Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Calai-vos ou vai tudo raso!



Gabriel Mithá Ribeiro, autor de O Ensino da História (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2012), baseia-se na sua experiência como professor de História no ensino básico e secundário (da qual dá vários exemplos no livro, como a sua atitude impiedosa perante a indisciplina dos alunos) para criticar as orientações que os responsáveis do Ministério da Educação têm enviado às escolas. Opositor da corrente pedagógica “progressista” predominante nas últimas décadas, Mithá Ribeiro acredita que “o sistema tem de se tornar tendencial e essencialmente conservador” (p. 98), ou seja, a escola deve transmitir “saberes académicos e científicos sedimentados ao longo da história civilizacional do Ocidente” (p. 36). O professor insurge-se contra o “ensino centrado no aluno” criado pelas “Ciências da Educação” (entre aspas no original), que, dedicando-se apenas aos aspectos didácticos e pedagógicos, falha no essencial, a divulgação do conhecimento. 

Em O Ensino da História e outros livros, Gabriel Mithá Ribeiro reage (trata-se, exactamente, de um “reaccionário”) à prática e pensamento educativos desenvolvidos após o 25 de Abril num contexto de ruptura com aquilo que teria marcado a escola do Estado Novo: a autoridade inflexível e opressora do professor, as aulas meramente expositivas, a valorização excessiva da memorização, a apologia do colonialismo, a diabolização da I República, as sínteses historiográficas sem fontes nem qualquer apelo à iniciativa do aluno presentes em compêndios como os de António Gonçalves Mattoso, o isolamento do ensino em relação à sociedade da qual provêm os estudantes, o trabalho apenas individual, etc. É curioso verificar a quase simetria entre O Ensino da História e Um Rumo para a Educação (Editorial República, 1974), de Vitorino Magalhães Godinho, ministro da Educação e Cultura no II e III Governos Provisórios. Enquanto Godinho se preocupava em abrir a escola ao exterior e promover a ligação com a comunidade, Mithá Ribeiro dá a um capítulo o título “Fechar a porta da sala de aula e o portão da escola” (p. 32). As ideias dos autores sobre o modelo das aulas e a actividade dos alunos também são exactamente opostas.

Sem manifestar saudosismos, Gabriel Mithá Ribeiro pensa que os pedagogos e governantes da democracia levaram a educação portuguesa de um extremo para o outro, descurando a necessidade de equilíbrio. Numa corrente adversária, encontram-se estudiosos como António Teodoro, autor do artigo “Uma escola democrática, inclusiva e exigente” (Público, 22-10-2012, p. 47), que se baseia na investigação das Ciências da Educação (agora sem aspas) para apontar problemas actuais do ensino como “um curriculum escolar ainda organizado em termos de conhecimento disciplinar” e “uma formação de professores centrada num conhecimento disciplinar que subalterniza a construção de saberes práticos”.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Em Portugal qualquer coisa falhou



Um Risco na Areia (Avante, 2000), romance de Manuel Tiago (pseudónimo de Álvaro Cunhal), evoca o ambiente de Setembro de 1974, nomeadamente a oposição do PCP à manifestação da “maioria silenciosa” marcada para dia 28 desse mês (curiosamente, no romance nunca é referido pelo narrador ou pelas personagens o nome de Spínola, designado por “o presidente”, ou de qualquer outro político da época). A partir do centro de trabalho de uma freguesia de Lisboa, é mostrada a actividade incessante dos militantes comunistas, assim como os confrontos físicos entre jovens do PCP e do MRPP (“os emeérres”) e os ataques ao Partido de grupos “fascistas”, que multiplicam agressões e provocações nas vésperas do 28 de Setembro. Literariamente, Um Risco na Areia não possui grande valor, já que, neste romance, Cunhal acaba por dar mais espaço à exposição das suas posições políticas que ao desenvolvimento das personagens, de quem ficamos a saber pouco mais que os nomes.

A bibliografia da obra de Raquel Varela A História do PCP na Revolução dos Cravos (Bertrand, 2011) não inclui o título de Um Risco na Areia, o que se revela uma lacuna (sem pôr em causa a qualidade da tese da autora), tendo em conta o carácter quer de testemunho quer de propaganda que Cunhal fornece à sua reconstituição dos eventos de Setembro de 1974. O romance aponta como uma das actividades mais importantes dos militantes lisboetas o acompanhamento das lutas nas fábricas, onde os operários revoltados constituirão um campo de recrutamento para o PCP. Perante as situações de sabotagem económica, ligadas à preparação do alegado golpe de direita, representantes dos trabalhadores de uma empresa pedem conselho a um dirigente do PCP, recebendo como resposta “pronta e sem hesitar”: “Tomem conta da fábrica e mantenham-na em laboração” (p. 23), solução depois aprovada em plenário da empresa. A autogestão e o controlo operário teriam assim sido incentivados em 1974 pelo partido de Álvaro Cunhal, cuja versão colide com o livro de Raquel Varela (segundo a historiadora, os comunistas privilegiavam então a intervenção estatal em empresas alvo de sabotagem económica, dissuadindo as iniciativas operárias de ocupação das fábricas e auto-organização).

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Dirty minds never sleep



 Diário (Lourenço Marques), 16 de Julho de 1971

“Homenagem do Clube Operário de Futebol ao Prof. Marcello Caetano

Lisboa, 15 (L) – “O Presidente do Conselho, Prof. Marcello Caetano, é o melhor e maior de todos os operários” – afirmou o Governador Civil de Lisboa, na sessão de encerramento das comemorações das “bodas de ouro” do Clube Operário de Futebol, no fim da qual o Chefe do Governo, que é o sócio número 12 da colectividade, foi proclamado sócio honorário.” (p. 4)

sábado, 6 de outubro de 2012

A morte anda em Odivelas



Logo a seguir ao despedimento de Sá Pinto, o material publicitário com a imagem do Ricardo Coração de Leão foi retirado do site do Sporting. Na verdade, a expressão leonina de Sá Pinto é parte importante da campanha publicitária de 2012/13 “Em Frente Sporting”, particularmente do incentivo à compra da Gamebox. Os anúncios e folhetos divulgados há poucas semanas parecem agora datados. Algo de semelhante ocorreu na época anterior, quando o então treinador do SCP Domingos Paciência surgiu, de rosto sereno e confiante, na campanha “O Sporting Está de Volta”, para depois ver a sua passagem pelo clube concluída antes do previsto. Recuando até 2010/11, os postais vendidos na Loja Verde incluíam, além dos jogadores, um com o rosto do treinador, Paulo Sérgio, assim como uma fotografia de conjunto do plantel e equipa técnica com o presidente José Eduardo Bettencourt (os responsáveis pelos postais evitariam mais tarde arriscar com Domingos e Sá Pinto). O marketing do SCP tem sido, assim, expressão de esperanças que invariavelmente se frustram e acabam com responsáveis de outros clubes a defenderem que o futebol português precisa de um Sporting forte.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O apetite do imperialismo é enorme



Numa fase em que aposta na expansão e diversificação das suas actividades, o Centro de História do Futebol e do Desporto apresenta-se e abre-se a novos projectos e colaborações. Recordo o que escrevi aqui há dois anos (entretanto, o livro Cosme Damião – O Homem que Sonhou o Benfica, de Ricardo Serrado, foi publicado pela Zebra, com amplo sucesso comercial):

“O Centro de História do Futebol e do Desporto (CHFD) é uma associação fundada em Setembro de 2008 com sede em Lisboa que tem por objectivo o estudo historiográfico do fenómeno desportivo, especialmente do futebol, visando combater a escassez de abordagens deste pela investigação académica portuguesa. Dirigido pelo historiador Ricardo Serrado, o CHFD, aberto a parcerias com entidades públicas ou privadas, tem reunido uma vasta biblioteca de temática desportiva, incluindo periódicos especializados. As duas primeiras obras produzidas pelo CHFD foram História do Futebol Português, Uma análise social e cultural, em dois volumes (Prime Books, 2010), e uma biografia de Cosme Damião (no prelo).”