Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O nível mental e moral dos políticos continua a descer



Expresso, 15 de Junho de 1974

“50 Pides de Moçambique no Brasil, Espanha e Inglaterra

Mais de cinquenta elementos da extinta PIDE/DGS que se escaparam pelas fronteiras dos países vizinhos de Moçambique foram autorizados a embarcar para o Brasil, Espanha e Inglaterra.
A maior parte dos agentes eram funcionários superiores daquela polícia política e tinham possibilidade de emitir passaportes falsos.
Dois elementos da PIDE/DGS que partiram para Londres há dias, de Salisbúria, apresentaram passaportes em nome dos srs. “Visa” e “Vasco da Gama”.” (p. 1)

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

As feministas são o contrário dos touros



A propósito das listas de discos e filmes sobre o fim do mundo feitas há poucos dias, cumpre lembrar o cenário apocalíptico traçado em 10.000 Anos Depois Entre Vénus e Marte (1978), o célebre álbum de rock progressivo de José Cid. Nas duas primeiras faixas do trabalho, O Último Dia na Terra e O Caos, as letras falam de “guerras nucleares, poluição” como causas de uma situação em que, sem ar nem luz, “o planeta Terra já não pode mais viver”. A inacção das pessoas perante o desastre que se avizinhava (“não se ouviu um grito, não se fez um gesto”) levou à destruição do planeta, do qual poucos conseguem fugir em naves para o espaço. Só 10 mil anos depois a Terra voltará a ser habitável, permitindo “recomeçar outra civilização”.

O fim e recomeço do mundo imaginados por José Cid integram um álbum espantoso que, apesar do escasso êxito comercial em 1978, veio a ser reconhecido pelos apreciadores de rock progressivo a nível internacional. Nos espectáculos, Cid e a sua banda interpretam por vezes Mellotron, o Planeta Fantástico, a quarta faixa de 10.000 Anos… O estatuto de culto obtido pelo disco leva a que os fãs de Cid reclamem frequentemente um regresso do músico ao rock progressivo, em que não se voltou a aventurar depois dos anos 70. Na verdade, o cantor ribatejano já anunciou várias vezes um projecto no género sinfónico intitulado Vozes do Além, no qual, com outros músicos, Cid trataria o tema da vida para além da morte e da reencarnação, a partir de poemas de Natália Correia e Sophia de Mello Breyner Andresen. Um Dia, escrito por esta última, foi musicado, como balada, por Cid no CD Quem Tem Medo de Baladas (2011). No entanto, o anunciado Vozes do Além continua por concretizar, impondo-se para já na agenda de Cid o álbum actualmente em gravação Menino Prodígio. Sem querer criticar os últimos discos gravados por José Cid, quando acontecerá o tão esperado regresso ao rock progressivo?

Entretanto, também em registos mais alternativos, não deve ser esquecido o segundo LP do Quarteto 1111, datado de 1975 e chamado Onde, Quando, Como, Porquê, Cantamos Pessoas Vivas (editado no formato CD em 2008). Essa “Obra-Ensaio de José Cid”, dividida nas partes mencionadas no título, reflecte o ambiente de esperança vivido nos primeiros meses depois do 25 de Abril, além de possuir acentuada qualidade poética e, na opinião do compositor, ser mais original relativamente ao que se fazia lá fora que 10.000 Anos Entre Vénus e Marte. Por sua vez, o EP de José Cid Vida (Sons do Quotidiano), de 1977, permanece inédito em CD.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Bendito sábado chuvoso passado na Biblioteca Nacional



Um pouco de umbiguismo:

O site (ainda em construção) do Centro de História do Futebol e do Desporto, alojado no portal Football Dream, divulga os objectivos da unidade de investigação liderada por Ricardo Serrado, a obra já produzida pelo CHFD e os projectos a desenvolver, como um curso livre em torno da história e filosofia do desporto. Outra actividade em curso é a reunião de um acervo (composto por livros, revistas, folhetos e outros materiais) sobre história do desporto, destinado à consulta dos investigadores que analisem o tema. As caixas de comentários deste blogue estão abertas a contactos de quaisquer pessoas ou entidades interessadas em estabelecer parcerias com o CHFD.

No campo da banda desenhada, o site Central Comics está a assinalar o seu aniversário promovendo o Troféu “Heróis da Década”, que visa premiar as melhores obras da BD publicada em Portugal entre 2001 e 2012. O argumentista Fernando Dordio Campos, da série C.A.O.S., está nomeado na categoria de Melhor Argumentista Nacional, além do primeiro número de C.A.O.S. ser um dos candidatos ao prémio de Melhor Publicação Independente. A concorrência entre os nomes sujeitos à votação, que se prolonga até 31 de Janeiro, é muito forte, mas a selecção feita pela Central Comics constitui o reconhecimento da qualidade do trabalho de um dos maiores autores actuais da BD portuguesa (seria igualmente justa a presença de Osvaldo Medina nos nomeados para Melhor Artista Nacional).

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Um político que promete corrupção



Em entrevista ao Diário de Notícias publicada a 17 de Dezembro, o jornalista Luís Miguel Pereira recorda que “Quando ia a Inglaterra, sobretudo em reportagem, apercebia-me de que havia um mercado imenso de livros de futebol e fazia-me um pouco de confusão não existir esse mercado em Portugal, à sua dimensão.” (p. 50) Compreendendo a lacuna, Pereira produziu em 2002 livros sobre Jardel e Laszlo Bölöni, assim como um Dicionário do Futebol (edições da Booktree), que tiveram grande sucesso e abriram um mercado por explorar. No ano seguinte, Estórias d’Alvalade, uma recolha de depoimentos organizada por Pereira sobre o estádio sportinguista inaugurado em 1956, foi a primeira obra publicada pela Prime Books, a editora que acolheria os livros seguintes do jornalista da SportTV. Até hoje (o mais recente, Missão Benfica, sobre a presidência de Luís Filipe Vieira, foi posto à venda no mês passado), Luís Miguel Pereira lançou em Portugal 25 livros, a que se somam as obras editadas em Espanha, Brasil, Inglaterra, Coreia do Sul, Japão e Polónia. 

Embora quantidade não seja o mesmo que qualidade, a descoberta por Luís Miguel Pereira do filão inexplorado em Portugal dos livros sobre futebol (antes de 2002, obras do género, além de manuais técnicos, eram lançadas esporadicamente, mas os editores ainda não se tinham apercebido do potencial comercial do tema) abriu portas a uma ampla actividade editorial. A Prime Books e outras chancelas (Quidnovi, Zebra, Casa das Letras, Oficina do Livro, Livros d’Hoje, etc.), estimuladas por fenómenos mediáticos como Cristiano Ronaldo e José Mourinho, publicaram muitas obras de análise do beautiful game, escritas sobretudo por jornalistas. No entanto, o interesse comprovado do público pelos livros sobre futebol favoreceu o aparecimento e publicação de investigação académica acerca da história e sociologia do desporto-rei, com os consequentes avanços no estudo deste.

Voltando a Luís Miguel Pereira, além dos seus trabalhos jornalísticos dedicados a treinadores e futebolistas (curiosamente, na entrevista atrás citada, Pereira afirma manter algum distanciamento nas relações pessoais com os protagonistas do futebol, em parte devido às reservas destes, o que contrasta com o caso de outro jornalista desportivo, João Malheiro), criou conceitos editoriais de sucesso como a série Caretas (em colaboração com os cartoonistas Ricardo Galvão, Carlos Laranjeira e Pedro Ribeiro Ferreira) e as Bíblias, onde aos “grandes” portugueses se seguiram clubes e selecções de Brasil e Espanha, com Pereira a desenvolver compilações de factos desportivos especificamente direccionadas a esses mercados. O reconhecimento obtido levou o jornalista ao Programa do Jô, numa projecção mediática que Pereira se queixa de não receber nos media portugueses. Independentemente da apreciação dos seus pares, Luís Miguel Pereira soma êxitos de vendas e contribui para enriquecer a agora vasta bibliografia portuguesa sobre futebol e desporto em geral.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Arrumar carros é que está a dar



Na sua edição de ontem, o Público inclui na secção Pessoas (sobre as vidas das celebridades), como é hábito, a coluna “Hoje Fazem Anos”, listando várias figuras aniversariantes portuguesas e estrangeiras e as respectivas idades. Além de personalidades como Carla Sacramento e Fábio Rochemback, a lista de 10 de Dezembro inclui “Michael Clarke Duncan, actor, 55” (p. 35). De facto, o actor americano, que participou em filmes como The Green Mile e Falsas Aparências, nasceu em 10 de Dezembro de 1957. O problema é que Duncan morreu no passado dia 3 de Setembro. A coluna de aniversários é provavelmente feita pelo jornal de forma anónima e automática, por isso talvez o erro fosse compreensível, mas no número de hoje o Público não apresenta qualquer referência à falha (correcções de gralhas e inexactidões costumam surgir no espaço de opinião, em “O Público Errou”). Possivelmente ninguém reparou no lapso de considerar Duncan ainda vivo. São pormenores que ajudam a prejudicar a imagem do jornal de Bárbara Reis.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Ele até comeria um comunista



O clássico humorístico As Lições do Tonecas (Livrolândia, 1988), de José de Oliveira Cosme, reúne diálogos representados no Rádio Clube Português nas décadas de 30 e 40, que depois inspirariam a série televisiva com Luís Aleluia e Morais e Castro (a RTP promoveu outras adaptações de antigos programas cómicos de rádio, como Zequinha e Lelé e Patilhas e Ventoinha, sem o mesmo sucesso). A obra de Oliveira Cosme, figura importante da rádio, banda desenhada e literatura infantil portuguesas do século XX, baseia-se sobretudo no desenvolvimento do trocadilho, com algumas referências à realidade social da época. No caso do futebol, encontra-se o seguinte excerto no texto “Uma lição de Geografia” (onde o Professor identifica a Itália como uma monarquia constitucional):

“Professor — (…) Ora, em Espanha, há mais cidades importantes, não há? (…) Zamora, menino! Nunca ouviu falar em Zamora?...
Tonecas — Já sim, senhor professor. Foi o melhor guarda-redes do Mundo…
Professor — Ó menino! Nós não estamos a tratar de futebol… Tratamos de Geografia… Zamora é uma cidade espanhola da província de Leão
Tonecas — E eu também, senhor professor!
Professor — O quê? O menino também é cidade?
Tonecas — Não sou cidade, mas sou “leão” e com muita honra, senhor professor!
Professor — E ele a dar-lhe com o futebol!... Naturalmente, é por isso que o menino dá tantos pontapés na Gramática… (…)” (p. 165)