Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Às vezes uma coisa fode a outra e fica tudo fodido



No Verão de 1956, a equipa de futebol da Académica de Coimbra, onde Cândido de Oliveira treinava jogadores como Rocha, Bentes e Mário Wilson, realizou uma digressão a Angola e Moçambique. Após uma série ininterrupta de vitórias em território angolano, a Briosa foi calorosamente recebida no aeroporto de Mavalane, em Lourenço Marques (a AAC não voltara a Moçambique desde 1938), no dia 20 de Agosto. Cândido de Oliveira, conhecido como “mestre Cândido”, foi particularmente bem acolhido. Os membros do Núcleo Casapiano de Moçambique, fundado em 1934, deslocaram-se a Mavalane para saudar o Chumbaca, abraçado por personalidades como António Roquete, o antigo guarda-redes do Casa Pia e da selecção nacional em cuja vida Cândido fora decisivo (as relações entre ambos terão mudado em 1942, quando Cândido foi preso pela PVDE, a polícia na qual o antigo guarda-redes trabalhava). Roquete estaria presente na homenagem pública a Cândido de Oliveira que os casapianos de Lourenço Marques promoveram a 28 de Agosto, no restaurante Peninsular. O então treinador da Académica constituía uma referência para os ex-alunos da Casa Pia de Lisboa. Durante as duas semanas em que a AAC permaneceu em Moçambique, além dos banquetes e recepções públicas à equipa coimbrã (diplomados pela Universidade de Coimbra a residir em Moçambique, como o advogado Almeida Santos, participaram nesses eventos), Cândido seria alvo de outras solicitações e homenagens. Na sede do Desportivo, o técnico e jornalista proferiu a conferência “Futebol, Técnica e Táctica” (título de um dos seus livros). Cândido aproveitaria para fazer uma breve viagem de avião ao Norte de Moçambique, “em visita a uma pessoa de família” (Notícias, 30 de Agosto de 1956).

Em Lourenço Marques, a Académica disputou quatro partidas, frente aos principais clubes locais, Sporting, Desportivo e Ferroviário, e a um misto de jogadores das três equipas. Derrotados por 2-1 quer pelo Sporting quer pelo Desportivo, os “estudantes” triunfaram sobre o Ferroviário (4-2) e o misto laurentino (2-1). Embora os meios desportivos de Moçambique desejassem assistir a mais jogos com a AAC, em especial na Beira, a Académica estava pressionada pelo iminente começo do campeonato da I Divisão (a 9 de Setembro, em Alvalade). Os coimbrões deixaram Lourenço Marques em 2 de Setembro, passando por Luanda para defrontar a selecção local antes de regressarem à metrópole.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Larga duas bombas em cima da mãe dele



O Casapiano, Outubro de 1960

“Os dirigentes dos Clubes Desportistas da Capital, por iniciativa do Sport Lisboa e Benfica, deslocaram-se em massa ao Ministério da Educação Nacional a fim de manifestarem ao Senhor Ministro a viva repulsa dos desportistas da Capital, pelas palavras odientas proferidas na Assembleia Geral das Nações Unidas contra a unidade do mundo lusíada.
O nosso Clube fez-se representar no acto, pelos dirigentes António Santos e Meneses Alves.” (p. 1)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Nos momentos difíceis agimos por si



Henrique Raposo é um provocador nato que gosta de desmontar os lugares-comuns que considera circularem entre a elite (sobretudo a de esquerda) da III República. Na sua História Politicamente Incorrecta do Portugal Contemporâneo (Guerra e Paz, 2013), Raposo pretende ser “um mero recolector de factos incómodos” (p. 13), mas a obra é bem mais um ensaio político (de qualidade e pertinência inegáveis) que um livro de história. Na verdade, os factos apresentados pelo autor sobre temas como as relações entre Estado Novo e Igreja Católica, a participação portuguesa nas primeiras décadas da construção europeia, o desenvolvimento económico dos “trinta gloriosos” ou as posições colonialistas do republicanismo estão longe de ser novidade. De resto, Raposo destaca na bibliografia a influência de autores como Rui Ramos, através da História de Portugal por este coordenada e dos ensaios do historiador reunidos em Outra Opinião (O Independente, 2004). São numerosas as referências bibliográficas a artigos de investigação publicados na Análise Social, o que indicia a qualidade científica e diversidade temática da revista e dos livros editados pelo ICS. Por outro lado, historiadores como Fernando Rosas e Raquel Varela estão, obviamente, ausentes da bibliografia consultada por Raposo.

No capítulo “Álvaro Cunhal venceu”, Henrique Raposo contrapõe ao sectarismo do secretário-geral do PCP, “um partido que nunca quis viver em democracia” (p. 115), o “breve interlúdio” dos anos 50 e do V Congresso, quando, durante a prisão de Cunhal, o seu rival Júlio Fogaça, então figura dominante da direcção comunista, admitiu uma transição pacífica da ditadura para a democracia e abriu o PCP à colaboração em pé de igualdade com toda a oposição ao Estado Novo; “em consequência”, Fogaça “apoiou Humberto Delgado em 1958” (p. 115). Depois de fugir da cadeia de Peniche, Álvaro Cunhal teria feito o partido voltar à ortodoxia marxista-leninista e sabotado qualquer esforço unitário da oposição. O terceiro volume da biografia de Cunhal escrita por José Pacheco Pereira, O Prisioneiro (2ª edição, Temas e Debates, 2006) conta uma história algo diferente. Para lá do papel decisivo de Fogaça nos anos de isolamento e hostilidade comunista para com os restantes sectores oposicionistas, durante a primeira metade dos anos 50, a atitude da direcção do PCP perante as eleições presidenciais de 1958 foi errática. Depois de apostar numa candidatura de Cunha Leal que não se concretizou, o PCP lançou Arlindo Vicente contra o “fascista” Humberto Delgado. Só pressionados pelos militantes, muitos dos quais apoiaram Delgado, e depois de verem a dimensão da agitação anti-salazarista provocada pela candidatura do general é que os dirigentes comunistas se viram obrigados a ordenar a desistência de Vicente e aceitar a fusão das candidaturas.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Está tudo certo, mas não temos meios



Boletim Oficial de Moçambique, II Série, 20 de Abril de 1951 (suplemento)




“Direcção dos Serviços de Administração Civil
 
Convite


Encarrega-me S. Exa. o Governador-Geral, capitão-de-mar-e-guerra Gabriel Maurício Teixeira, de convidar as entidades e pessoas mencionadas no artigo 176º da Reforma Administrativa Ultramarina, a União Nacional, todas as colectividades e demais população a assistirem à missa solene “in die depositionis” que manda celebrar amanhã, dia 21, pelas 9 horas, na Sé Arquiepiscopal, sufragando a alma do venerando e saudoso Chefe do Estado, Marechal António Óscar de Fragoso Carmona.

Direcção dos Serviços de Administração Civil, em Lourenço Marques, 20 de Abril de 1951.


O Director,

Juvenal de Carvalho”