Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Um safanão a tempo nestes rapazes



No suplemento Atual do Expresso de 22 de Setembro, Pedro Mexia assina uma crítica ao novo livro de Mário de Carvalho, O Varandim seguido de Ocaso em Carvangel (Porto Editora, 2012). Apreciador da escrita de Carvalho, Mexia atribui quatro estrelas (mantém-se polémica a classificação da qualidade dos livros pela crítica com um valor numérico, já abandonada pela revista Ler) às duas novelas reunidas no volume. No entanto, o recenseador poderia ter evitado revelar, no seu resumo das narrativas, os finais de cada uma delas. Quando encontrei a crítica, já tinha acabado a leitura de O Varandim seguido de Ocaso em Carvangel, mas o que terá acontecido àqueles que se interessam pela obra de Carvalho e contactaram com a prosa de Mexia antes de comprarem e lerem o livro recenseado? A opção dispensável de Mexia prejudicou os leitores desprevenidos. Se o objecto de análise fosse um filme, dificilmente o crítico revelaria o desfecho do argumento e, caso fosse necessário, pelo menos recorreria à expressão “Spoiler” antes de abordar o assunto. Nas referidas novelas de Mário de Carvalho, a conclusão não é algo do género “e viveram felizes para sempre”, beneficiando da capacidade de chocar ou surpreender que o autor tão bem sabe manejar. Se quiserem saber como terminam O Varandim e Ocaso em Carvangel, leiam a obra, não perguntem a Pedro Mexia.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

No meio da emoção electrificada do terceiro anel



Jornal da Mocidade Portuguesa de Moçambique, nº 15, Abril-Maio de 1949

Bruno dos Reis, “Pensamentos”

“ (…) “Nós somos assim”, escreveu um judeu ainda jovem (Rui Knopfli), que vivia em Dezembro de 1948 na Palestina. Falou da beleza do sacrifício dos seus irmãos de ideias, e não de ideais, porque esses deixaram de possuir uma existência verdadeira.
Sim. Porque o jovem judeu ao escrever aquelas linhas, possuído da convicção de que elas eram verdadeiras, enganou-se a si próprio e a muitos como ele, jovens também, que pensam emocionalmente, mas não aqueles que meditam com inteligência. Porque estes, sabem que existe uma elevada percentagem de judeus que preferem continuar a amealhar, a pegar em armas em defesa de ideais que para eles não existem. Porque, para eles, apenas existe a ideia do dinheiro. E quem possui amarras económicas não pode de forma alguma possuir ideais, sejam eles de que natureza forem.
Esta é a verdade. E é-me bastante doloroso verificar que um jovem judeu – eu supunha-o e continuo a supô-lo inteligente, caso contrário não perderia tempo a pensar naquilo que ele escreveu – possa acreditar numa possível unidade dos judeus seus irmãos.
Era preferível que afirmasse: “Nós os judeus estamos condenados a morrer judeus…” (…)” (p. 16)

(No nº 16, de Julho-Agosto de 1949, Rui Knopfli responde no artigo “Carta aberta ao Sr. Reis”)

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Todos temos que fazer a nossa arte



Diário de Lisboa, 28 de Maio de 1944

“Fugiram dois presos das obras do Estádio

Das obras do Estádio Nacional, evadiram-se os reclusos da cadeia de Caxias Agnelo Carlos Pereira ou Agnelo Pereira Carlos, natural de Lisboa, solteiro, tanoeiro, e António Emílio, natural de Vila Nova de Ródão, solteiro, empregado no comércio. O primeiro, condenado no Tribunal Militar Especial, cumpria pena maior, e o segundo, pena correccional.” (p. 2)

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Porque camandro é que não se fala nisto?



Em 1995, quando a TVI (entre a saída do projecto da Igreja Católica e a chegada de José Eduardo Moniz) estava meio à deriva, o quarto canal exibiu uma versão televisiva do jogo de tabuleiro Cluedo, já adaptado ao pequeno ecrã em França e Inglaterra. O programa semanal, realizado por João Canijo e Miguel Queiroga, combinava ficção e concurso, contando no elenco fixo com actores como Vítor Norte, João Lagarto e Margarida Marinho. Lembro-me que Cluedo começava por um filme (rodado por Canijo?) que introduzia na mansão a vítima da semana e mostrava as suas relações conflituosas com as personagens, que conduziam a num crime misterioso. Seguia-se o concurso propriamente dito, apresentado por Rogério Samora, no qual os concorrentes tentavam descobrir quem, onde e como tinha sido cometido o assassínio, através de perguntas às personagens, presentes no estúdio, ou da observação das investigações do inspector Barrosão (Guilherme Filipe). Eu gostava do programa, mas, à semelhança das vítimas, Cluedo não teve uma vida longa, sendo cancelado por motivos hoje desconhecidos. Ao nível das audiências, a TVI era então deixada muito para trás por RTP e SIC.

sábado, 8 de setembro de 2012

Hoje é dia de alto risco



Na revista Ler deste mês, José Mário Silva assina uma crónica com o título “São Pedro do Sul” (p. 41), onde desfia as recordações que lhe restam das férias passadas com os avós paternos naquela estância termal, quando Silva tinha “oito ou nove anos” (ou seja, em 1980/81). Sem nunca ter voltado desde então às termas de S. Pedro do Sul, o autor lembra-se, entre outras coisas, do Hotel Vouga e dos outros hóspedes deste (“deviam andar pelos 50, 60 anos, e pareciam-me muito velhos”), das tardes longas, do silêncio, das leituras que fazia (Stevenson, Júlio Verne, Astérix, Michel Vaillant), “do jardim que tinha no centro uma taça circular – cheia de água borbulhante e vapores – de que eu me aproximava a medo” ou dos passeios nas margens do rio.

A crónica de José Mário Silva aborda uma realidade que me é muito familiar, já que passei duas semanas de Agosto em S. Pedro do Sul todos os anos entre 1992 e 2005 (com as excepções de 1993 e 2000). Além do Hotel Vouga, existiam nas termas unidades hoteleiras como o Hotel do Parque, o Hotel Lisboa, a Pensão Avenida e o Inatel reaberto em 1997 após obras. Silva é “incapaz de recordar o edifício onde se faziam os tratamentos”, referindo-se ao velho Balneário Rainha D. Amélia, mas em 1992 já existia um novo edifício (que depois recebeu o nome de D. Afonso Henriques) ao qual os utentes se deslocavam para os tratamentos. A taça circular atrás citada continuava a espalhar um “cheiro fortíssimo, como de enxofre”. Quanto ao perfil etário predominante dos aquistas, mantinha-se basicamente o mesmo do início dos anos 80, por mais que a publicidade das termas estivesse cheia de fotografias de jovens sorridentes. Lembro-me de alguns dos livros que li nas tardes enormes de Agosto (Capitães da Areia, Os Maias, Glória, Se Isto É um Homem, Homens-Aranhas, Morte no Estádio, O Velho que Lia Romances de Amor, etc.), mas a verdade é que não me apetece falar muito sobre as termas sampedrenses. Embora nada tenha contra S. Pedro do Sul, foram Agostos a mais.