Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Os bebés de hoje são os alicerces da raça

O Playboy que Chora nas Canções de Amor (Verso da Kapa, 2007) revela, entre posts, crónicas, contos, humor e tragédia, o mundo de Luís Filipe Borges, numa antologia reeditada em 2010 com o título A Vida É Só Fumaça (apenas a capa foi alterada, permanecendo inclusive o texto onde Borges explica o título original). O argumentista açoriano, actualmente um dos apresentadores do 5 Para a Meia-Noite, expõe de forma confessional os seus sentimentos e ambições, alternando o sorriso com a emoção. No entanto, embora o resultado seja bastante interessante e superior ao do livro anterior de Borges, Sou Português... e Agora? (A Esfera dos Livros, 2006), fica-se com a sensação que o Boinas não ultrapassa uma dada fasquia, ou seja, é médio mas não é brilhante, quer dizer, sabe dar uns toques na bola mas não faz o público vibrar... em resumo, Luís Filipe Borges não é Ricardo Araújo Pereira, agora premiado pela APE pelo livro Novas Crónicas da Boca do Inferno.

Apesar de terem em comum a origem nas Produções Fictícias, o gosto pela literatura e a presença assídua no Estádio da Luz, Borges e Araújo Pereira estão longe de serem amigos. A propósito do livro de poesia Mudaremos o Mundo Depois das 3 da Manhã (Tágide, 2003), onde Borges inclui, entre outros, o poema “Mãe”, os Gato Fedorento conceberam o sketchGente que não vai a lado nenhum” (um dos poucos das quatro séries de Gato Fedorento que parecem ter sido criados a pensar especificamente numa pessoa), onde satirizam Boinas e os amigos deste (como o actor Tiago Rodrigues), que, pelos vistos, se dedicam com paixão ao elogio mútuo. As razões da zanga entre os humoristas não são claras, mas ainda não foram totalmente esquecidas por Luís Filipe Borges, que, numa entrevista recente à Notícias TV, sem nomear o quarteto, afirma: “Quero é enterrar machados, passou, que se lixe! Quero é que os gajos sejam felizes a fazer as cenas deles.” Na verdade, há espaço para todos no humor (e nos livros) em Portugal.


quinta-feira, 23 de maio de 2013

Comedores de lagosta com os impostos do povo


Director da PIP (Polícia Internacional Portuguesa) desde 1931 e da PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado) a partir de 1933, o capitão Agostinho Lourenço, homem de confiança de Salazar, preocupou-se em reforçar a disciplina dos funcionários da polícia política, com o objectivo de evitar comportamentos que prejudicassem a imagem desta, especialmente junto de outras entidades estatais (segundo Lourenço, quando assumiu a liderança da PIP, antes da depuração que levou a cabo, eram frequentes os conflitos e queixas das autoridades locais em relação à má qualidade profissional dos agentes). As ordens de serviço dos primeiros anos de vida da PVDE incluem numerosas punições a funcionários desta, justificadas por motivos como corrupção, abuso de autoridade ou desleixo no cumprimento do dever (maus tratos a prisioneiros não são causa de punição). São igualmente frequentes as directivas de Lourenço no sentido dos seus subordinados evitarem situações embaraçosas para o prestígio da PVDE, como o contacto dos agentes com prostitutas. Na OS nº 173, de 22 de Junho de 1934, encontra-se um exemplo das sanções aplicadas aos “elementos maus” da polícia, que poderiam ir da repreensão averbada à expulsão da PVDE, dependendo da gravidade da falta e do comportamento anterior do visado:

“Que seja punido com dez dias de suspensão de exercício e vencimento, o agente José Júdice Leote Cavaco, porque, valendo-se da sua situação de agente desta Polícia e esquecendo as recomendações mais de uma vez feitas, interveio numa questão passada entre duas mulheres de vida fácil, com uma das quais está amancebado e tendo tomado o partido desta, entrou violentamente em casa da outra, invocando a sua autoridade, para a invectivar e ameaçar com prisão. Este agente esqueceu-se do respeito que deve a si próprio e à Corporação a que pertence e demonstrou não ter exacto conhecimento da responsabilidade que advém da autoridade de que qualquer funcionário policial está investido, autoridade que não se deve exorbitar para se não cair no ridículo ou na censura do público a cujo respeito e consideração só se poderá impor pelo seu porte moral e correcto proceder.”

Em Outubro desse ano, José Cavaco “marchou em diligência” no dia 4, regressando dois dias depois, e voltou a executar uma missão em 10 de Outubro. No entanto, a ordem de serviço nº 286, de 13 de Outubro de 1934, inclui o seguinte despacho: “Que seja demitido desde 11 do corrente, por ter abandonado o serviço nessa data, o agente nº 56/56 da SI (Secção Internacional), José Júdice Leote Cavaco.”

segunda-feira, 20 de maio de 2013

E eu não estou para ser c...


Na época de 2010/11, Miguel Sousa Tavares (adepto do FC Porto) escreveu na sua coluna semanal em A Bola que os portistas deveriam mentalizar-se de que não era possível obter no mesmo ano o campeonato sem derrotas, a Liga Europa e a Taça de Portugal. Sensivelmente a meio de 2011/12, quando o novo treinador dos “dragões”, Vítor Pereira, recebia fortes críticas de Sousa Tavares, o comentador considerou que o campeonato se encontrava já decidido a favor do então líder Benfica. Já perto do final da Liga de 2012/13, Sousa Tavares concluiu que o título estava entregue, com todo o mérito, à equipa de Jorge Jesus. Esta impressionante capacidade de prever o futuro (numa tendência inversa à de Vítor Gaspar, que antevê sempre que as coisas vão correr melhor do que realmente acontece) leva os portugueses a desejar que Miguel Sousa Tavares, o mais cedo possível, afirme que o país não tem qualquer hipótese de sair da crise.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Onde se incluía Soares Socialista


Ricardo Serrado foi recentemente entrevistado pelo Público e pela Antena 3 (no programa Prova Oral, de Fernando Alvim), a propósito do livro O Estado Novo e o Futebol (Prime Books, 2012). Além de questões ligadas à história do futebol português, como as origens de Benfica e FC Porto e as relações da modalidade com o poder político durante o Estado Novo, Serrado aborda a sua concepção pessoal do desporto-rei e o papel que este ocupa na sociedade.

No que respeita às declarações concedidas ao Público, é pena que o historiador não desenvolva mais o problema da falsificação da suposta acta de fundação do Sport Lisboa (em que contexto e com que objectivos o documento terá sido forjado?), tal como as divergências entre Serrado e os responsáveis do Benfica, relativamente às novas informações sobre os primeiros anos do clube, que terão levado o investigador a dar por findo o trabalho que desenvolvia no Centro de Documentação do SLB e na concretização do Museu Cosme Damião (um espaço ainda com data de abertura incerta).

terça-feira, 7 de maio de 2013

A TNT, a Telemel e a Pessimus



Notícias de Valença, 16 de Novembro de 1933

“Lindbergh em Valença

Devido ao nevoeiro, foi obrigado a amarissar (sic) no Rio Minho, às 16 horas do dia 13 do corrente, entre Lapela e Friestas, o hidro-avião pilotado pelo aviador americano Lindbergh e sua esposa.
Logo que aqui foi conhecida a amaragem, partiram para ali as autoridades, em automóvel, regressando pouco depois acompanhados do aviador e sua esposa, tendo jantado no Hotel Valenciano acompanhados do sr. Administrador do concelho, comandante da secção da G.N. Republicana, chefe da polícia Internacional e o director da Delegação Aduaneira de Valença e um intérprete.
O aviador Lindbergh e sua esposa, acompanhados das autoridades, seguiram, depois do jantar, para bordo do hidro-avião, onde os aviadores pernoitaram, tendo no dia 14 regressado a Valença e almoçado no Hotel Valenciano, acompanhados das autoridades locais.
Sua exa. partiu ontem às 10 e 50 depois de ter voado sobre Valença.” (p. 3)

sábado, 4 de maio de 2013

Comezainas de ensopados a nadarem em manteiga de porco



Notícias de Valença, 16 de Agosto de 1934

“Na igreja matriz de Viana do Castelo, realizou-se ontem o casamento religioso da nossa gentil patrícia sra. D. Maria da Silva Bacelar, filha do proprietário e capitalista sr. António da Costa Bacelar e da sra. D. Adelaide Ribeiro da Silva Bacelar, com o sr. António Roquette, chefe da Polícia Internacional nesta vila.
Testemunharam o acto, por parte da noiva seus pais e por parte do noivo a sra. D. Antónia Ribeiro da Silva e o sr. António Lima da Costa Bacelar, respectivamente tia e irmão da noiva.
Aos noivos que são dignos das maiores felicidades, deseja o Notícias de Valença uma perpétua lua de mel.” (p. 3)