Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Nosso canto nunca fez filhos sãos a uma mulher

Dependente do ministro dos Assuntos Parlamentares, Alexandre Miguel Mestre (37 anos), advogado especializado em direito desportivo, é o secretário de Estado do Desporto e Juventude do XIX Governo Constitucional, presidido por Pedro Passos Coelho. O jornal Público divulgou o perfil oficial do novo secretário de Estado, além do Programa do Governo PSD-CDS, que inclui um subcapítulo acerca da área do desporto e juventude (situa-se logo a seguir à parte do combate à violência doméstica e ao tráfico de seres humanos). São consensuais os objectivos em matéria desportiva do novo Governo, como a generalização da prática do desporto, “contribuindo para uma população portuguesa mais saudável”, a integração nas actividades atléticas de sectores como deficientes, imigrantes e reclusos, a colaboração com clubes, federações e autarquias ou o combate à deturpação das competições por actos de corrupção, violência, doping e racismo. Tratando-se de um Governo que procura cortar nas despesas estatais a todos os níveis, não são de esperar grandes obras públicas quanto a instalações desportivas. Uma das medidas a tomar consiste em “Avaliar e redefinir os critérios públicos de apoio às práticas desportivas tendo em conta o contexto macroeconómico e os novos pressupostos de integração no estatuto de alto rendimento e a sua conciliação com outros financiamentos das federações e comités Olímpico e Paralímpico”. As leis reguladoras do sector desportivo poderão sofrer algumas alterações, embora só “após uma maturação da vigência da actual legislação”. Quanto a candidaturas à organização de eventos internacionais, serão apoiadas pelo Estado caso proporcionem um “efectivo retorno económico, turístico e desportivo”. Uma ideia nova é o surgimento de um “Programa de Embaixadores” baseado no mediatismo de atletas portugueses ou de estrangeiros a actuar em Portugal, embora o texto se limite a afirmar que o país tem condições para o criar, tratando o Governo de fomentar o intercâmbio desportivo com o estrangeiro.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Papa desmaiou ao ler o relatório

Em Março de 1975, a editora Avante publicou um pequeno livro de BD, Pela Madrugada, incluindo uma história de 11 páginas acerca da resistência à ditadura. Não são identificados os autores do texto e do desenho (o traço parece demasiado tosco para ser de Álvaro Cunhal) daquele que deveria ser o primeiro volume de uma “Série Banda Desenhada”. Ignoro se esta colecção teve continuidade, já que não há registos dela no catálogo da Biblioteca Nacional. Quanto à narrativa de Pela Madrugada, centra-se na deslocação de quatro agentes da PIDE ao prédio onde reside um jovem comunista, que pretendem prender. A resistência do activista e o barulho feito pelos “pides” atraem uma multidão à qual o jovem pede ajuda. A turba agride os agentes, permitindo que o resistente fuja e escape à prisão. Antes das pranchas, o seguinte texto adverte os leitores:

“Com o conto desenhado Pela Madrugada, Edições “Avante!” dão início em Portugal a uma nova forma de divulgação de obras literárias de valor.
Pela Madrugada é uma história vivida vezes sem conta no meio século de perseguições, torturas e prisões a que foram submetidos os melhores filhos do povo português. O autor literário é seguramente um antigo funcionário clandestino do Partido Comunista Português (cujo nome não foi possível por enquanto averiguar) e que por essa razão se encontrava entre aqueles que com mais firmeza, abnegação e sacrifício resistiram à opressão fascista e lutaram pela liberdade e pelo povo português.”

domingo, 19 de junho de 2011

Os seus resultados são visíveis, como se pode ver

A premissa de A Invenção da Mentira (2009), de Ricky Gervais e Matthew Robinson, é interessante pelo conceito de uma realidade alternativa onde nunca existiu mentira e as pessoas acreditam em tudo o que ouvem. O que os personagens fazem de diferente em relação ao mundo “real” não é tanto dizer a verdade, mas revelar informação habitualmente omitida nas conversas com os outros. Curiosamente, apesar de não existirem mentira, obras de ficção e religião, toda a História parece ter ocorrido de forma igual. O monopólio da faculdade de mentir detido pelo personagem de Ricky Gervais dá origem a situações engraçadas, mas o desenvolvimento da premissa deixa muito a desejar, até porque o lado de comédia romântica (que envolve Jennifer Garner) é batido e previsível. O talento de Gervais não chega para aguentar a hora e meia de filme, na qual estrelas como Edward Norton e Philp Seymour Hoffman fazem cameos. Os extras do DVD (recorde-se que A Invenção da Mentira não estreou nos cinemas portugueses) incluem um prólogo com homens das cavernas que, inexplicavelmente, foi cortado da versão final, e material que mostra como, pelo menos, Gervais se divertiu imenso a rodar o filme, interrompendo sucessivos takes com as suas insólitas gargalhadas.

sábado, 18 de junho de 2011

A reacção foi vencida, esmagada

Entre as revistas dos personagens de Maurício de Sousa actualmente à venda em Portugal, encontra-se o volume 6 da colecção As Tiras Clássicas da Turma da Mónica, editado em Dezembro do ano passado. A colecção reúne tiras diárias da autoria de Maurício publicadas em jornais brasileiros nas décadas de 60 e 70, permitindo acompanhar o desenvolvimento dos seus personagens ao longo dos primeiros anos de vida. No caso do volume 6, são reproduzidos desenhos produzidos entre 1969 e 1971. O traço e as piadas são bastante simples, mas divertem e baseiam-se sobretudo nas características dos personagens principais: Mónica é forte e irascível, Cebolinha fala “elado” e xinga a primeira (vemos já alguns indícios do futuro romance dos dois), Cascão é sujo e tem medo de água, Magali está sempre a comer. Ao nível dos secundários, surgem ainda apenas Xaveco e Anjinho, além da mãe, irmã e cão de Cebolinha. As referências ao contexto da época, explicadas num conjunto de notas, são dominadas pelos cabelos, gestos e linguagem dos hippies. Em vinhetas a preto e branco, Maurício apresenta uma criação brilhante cujo universo acompanharia até hoje muitos leitores de língua portuguesa.

sábado, 11 de junho de 2011

A perenidade reconfortante das certezas infalíveis

Repetindo o que fizera com Fernando Mendes (Jogo Sujo), o escritor e jornalista Luís Aguilar obteve a colaboração do ex-futebolista Paulo Futre na realização de uma obra autobiográfica sobre este último. “El Portugués” (Livros D’Hoje, 2011) seria “apenas” uma retrospectiva pessoal da carreira de um dos futebolistas portugueses mais admirados pelos adeptos em toda a Península Ibérica e da sua actividade posterior ao abandono dos relvados, nomeadamente como director desportivo do Atlético de Madrid. Mas Futre está longe de ser uma figura convencional e previsível. Depois de alguns anos de afastamento da ribalta, o ex-jogador envolveu-se em 2011 na candidatura de Dias Ferreira à presidência do Sporting e, habilmente, atraiu as atenções da comunicação social através de uma depressa tornada lendária conferência de imprensa poucos dias antes das eleições nas quais o seu candidato sairia derrotado. Difundido na Internet e parodiado até à exaustão, o discurso do “concentradíssimo” Futre tornou-o novamente uma estrela e deu origem a uma campanha publicitária. Chegou então o esforço de promoção de “El Portugués”, na origem de entrevistas de Futre a inúmeros periódicos e múltiplas aparições televisivas do montijense. Uma vez colocado nas lojas, o livro de Futre/Aguilar tornou-se o líder de todas as tabelas de vendas e promete permanecer nesse estatuto.

A verdade é que “El Portugués” deve ser um dos livros sobre futebol mais interessantes alguma vez escritos na língua de Camões. Desde logo, como é óbvio, pelo percurso de Futre, recheado de momentos de glória, jogos inesquecíveis, golos fabulosos e emoções fortes, vividas tanto em ocasiões felizes como em períodos de tensão. O registo coloquial da prosa autobiográfica dá a ideia de estarmos junto de Paulo Futre a ouvi-lo contar histórias da sua vida, a qual nada tem tido de aborrecida. Os episódios insólitos, à beira da comédia, vão-se sucedendo, deixando o leitor concentradíssimo à espera do que acontece a seguir. O Futre que se revela (aparentemente) sem disfarces é o modelo do Português esperto, malandro e desenrascado, que ultrapassa situações complicadas graças à sua força de vontade, autoconfiança, habilidade e até talento de actor (o desportista vai, aliás, fazer uma participação na telenovela Laços de Sangue). Seja a lidar com as mulheres, ameaçar Dani, abandonar o Brasil, convencer Figo a ir para o Real Madrid, explicar a Mário Soares a sua recusa de ir à tropa ou a enfrentar o feitio temível de Gil y Gil, Futre finta as adversidades e faz jogadas de enorme classe. Mesmo os leitores indiferentes pelo futebol têm a oportunidade de sorrir com as peripécias em que o Bola de Prata se vê envolvido. Não é muito rigoroso, porém, afirmar-se no livro que Futre ganhou a Champions League em 1987, já que a prova se chamava então Taça dos Campeões Europeus e possuía outro formato. Seja como for, “El Portugués” constitui um relato bem-humorado duma carreira desportiva ímpar que, como qualquer bom livro, tem muitas vidas lá dentro.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Lisboa já tem um ecoponto lugar

O Programa do I Governo Constitucional (Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1976) não esquece o sector do desporto, ligado à educação, embora sem lhe atribuir grande espaço no conjunto do texto:

“ (…) c) Para melhor inserir o desporto nas actividades formativas globais que a escola visa atingir, considera-se prioritário:
— Definir uma política de pequenos recintos que sirvam as escolas de instrução primária;
— Intensificar as actividades gimnodesportivas na escola, especialmente para o ensino básico incentivando paralelamente a formação e actualização dos respectivos docentes e a criação de escolas piloto;
— Incrementar as actividades juvenis em tempo de férias;
d) O desporto federado, assente em órgãos democraticamente constituídos, será objecto, entre outras, das seguintes medidas:
— Apoio às colectividades, nomeadamente pela adequada definição do seu estatuto de utilidade pública e permitindo-lhes desenvolver a ocupação dos tempos livres dos seus associados;
— Apoio à realização de congressos desportivos a nível nacional;
— Apoio à criação da Confederação dos Desportos, democraticamente eleita;
— Incremento do intercâmbio desportivo internacional, nomeadamente entre os países de expressão portuguesa.” (p. 58)

O breve II Governo (1978), de coligação PS-CDS, iria definir no seu programa um maior número de acções concretas a tomar para difundir a prática desportiva, embora poucas viessem a ser efectivamente implementadas. A evolução da presença do desporto nos documentos programáticos dos governos da III República constitui um aspecto interessante sobre o qual não conheço estudos.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

O Zacarias fugiu para a América

No VIII Congresso do Partido Comunista Português, realizado em Lisboa entre 11 e 14 de Novembro de 1976, foi aprovado, além da Resolução Política, um conjunto de “Medidas para defesa e consolidação da democracia e da independência nacional” (os documentos saídos do conclave foram publicados pelo PCP). Impunha-se então, para os comunistas, o reforço do carácter socialista da democracia portuguesa, de modo a proteger o jovem regime das ameaças da “reacção”. Entre o programa de acção imediata defendido pelo partido de Álvaro Cunhal, registam-se medidas com vista à “melhoria das condições de vida do povo”, ao nível da situação dos trabalhadores, da saúde e do grupo temático “ensino, ciência, cultura e desporto” (p. 45). Quanto à actividade desportiva em particular, o PCP aborda os seguintes pontos:

“ — Democratização do desporto. Criação das condições de acesso à prática desportiva. Transformação democrática das estruturas desportivas. Fomento do associativismo.
O desporto como factor de democratização da sociedade. Dignificação e moralização do sector profissionalizado do desporto. Luta contra as formas degradadas da prática desportiva (“clubite”, “campeonite”, falso amadorismo, etc.). Luta por uma Informação (Imprensa, Rádio e TV) ao serviço da democratização do desporto.
Desenvolvimento do desporto escolar. Criação de condições mínimas para uma prática desportiva na escola. Prioridade ao escalão etário mais baixo.
Apoio estatal à alta competição, sempre que perspectivado numa real política de democratização e massificação do desporto. Incremento dos contactos internacionais, nomeadamente com os países socialistas.
Desenvolvimento do desporto popular. Apoio estatal aos pequenos clubes, colectividades, comissões de moradores, comissões de trabalhadores, etc. Fomento da autoconstrução de instalações num sentido comunitário. Responsabilização dos órgãos do poder local pelo desenvolvimento do desporto de massas.” (p. 46)

sábado, 4 de junho de 2011

Seja radical, faça um seguro de funeral


É de saudar a publicação do livro de Francisco Pinheiro História da Imprensa Desportiva em Portugal (Afrontamento, 2011), baseado na tese de doutoramento do autor pela Universidade de Évora. A obra constitui um guia essencial para investigações futuras, ao permitir conhecer o conjunto dos periódicos de tema desportivo publicados em Portugal (e colónias) entre 1875 e 2000. A pesquisa nas bibliotecas é facilitada pelo levantamento das publicações, em especial das mais antigas, efémeras e de âmbito local ou clubístico. Pinheiro traça igualmente o percurso evolutivo da imprensa desportiva portuguesa, por si só fascinante. Muito daquilo que o desporto foi e é em Portugal deve-se ao jornalismo desportivo, primeiro apenas na imprensa e depois alastrando a meios como a rádio, a televisão e a Internet. Para lá do apoio à introdução e desenvolvimento das modalidades, a massificação de algumas delas, particularmente do futebol, foi favorecida pelo trabalho dos jornalistas desportivos. O livro de Francisco Pinheiro permite ainda conhecer a evolução da relação entre estes e os agentes do desporto (dirigentes, jogadores, treinadores, adeptos, etc.), oscilante entre o confronto aberto e a colaboração mútua.