Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Nos momentos difíceis agimos por si



Henrique Raposo é um provocador nato que gosta de desmontar os lugares-comuns que considera circularem entre a elite (sobretudo a de esquerda) da III República. Na sua História Politicamente Incorrecta do Portugal Contemporâneo (Guerra e Paz, 2013), Raposo pretende ser “um mero recolector de factos incómodos” (p. 13), mas a obra é bem mais um ensaio político (de qualidade e pertinência inegáveis) que um livro de história. Na verdade, os factos apresentados pelo autor sobre temas como as relações entre Estado Novo e Igreja Católica, a participação portuguesa nas primeiras décadas da construção europeia, o desenvolvimento económico dos “trinta gloriosos” ou as posições colonialistas do republicanismo estão longe de ser novidade. De resto, Raposo destaca na bibliografia a influência de autores como Rui Ramos, através da História de Portugal por este coordenada e dos ensaios do historiador reunidos em Outra Opinião (O Independente, 2004). São numerosas as referências bibliográficas a artigos de investigação publicados na Análise Social, o que indicia a qualidade científica e diversidade temática da revista e dos livros editados pelo ICS. Por outro lado, historiadores como Fernando Rosas e Raquel Varela estão, obviamente, ausentes da bibliografia consultada por Raposo.

No capítulo “Álvaro Cunhal venceu”, Henrique Raposo contrapõe ao sectarismo do secretário-geral do PCP, “um partido que nunca quis viver em democracia” (p. 115), o “breve interlúdio” dos anos 50 e do V Congresso, quando, durante a prisão de Cunhal, o seu rival Júlio Fogaça, então figura dominante da direcção comunista, admitiu uma transição pacífica da ditadura para a democracia e abriu o PCP à colaboração em pé de igualdade com toda a oposição ao Estado Novo; “em consequência”, Fogaça “apoiou Humberto Delgado em 1958” (p. 115). Depois de fugir da cadeia de Peniche, Álvaro Cunhal teria feito o partido voltar à ortodoxia marxista-leninista e sabotado qualquer esforço unitário da oposição. O terceiro volume da biografia de Cunhal escrita por José Pacheco Pereira, O Prisioneiro (2ª edição, Temas e Debates, 2006) conta uma história algo diferente. Para lá do papel decisivo de Fogaça nos anos de isolamento e hostilidade comunista para com os restantes sectores oposicionistas, durante a primeira metade dos anos 50, a atitude da direcção do PCP perante as eleições presidenciais de 1958 foi errática. Depois de apostar numa candidatura de Cunha Leal que não se concretizou, o PCP lançou Arlindo Vicente contra o “fascista” Humberto Delgado. Só pressionados pelos militantes, muitos dos quais apoiaram Delgado, e depois de verem a dimensão da agitação anti-salazarista provocada pela candidatura do general é que os dirigentes comunistas se viram obrigados a ordenar a desistência de Vicente e aceitar a fusão das candidaturas.

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