Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Não há mestres da táctica

A cronologia Salazar: Biografia da Ditadura (Avante, 1999), de Pedro Ramos de Almeida, não constitui exactamente uma obra científica, adoptando uma perspectiva marxista de crítica e denúncia do Estado Novo, mas reúne numerosos elementos sobre a vida e o regime de Salazar. O índice onomástico assinala uma referência ao escritor inglês George Orwell, presente numa das entradas de 1955, quando é publicada a primeira edição portuguesa de 1984:

“Novembro: A revista mensal da LP, Legião em Marcha, também consagra no seu número deste mês o romance 1984, de George Orwell. É mesmo o seu director, João Ameal, que escreve: “ (…) Georges (sic) Orwell escreveu este impressionante 1984, lido por mim há quatro anos (…) e agora vertido na nossa língua por Paulo de Santa-Rita e editado pela Ulisseia. (…) Com impiedosa lógica, traça o minucioso panorama de uma sociedade caída em inumana escravatura, sujeita a um regime opressivo (…). No fundo, a sociedade tal qual a organizaria o comunismo integral se viesse a exercer o seu domínio em todo o continente europeu. (…)” Uma revista da LP que antecipa as críticas e os gostos de várias correntes anticomunistas da actualidade…” (p. 521)

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Tenho a cultura média de um europeu

Uma particularidade da língua portuguesa é a utilização frequente dos artigos a/o antes dos nomes de pessoas, num sinal de informalidade do discurso ou de familiaridade com aqueles a que se alude. Em dadas circunstâncias, pode também indicar um certo desprezo pelos indivíduos em questão, sobretudo quando se fala de políticos ou outras celebridades. De uma forma geral (nos casos de crianças e animais, o seu uso é mais comum), a linguagem escrita evita essa forma de tratamento, nomeadamente em textos científicos ou jornalísticos. Os órgãos noticiosos, na imprensa, na Internet ou noutros meios, não podem referir-se às pessoas que citam como “o” ou “a” Fulano/a. Quando tal acontece, deve-se a lapso (ou não?) de quem escreve ou revê o texto informativo. No entanto, esta situação é bastante comum, como se pode ver nos seguintes exemplos:

“O Governo de Obama pediu ainda ao regime do Assad (…)” www.publico.pt , 28-08-11
“Recordamos que este é o segundo casamento da cineasta (Sofia Coppola), que esteve unida em matrimónio de 1999 a 2003 com o Spike Jonze (…)” www.c7nema.net, 28-08-11
“A ausência de Rui Pedro foi dada pelas 18.30 quando o Manuel Mendonça foi informado que o filho faltou à explicação.” Diário de Notícias, 30-08-11
“Frederico Pombares (…) escreveu stand-up para Marco Horácio e o Bruno Nogueira (…).” Visão, 06-10-11
“O artigo (do Avante!), assinado pelo Jorge Messias (…).” Público, 04-11-11
“A Académica chega ao golo aos 63 minutos, com o Marinho a surgir no momento certo (…)” desporto.sapo.pt, 19-11-11

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O filme está a ficar demasiado pesado

Não se sabe quem tem medo de baladas, mas a “Edição Exclusiva” do novo álbum de José Cid, vendida nas lojas Fnac, inclui dois CD. Os “extras” que acompanham as 14 baladas do primeiro disco encontram-se num CD 2 com nove faixas, entre as quais estão novas versões de O Melhor Tempo da Minha Vida e Mais 1 Dia. A fechar, existe Medley – Canções de sempre, ou seja, 30 minutos (!) durante os quais, apenas com voz e piano, Cid faz ininterruptamente uma retrospectiva da sua obra (ou de parte dela), relembrando os temas A Nu, Romântico Mas Não Trôpego, Glória, Glória, Aleluia, Em Casablanca, Sonhador, Junto à Lareira, Na Cabana Junto à Praia e muitos outros. Concluída com uma pequena surpresa, esta longa faixa delicia qualquer cidéfilo.

domingo, 13 de novembro de 2011

A sigla sinistra da augusta História da Casa Lusitana

O número de Outubro da revista Dragões, editada pelo FC Porto, inclui uma entrevista a Carlos Tê, poeta, compositor e adepto do clube desde os tempos áridos de No Domingo Fui às Antas. A pedido da publicação, Tê elaborou um “top eleven” de letras da sua autoria, na origem de canções de Rui Veloso ou dos Clã, no qual colocou tanto grandes sucessos como temas que passaram relativamente despercebidos nos respectivos álbuns. Para as centenas de portugueses que não lêem a Dragões, fica aqui a lista:

1. A Gente Não Lê
2. País do Gelo
3. Porto Sentido
4. Conceição
5. Regras da Sensatez
6. Problema de Expressão
7. Bairro do Oriente
8. Guardador de Margens
9. Presépio de Lata
10. GTI
11. Recado a Rosana Arquete

Da mesma forma, Carlos Tê definiu um “onze ideal” do FC Porto, composto por Vítor Baía, Paulo Ferreira, Ricardo Carvalho, Jorge Costa, Branco, André, Jaime Pacheco, Pavão, Gomes, Hernâni e Hulk.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Há uma capitulação moral da população

Como único deputado da UDP eleito nas legislativas de 1976, Acácio Barreiros multiplicou-se em intervenções no Parlamento, celebrizando-se pelo bigode (embora mais comum nessa época) e pela violência dos seus discursos. Além de criticar a direita e os primeiros governos constitucionais, Barreiros tinha como alvo privilegiado a bancada do PCP, por si denominado “grupo burguês contra-revolucionário de Cunhal”.

A 30 de Julho de 1976, Barreiros leu na Assembleia da República as conclusões da última reunião plenária do Comité Central do Partido Comunista Português (Reconstruído), organização através da qual os maoístas pretendiam compensar o revisionismo em que o PCP original teria caído. O Diário da Assembleia da República (reproduzido em Intervenções Parlamentares de Acácio Barreiros, Lisboa, Assembleia da República, 2007, pp. 46-52) registou o discurso do deputado da UDP e os comentários feitos por alguns dos seus colegas do PCP. Ouvindo os ataques de Barreiros, Jerónimo de Sousa, Francisco Miguel, Aboim Inglês e Vital Moreira fizeram apartes como “Nunca te vi à frente da luta dos trabalhadores”, “Onde é que passaste a vida?”, “Não tens nada a ver com a classe operária”, “Cala-te, provocador”, “És um agente da burguesia”, “És um aldrabão, pá!”, “O homem está nervoso!” ou “És a vergonha do bacharelato”. Vasco da Gama Fernandes, então presidente da AR, teve de apelar à contenção dos comunistas, pedindo “compreensão e um pouco de silêncio”. Nem sempre Fernandes se mostrava tolerante para com a oratória de Acácio Barreiros, repreendido noutra ocasião pelo presidente da AR por ter chamado “gangster” ao embaixador dos Estados Unidos, Frank Carlucci.

sábado, 5 de novembro de 2011

O pepino sempre em pé

Na editora Sete Caminhos (não tenho notícia de que esta chancela tenha editado algum livro depois de 2009), Fernando Correia coordenou a publicação de várias obras sobre a história do desporto em Portugal e lançou livros da sua autoria, como as biografias de Matateu e Moniz Pereira ou ainda Pontapé na Bola – Histórias do futebol português (2006). Trata-se de um conjunto de pequenos textos sobre episódios e figuras do desporto-rei, pobre a nível de escrita e com erros de revisão (“O “Papa”, como alguns lhe chamam ainda (…) teve a capacidade e a visão futura de relançar a mitologia do dragão, povo que outrora terá habitado a citânia de Briteiros, na região Norte”, p. 125). O aspecto mais interessante da obra é a transcrição de fontes, embora a sua identificação não seja muito precisa, o que se lamenta sobretudo no caso das “memórias” citadas do jogador José Manuel Martins (pp. 71-73).