos tem seguido a orientação dos vencedores do PREC e distorcido a realidade passada, nomeadamente através do branqueamento do fascismo (chamar outra coisa ao Estado Novo deveria ser considerado negacionismo), da subvalorização das lutas operárias/camponesas e do esquecimento a que são votados aspectos de 1974-75 como o papel da Igreja Católica e das potências ocidentais (às quais se aliou o PS de Mário Soares) na contra-revolução.

O principal problema de Varela Gomes com o trabalho do IHC é o facto do organismo ser dirigido por Fernando Rosas e António Reis, adversários do coronel durante o PREC e alegados promotores de uma História parcial, à medida dos seus interesses políticos e ideológicos. No entanto, Varela Gomes contém o seu discurso crítico ao falar de livros como a obra colectiva Vítimas de Salazar (sobre o aparelho repressivo do Estado Novo) e a biografia de Humberto Delgado criada por Frederico Delgado Rosa. Interessantes são também as referências do coronel à sua participação em colóquios e documentários sobre a História recente.

Já agora, sou um dos alunos a quem o prof. António Reis e outros docentes da FCSH-UNL fizeram “lavagens ao cérebro”. No meu caso, de pouco serviu, pois a mente continuou suja.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Portugal is cursed by God

Diário de Lisboa, 11 de Novembro de 1977

“Uma votação secreta, entre treinador e atletas, determinou o afastamento do andebolista “internacional” Tavares da Rocha, da equipa do FC Porto. É acusado de discordar sistematicamente dos métodos de trabalho do técnico António Cunha, tendo-se registado 14 votos a favor da sua saída, 1 abstenção e 1 voto contra o afastamento do andebolista.
Há 15 anos que o jogador representa o FC Porto e, ultimamente, desempenhava também o cargo de treinador dos juniores.” (p. 20)

quarta-feira, 16 de março de 2011

Queres morrer a cantar o hino nacional?

De acordo com o programa do evento, o Sarau Ginástico-Desportivo do Sport Lisboa e Benfica realizado no Pavilhão dos Desportos a 2 de Junho de 1951 incluiu demonstrações de “ginástica educativa” (para crianças e homens), luta greco-romana, atletismo (velocidade, barreiras e salto em altura), patinagem (com a consagrada Edite Cruz), voleibol feminino, futebol, hóquei em patins, futebol de salão e andebol de sete. Os dois últimos constituíam inovações na altura, embora a partida de futebol de salão fosse disputada não por atletas especializados  na nova modalidade mas “pelos mais representativos jogadores de futebol do SLB”. Ainda quanto ao futebol, verificar-se-ia uma “prova de destreza” disputada pelos juniores do clube.

terça-feira, 15 de março de 2011

Quando o Braz lhe disse um dia que era bonita deveras

O álbum Cartoons do Ano 2010 (Assírio & Alvim, 2011) reúne, como é tradição, trabalhos de vários autores portugueses publicados na imprensa no ano passado e agora expostos no Cartoon Xira. Os cartoonistas representados na obra são, tal como em 2009, António, André Carrilho, Augusto Cid, Maia, Cristina Sampaio e António Jorge Gonçalves. Há, no entanto, um pormenor que chama a atenção: não há um único desenho de 2010 em que esteja caricaturado Pedro Santana Lopes. A ausência do “Fenómeno” dos álbuns publicados pela Assírio & Alvim nunca tinha ocorrido desde 2003. Santana nem sequer está presente entre os últimos primeiros-ministros portugueses desenhados por Carrilho (p. 54). Em 2010, o político do PSD terá sido demasiado discreto ou irrelevante para que os artistas do cartoon lhe dedicassem a atenção habitual. Como será no álbum a publicar daqui a um ano? Santana parece estar já a movimentar-se para que a desagradável situação não se repita.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Zarco Paulo está louco

No episódio (?) emitido hoje do concurso Quem Quer Ser Milionário – Alta Pressão (RTP1), a última pergunta apresentada foi “Quem desviou um avião da TAP durante o Estado Novo?”. As quatro hipóteses de resposta eram: Botelho Moniz, Humberto Delgado, Henrique Galvão e Palma Inácio. O concorrente escolheu Humberto Delgado e falhou, pois a resposta considerada correcta era “Palma Inácio”. Mas será que Henrique Galvão, associado pelo apresentador José Carlos Malato apenas ao desvio do paquete Santa Maria, não seria uma resposta igualmente certa? O episódio em causa ocorreu no dia 10 de Novembro de 1961, quando o avião que fazia o percurso entre Casablanca e Lisboa foi desviado da sua rota por passageiros ligados à oposição ao salazarismo. A aeronave da TAP sobrevoou então várias cidades portuguesas, largando panfletos de apelo à revolta contra Salazar, e regressou a Marrocos. Hermínio da Palma Inácio liderou o reduzido grupo dos operacionais responsáveis pela execução da iniciativa. No entanto, a concepção e planeamento da “Operação Vagô” pertenceram ao capitão Henrique Galvão, que se encontrava então em território marroquino e assinou os folhetos largados sobre Portugal. O acontecimento é brevemente abordado aqui por Irene Flunser Pimentel. Deste modo, voltando ao concurso, tanto as opções “Henrique Galvão” como “Palma Inácio” estariam correctas, o que contraria as regras do Quem Quer Ser Milionário.

Hoje está fino e rijo, graças ao Argal que tomou

Bandeira Vermelha, 27 de Maio de 1976

“Numa tentativa de popularizar o candidato revisionista (Octávio Pato), “O Diário” traz a revelação de que ele jogou futebol no Benfica e que “jogava à esquerda”.
Jogar futebol à esquerda e fazer política à direita não é original do sr. Pato; também Simões jogou futebol na extrema-esquerda do Benfica e foi eleito deputado pelo CDS.” (p. 4)

sábado, 12 de março de 2011

Passe muito bem o senhor Brasil

E eu?
Só posso agradecer a sorte de não ter caído no desemprego. No final do mestrado em História Contemporânea pela FCSH-UNL, apareceu o meu colega Ricardo Serrado com a ideia maluca de fazer uma história do futebol em Portugal, tendo conseguido o apoio financeiro de uma entidade privada, a Galp Energia, e a cobertura institucional do IHC (após a ruptura da ligação prevista com a FLUL). Mesmo assim, passei a ganhar apenas 400 euros por mês, durante cerca de um ano e meio. De novo por sorte, o tema da minha tese de mestrado (o saneamento no sector educativo) levou a que o professor António Costa Pinto se lembrasse do meu nome para o projecto de investigação “Justiça Política na Transição para a Democracia em Portugal”, dirigido também pelas professoras Maria Inácia Rezola e Irene Flunser Pimentel. Obtive a bolsa de 980 euros mensais reservada pela FCT aos investigadores com o grau de mestre. Sem… nem ambições de comprar coisas como casa, automóvel, mota ou berbequim, a verba revelou-se até agora suficiente, inclusive para poupar alguns euros e esperar o fim da crise. Perante a escassez de saídas profissionais para licenciados em História (o ensino e a museologia nunca me atraíram), a situação está longe de ser das piores. E o futuro? Isso foi ficando cada vez mais distante…

terça-feira, 8 de março de 2011

Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz

Dez dias de futebol vistos através das manchetes do jornal A Bola:

27-02: “Águia não desiste”
28-02: “Vitória do povo”
01-03: “ “Foi espectacular mas deu-me mais gozo o golo no Dragão!” ”
02-03: “Benfica desconfia do leão ferido”
03-03: “Grande “derby”!”
04-03: “Selecção e clubes portugueses à beira da exclusão”
05-03: “Doidos por Fábio”
06-03: “Para eles o jogo já começou”
07-03: “Xistra decide o que estava decidido”
08-03: “Um deles será presidente”

segunda-feira, 7 de março de 2011

Sou soldado socialista sem Salazar saber

A editora Marujo lançou em 1986 uma colecção de Histórias Completas de Sherlock Holmes, em 12 volumes. No nono volume das novelas e romances policiais de Sir Arthur Conan Doyle, com tradução de Helena Santos, reúnem-se seis aventuras de Holmes e Watson (com vários erros de revisão). Numa delas, O Desaparecimento de Lady Frances Carfax, encontra-se uma frase curiosa, dita por Holmes: “E, agora, Watson, se quiser arrumar a mala, telegrafarei à Sr. Hudson para fazer tudo quanto lhe estiver ao alcance, amanhã às sete e meia, por dois viajantes femininos.” (p. 139) Para além do género da Sra. Hudson surgir trocado, é provável que a tradutora quisesse escrever “dois viajantes famintos”. Holmes não se referiria a si próprio e a Watson como mulheres, até porque, como o narrador afirma mais à frente, o detective detestava “o sexo oposto”, não tendo neste “a melhor confiança” (p. 155).

quinta-feira, 3 de março de 2011

Nunca ter de dormir, só brincar

O opúsculo Nova Cartilha do Povo (edição dos autores, 1969) foi publicado pouco antes das eleições para a Assembleia Nacional de Outubro de 1969, as primeiras do marcelismo, pelos membros da lista da oposicionista CDE (Comissão Democrática Eleitoral) apresentada no círculo de Braga. Além de Marinho Dias, Santos Simões, Lino Lima e Margarida Malvar, candidatos a deputados, assinaram a obra Victor de Sá e Humberto Soeiro, cujas candidaturas foram vetadas por despacho do governador civil bracarense. O texto retoma o formato da Cartilha do Povo escrita em 1884 pelo republicano José Falcão, apresentando diálogos entre as personagens João Portugal e Zé Povinho sobre a situação do país.

A intenção dos autores é apelar à consciencialização política da população, de modo a ajudar o povo “a mais rapidamente tomar conta do destino do País, que é a Pátria de todos nós” (p. 5), e denunciar os problemas existentes (emigração, atraso agrícola, guerra colonial, desigualdades sociais, repressão, etc.), criados pelo Estado Novo, que propositadamente mantivera Portugal afastado das transformações económicas e do desenvolvimento do Estado Social ocorridos na Europa Ocidental a partir de 1945. Seria, de resto, inútil esperar mudanças do regime agora dirigido por Marcelo Caetano (“Se as batatas, o bacalhau, o azeite e as cozinheiras são os mesmos, os bolos de bacalhau não podem ser diferentes”, p. 24). João Portugal e Zé Povinho proferem algumas expressões de carácter poético: “vai com esta bandeira rubra de entusiasmo, vermelha como o sangue que há-de voltar a tingir as faces, de novo risonhas, das nossas mulheres e das nossas crianças” (p. 22), “Nenhuma luz é mais bela do que a da democracia, sol brilhante que ilumina a estrada por onde caminham, de cabeça erguida, os povos livres de todo o mundo” (p. 22), “…o nosso entusiasmo trará a paz à nossa Pátria, o nosso entusiasmo levará à justa repartição das riquezas, o nosso entusiasmo ganhará a Liberdade que transformará o nosso país moribundo num país rico e feliz” (p. 29).