Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

sábado, 31 de março de 2012

Esta é a cassete nº 1

Quando a Biblioteca Municipal D. Dinis (Odivelas) foi inaugurada em Novembro de 1997 (pouco antes das últimas eleições autárquicas nas quais os odivelenses escolheram o presidente da Câmara de Loures), eu julguei que tinha chegado ao paraíso. Passei muitas horas na sala multimédia da biblioteca a ler banda desenhada (como a colecção “Humor com Humor se Paga”, da D. Quixote, que inclui tiras e cartoons de Quino e outros autores) ou os volumes de O Clube das Chaves. Na mesma sala, era possível, através de marcação, ter acesso durante uma hora à recente (e lenta) Internet. A sala principal (“de adultos”) do edifício passaria a ser privilegiada por mim a partir do secundário e da licenciatura, recorrendo ao apoio do espólio da D. Dinis. Mesmo hoje, a biblioteca possui um bom acervo nas várias áreas, apesar da necessidade de o actualizar de acordo com o que vem sendo publicado e o espaço disponível nas estantes. A evolução da conjuntura política levou-me a outras bibliotecas, mas a D. Dinis continua disponível, inclusive a doações de livros por parte dos leitores, sendo as obras geralmente disponibilizadas ao público no “Banco de Ofertas”.

Pouco depois da abertura da D. Dinis, descobri que existia outra biblioteca em Odivelas, localizada na Casa da Memória, junto ao Cruzeiro. O espaço era gerido pela Junta de Freguesia e incluía livros fornecidos pela Fundação Calouste Gulbenkian. A Casa da Memória revelou-se demasiado acanhada para o conjunto das obras e a presença dos leitores, vindo a “biblioteca fixa” a ser transferida para uma cave (perto de onde hoje se situa a estação de metro de Odivelas) na qual o espaço e as condições eram muito melhores. Através do empréstimo domiciliário, essa biblioteca permitiu-me conhecer muitos autores. O problema é que por vezes eu parecia ser o único leitor (com cartão, haveriam pouco mais de duas centenas), com as duas funcionárias a passarem dias ociosos. Por volta de 2003, a biblioteca acabaria por ser encerrada. O espólio foi, por decisão da Assembleia de Freguesia, oferecido à D. Dinis.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Ide banhar-vos ao Sol, raparigas lindas da nossa terra

Correio Elvense, 21 de Agosto de 1932

“A questão ortográfica, num escritório:
— Esta história das consoantes dobradas umas vezes e singelas outras, põe-me a cabeça em água. Olhe lá, burro escreve-se com dois rr ou com um?
O outro, em ar de lástima:
— Coitado, nem já sabe fazer a assinatura…” (p. 4)

quinta-feira, 22 de março de 2012

Passeia o seu sadismo e a sua porcaria

Correio Elvense, 3 de Abril de 1932

“ (…) A nota galante do encontro (entre Sporting e Sporting Club Elvense): o pontapé de saída dado por mademoiselle Maria José Tierno Bagulho, que ostentava uma elegantíssima toilette e cujo sorriso cheio duma encantadora juventude a todos prendeu pela sua simpatia irresistível. (…)” (p. 2)

terça-feira, 20 de março de 2012

Os incapazes são pessoas perigosas


No livro Carlos Lopes e a Escola Portuguesa do Meio Fundo (Sá da Costa Editora, 1981), o treinador Mário Moniz Pereira procura transmitir os métodos que utilizou para favorecer o sucesso do atletismo masculino português, com o seu ponto alto, até então, na medalha de prata dos 10 mil metros conseguida por Carlos Lopes nos Jogos Olímpicos de 1976, em Montreal. Crente na possibilidade dos corredores portugueses obterem resultados de nível internacional, logo que lhes fossem facultadas condições de treino semelhantes às das potências da modalidade (os atletas lusos tinham então de conciliar os treinos com as suas obrigações profissionais), Moniz Pereira traçou em Agosto de 1975 um plano de preparação para os Jogos de Montreal que submeteu à aprovação da Direcção-Geral dos Desportos (liderada por Alfredo Melo de Carvalho), vindo a receber um parecer positivo. Além do cepticismo generalizado quanto à possibilidade de um português atingir a glória olímpica no atletismo, Moniz Pereira teve então de enfrentar as críticas provocadas pelo orçamento elevado (quase 600 contos) do seu plano de preparação intensiva, numa época de dificuldades económicas e agitação política. Mesmo assim, valeu a pena, já que Carlos Lopes falhou por pouco o ouro e os restantes cinco representantes de Portugal tiveram igualmente excelentes resultados. Os treinos diários de Lopes (com descanso semanal), começados em 11 de Novembro de 1975, são registados no livro por Moniz Pereira, incluindo o seguinte excerto:

“24-11-1975: Parque 25 de Abril – 10 horas: uma hora e meia de corta-mato e estrada;
25-11-1975: Estádio da Luz – 9 horas: 4X1500 m com 5 minutos de intervalo (…)
Estádio Alvalade – 18 horas: uma hora de footing na relva;
26-11-1975: Praia de Carcavelos – 9 horas: 45 minutos de footing na areia;
Estádio Universitário – 18 horas: uma hora e um quarto de corta-mato; (...)” (p. 72)

A ameaça de guerra civil e a tentativa de golpe militar de 25 de Novembro, com o estado de sítio em Lisboa daí decorrente, em nada parecem ter afectado a rotina de Carlos Lopes e do seu técnico. Sob o comando de Moniz Pereira, o treino dos atletas realizava-se em quaisquer condições, quer atmosféricas, quer político-militares.

domingo, 18 de março de 2012

O afundamento total do país

Na secção “Tarot da Maya” do Público de hoje (p. 39), onde é apresentado o horóscopo semanal de 25-31 de Março, os prognósticos relativos a todos os signos terminam (após as frases sobre a conjuntura, o plano afectivo e o plano material) com uma frase começada por “Na saúde”, dedicada à previsão do diagnóstico clínico dos nativos:

“Na saúde, tendência para complicações do foro renal.”
“Na saúde, tendência para problemas de vesícula.”
“Na saúde, atenção a sintomas invulgares.”
“Na saúde, deverá iniciar uma dieta.”
“Na saúde, contacte mais com a natureza.”
“Na saúde, poderá ter problemas em conciliar as horas de sono.”
“Na saúde, não terá nada com que se preocupar.”
“Na saúde, tendência para problemas renais.”
“Na saúde, a sua conjuntura é radiosa.”
“Na saúde, uma alimentação pouco cuidada pode trazer-lhe transtornos.”
“Na saúde, sintomas de desgaste físico e emocional.”
“Na saúde, aproveite os benefícios da hidroterapia.”

quinta-feira, 15 de março de 2012

Sobrescritos normalizados evitam demoras e sobretaxas

República, 7 de Julho de 1942

“Espinho, 7 – Com grande acompanhamento, constituindo uma das mais tocantes manifestações de pesar, realizou-se o funeral do sr. dr. António Carlos Ferreira Soares, de Nogueira da Regedoura, a poucos quilómetros desta vila, e pessoa altamente considerada devido às suas invulgares qualidades de carácter e à obra de benemerência que vinha desenvolvendo.” (p. 7)

quarta-feira, 14 de março de 2012

É já tarde e Inês é morta

O Sport de Lisboa, 13 de Fevereiro de 1931

“Aviso

A Direcção do Sport Lisboa e Benfica avisa os seus associados de que acaba de instalar na sua Secretaria, Rua Capelo, 5, 2º D., um telefone com o Nº 28716.” (p. 6)

sábado, 10 de março de 2012

Onde está o menino Adolfo?

Numa altura em que “É incontestavelmente o primeiro guarda-redes nacional” (Stadium, 06-03-33), António Roquete, guardião do Casa Pia AC, faz a última das suas 16 internacionalizações (a primeira ocorrera contra a França, sete anos antes) a 2 de Abril de 1933, quando a Espanha bate Portugal por 3-0 em Vigo. Com apenas 26 anos, Roquete não voltaria a ser chamado para defender a baliza portuguesa, em grande parte devido ao facto de ter abandonado o Casa Pia no final da época de 1932/33. Não se tratou exactamente de uma transferência, já que, como jogador amador, Roquete trabalhava fora do futebol, na Polícia Internacional, uma corporação especializada no controlo das fronteiras e dos estrangeiros residentes em Portugal que nesse ano de 1933 seria integrada na PVDE. Deixando Lisboa, o casapiano assume a chefia do posto da Polícia Internacional em Valença. Como futebolista, prossegue a sua actividade no Sport Club Valenciano, colectividade onde (a troco de algum dinheiro) realiza partidas amigáveis. A qualidade e popularidade de Roquete atrairão muito público ao campo das Antas.

Apesar de afastado da prática do futebol ao mais alto nível, por duas vezes António Roquete esteve perto de voltar a envergar a camisola da selecção nacional. Em 11 de Março de 1934, Portugal sofre em Madrid a sua derrota mais pesada, com os espanhóis a triunfarem por 9-0 na primeira mão da eliminatória de acesso ao Mundial desse ano. O volume do resultado e a má exibição do guarda-redes estreante na selecção Soares dos Reis (FC Porto), substituído durante a partida por Amaro (Benfica), acentuam a exigência do regresso de Roquete à baliza lusa. O seleccionador Ribeiro dos Reis resolve tentar convencer o casapiano a alinhar na segunda mão, que se realizará em 18 de Março no Lumiar, em Lisboa. No entanto, Roquete deslocar-se-á à capital como mero adepto, protestando contra a não inclusão no onze nacional de Carlos Alves, defesa que o acompanhara nos Jogos Olímpicos de 1928 (Sporting, 19-03-34). Saber-se-á depois do Portugal-Espanha (1-2), no qual Amaro e, na segunda parte, Dyson (Sporting) passaram pela baliza, que Roquete enviou à Federação um telegrama pedindo 900 escudos para jogar pela selecção (a verba cobriria a viagem entre Valença e Lisboa e outras despesas), o que, no contexto “amador” da época, deve ter sido julgado pelos dirigentes federativos como um acto digno de mercenário. Acusado de interesseiro, Roquete transmitiria a Ribeiro dos Reis, já no dia do desafio, a sua disponibilidade para jogar graciosamente, mas o seleccionador, desconhecedor da forma do guarda-redes, considerou ser demasiado tarde para a oferta (Sporting, 22-03-34).

Roquete permanecerá em Valença (apesar do interesse do Benfica e de clubes do Porto na sua contratação) até ao final de 1934, sendo em seguida transferido pela PVDE para Coimbra. Cândido de Oliveira é agora o seleccionador nacional, surpreendendo a imprensa ao apontar Roquete, então sem clube, como a sua escolha para a baliza no próximo Portugal-Espanha, a realizar em 5 de Maio. Apesar de reticente, António cede ao pedido de Cândido e começa a treinar-se em Coimbra, recorrendo ao auxílio do húngaro Rudolf Jeny, técnico da Académica. O casapiano comparece no primeiro treino da selecção, em 3 de Abril, e vê as suas capacidades testadas em dois jogos com a equipa austríaca do Wacker (em digressão por Portugal), o primeiro pelos “seleccionáveis” e o segundo, excepcionalmente, na baliza do Benfica. As incidências dos desafios não dão a Roquete grandes oportunidades para brilhar, embora a sua aparente serenidade impressione o seleccionador. Todavia, Cândido vê-se criticado e pressionado a desistir da sua opção, com o próprio Roquete a apontar-lhe o risco do treinador ser arrasado na imprensa em caso de fracasso defensivo no jogo com Espanha. Receoso de acusações de sectarismo ao proteger outro casapiano, como escreveria no Relatório do seleccionador nacional para o XII Portugal-Espanha (Federação Portuguesa de Football Association, 1935), Cândido de Oliveira acaba por ceder e Roquete não segue para o estágio em Carcavelos. Soares dos Reis seria o guarda-redes titular contra a Espanha, que, após chegar aos 0-3, consentiria um empate a três bolas.

Em Coimbra, António Roquete assumiria por um breve período o comando técnico do União local, praticando o seu outro desporto, a natação, pela Académica. Mais tarde, em Dezembro de 1935, regressou ao Casa Pia, então em dificuldades na prova regional de Lisboa, para acabar a carreira de futebolista no seu clube do coração.

O Tony Ramos é mesmo viloso

Público, 7 de Março de 2002

Fernando Marques: “ (…) A neutralidade histórica do Benfica é uma treta – até Abril de 1974, o clube foi uma bandeira do regime de Oliveira Salazar e Marcello Caetano. E não me recordo que algum dirigente de então tenha tentado separar as águas: na realidade, cada vitória internacional do Benfica era um balão de oxigénio para o fascismo (pelo menos, os fascistas gostavam de pensar que sim). (…)” (p. 40)

terça-feira, 6 de março de 2012

Olhem a bandeira do Cochicho!

A Voz Desportiva, 5 de Janeiro de 1935

“Pedido de casamento

Pelo nosso prezado amigo, sr. capitão António Rodrigues, foi pedida em casamento, para seu filho e querido director de A Voz Desportiva, Amadeu Rodrigues, a Exma. Sra. D. Maria Cândida Borges Jorge, filha do Exmo. Sr. Joaquim Fernandes Jorge, abastado proprietário em Vila Nova de Tazem e da Exma. Sra. D. Rosália Borges Jorge.
O enlace deve realizar-se em Agosto próximo.” (p. 3)

quinta-feira, 1 de março de 2012

Make war with love

Sporting, 15 de Abril de 1935

“Está pairando pelas regiões aveirenses a scie do futebol feminino a exemplo do que já sucedeu no Porto e outras terras do país.
Depois do team da Lapa, de celebrada e saudosa memória, temos agora em plena actividade o feminismo desportivo em Paços de Brandão e Ovar.
É caso para felicitar os desportistas daquelas localidades, pois prova que aí o sexo fraco dá leis em futebol… aos que presumem de fortes.
Avante, pois, pelo futebol feminino.” (p. 5)