Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

sábado, 29 de junho de 2013

O hoje é o ontem de amanhã

No XI Congresso da Juventude Social Democrata, em 1994, iniciou-se um novo mandato da Comissão Política Nacional da organização, presidida desde 1990 por Pedro Passos Coelho. Então com 30 anos, Passos Coelho apresentou-se ao sufrágio dos militantes com uma lista que incluía ainda Nuno Freitas, Pedro Gomes, José Paulo, João Luís Gonçalves, Jorge Moreira da Silva (futuro sucessor de Passos na liderança da “jota”), Rui Martins, Feliciano Barreiras Duarte, Tó Silva, Francisco Braga, Carlos Reis, Gonçalo Capitão e Cristina Melo. A moção de Passos Coelho ao congresso, Acertar o Passo, foi editada num pequeno livro onde os membros da lista são identificados com uma fotografia e uma breve citação sua (a frase do líder é “Adiar é perder”).

Na introdução de Acertar o Passo, Passos Coelho reclama maior autonomia para a JSD, “lutando contra o contágio da acomodação e a facilidade do jogo interno do PSD” (p. 3), e alerta para o desencanto crescente com o cavaquismo que se seguira à esperança na base das maiorias absolutas de Cavaco Silva. A moção apresenta propostas dos jovens sociais-democratas sobre temas como educação, combate à droga, União Europeia, mudanças no sistema político (como o desaparecimento da idade mínima legal de 35 anos para os candidatos à Presidência da República) ou medidas governativas viradas para a juventude.

A nível ideológico, Passos Coelho considera que seria “criminoso negar os problemas actuais do Estado-Providência”, mas “igualmente infame” aproveitar um contexto de crise económica (20 milhões de desempregados nos 12 países comunitários) “que penaliza com especial severidade as classes média e baixa” para “contrapor modelos neo e mesmo ultra-liberais de putativa vanguarda da teoria económica” (p. 4). Por outro lado, impõe-se em 1994 “uma nova lógica de protecção social”, uma vez que “o Estado Social avançado tende a dissociar o esforço da recompensa, criando desincentivos ao trabalho, à poupança e ao espírito de iniciativa” Não é aceitável, para o presidente da JSD, que “grande parte dos recursos sejam dispendidos a indemnizar quem não tem trabalho em vez de o ser com a criação de condições para lhe permitir o regresso ao trabalho” (p. 6).


Pedro Passos Coelho deixaria a liderança da JSD no ano seguinte, candidatando-se à presidência da Câmara da Amadora nas autárquicas de 1997, quando foi eleito vereador.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Toda uma portuguesíssima gente que gosta de vocês


Boletim do Sporting Club de Portugal, 31 de Maio de 1930

“O atletismo é o desporto para todos.
Praticar atletismo é cuidar da sua educação física.

Treinos às terças, quintas e sábados, das 17 às 18,30 horas.” (p. 180)

sábado, 15 de junho de 2013

Um extremo cansaço de se ser infeliz

O interesse historiográfico do estudo da vida de António Fernandes Roquete (1906-1995) reside em boa parte na diversidade de meios onde o biografado se moveu e na abundância de temas e períodos que o caso pessoal de Roquete pode contribuir para compreender melhor. No entanto, seria errado analisar Roquete como um mero exemplo de determinados grupos e épocas, sem ter em conta as suas características individuais e a singularidade do seu percurso. Para lá do facto de ter sido simultaneamente um desportista célebre e um elemento importante na hierarquia das polícias políticas da Ditadura Militar e do Estado Novo, a sua vida foi marcada por numerosas contradições.

Assim, embora o apelido “Roquete” estivesse associado, no início do século XX, a uma família da elite local (em Salvaterra de Magos) e nacional (dela provinham vários dos fundadores do Sporting), António foi pobre e inscrito como aluno da Casa Pia de Lisboa. Apesar desse baixo estatuto económico-social, tornou-se, através do desporto, uma personalidade conhecida a nível nacional e mesmo internacional. Guarda-redes do Casa Pia Atlético Clube em anos nos quais os “gansos”, depois do sucesso inicial, perderam terreno para os seus rivais lisboetas, Roquete projectou-se como um dos ídolos do futebol português e foi por várias vezes o único jogador do CPAC convocado para a selecção nacional. Após aceitar uma proposta para jogar num clube do Funchal, deixou a Madeira sem ter participado num único encontro. Futebolista num tempo onde vigorariam, supostamente, em Portugal o amadorismo puro e o “amor à camisola”, recebeu dinheiro para jogar e foi abordado por clubes estrangeiros. Possuindo a vivência de partidas em grandes recintos a abarrotar de público e competições como o torneio olímpico de futebol, Roquete mostrou o seu talento nos campos com escassas condições de pequenos clubes de Elvas e Valença. A formação obtida na Casa Pia, em especial o conhecimento de línguas estrangeiras, e a experiência de viagens ao Brasil e a vários países europeus diferenciavam-no, no início da década de 30, da maioria dos subordinados do capitão Agostinho Lourenço na polícia política. A abundância de fotografias  de Roquete publicadas na imprensa durante os anos 20 e 30 contrasta com a dificuldade que os investigadores actuais sentem em encontrar imagens dos responsáveis das polícias políticas anteriores à PVDE. Admirado por casapianos e outros adeptos do futebol, Roquete converteu-se em alvo do ódio dos opositores à ditadura e ao colonialismo. Amigo e protegido de Cândido de Oliveira, foi acusado de colaboração na prisão e espancamento do treinador, antes de participar, anos mais tarde, em homenagens públicas a Cândido. Ao fim de décadas como servidor do Estado na repressão dos crimes políticos, deixou a polícia e iniciou uma carreira no sector privado (embora as fronteiras entre o Estado e os agentes económicos, no Moçambique colonial, estivessem longe de ser rígidas). Aparentemente, António Roquete escapou à passagem pela prisão que o 25 de Abril implicou para muitos dos antigos membros da PIDE/DGS. Para estes, findos os problemas com o sistema de justiça política, seguiu-se frequentemente um percurso na obscuridade e marcado pelo desprezo colectivo, enquanto Roquete continuou a ser um herói do Casa Pia e, pouco antes de morrer, foi homenageado como “glória” do desporto português, sendo a sua morte assinalada pelo meio futebolístico.


Teria a história portuguesa evoluído da mesma forma se António Roquete não tivesse existido? Provavelmente sim, mas, se não fosse a exibição espantosa do guarda-redes casapiano, Portugal teria sido derrotado pela Argentina no jogo disputado em 1 de Abril de 1928 no Lumiar.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Com Pregomia este gajo não fugia

No ano passado, o PCP realizou em Santa Maria da Feira a tradicional homenagem anual a António Ferreira Soares, médico e militante comunista que em 4 de Julho de 1942, quando se encontrava na localidade de Nogueira da Regedoura (onde era protegido pela população, à qual prestava auxílio médico gratuito), foi alvo de uma cilada e assassinado pela PVDE. O nome de Ferreira Soares passou a integrar a lista dos “mártires” do PCP, vítimas da repressão salazarista e referidos nos documentos publicados pelo partido. A propósito dos 70 anos da morte de Ferreira Soares, a romagem ao cemitério da Feira contou com a presença do secretário-geral comunista, Jerónimo de Sousa (em 1992, Álvaro Cunhal participou na cerimónia, recordando que se encontrava no Norte quando soube do assassinato), e um discurso proferido por este.

O discurso de Jerónimo é interessante quer pelo ataque do líder comunista à campanha “levada a cabo pelo exército de historiadores de serviço e difundida pelos difusores de serviço” que estará a desvalorizar a violência promovida pelo Estado Novo e o papel do PCP na resistência à ditadura, quer pelo resumo das actividades oposicionistas desenvolvidas durante a II Guerra Mundial. É feita uma enumeração das povoações e sectores laborais onde ocorreram greves e outras acções de protesto, assim como são referidos os movimentos unitários (MUNAF, MUD, MUDJ) onde diversas correntes da oposição colaboraram no ataque a Salazar. Naturalmente, Jerónimo de Sousa atribui ao seu partido, então em fase de reorganização e crescimento sob a direcção de Álvaro Cunhal, a liderança das movimentações populares e da “unidade anti-fascista”.


O político descreve da seguinte forma o assassinato de António Ferreira Soares: “uma falsa doente, acompanhada por um inspector e dois agentes da PVDE, solicita-lhe uma consulta de urgência, pedido a que ele (...) acede, recebendo a falsa doente em casa de sua irmã. Depois foram as 14 balas de pistola metralhadora disparadas à queima-roupa. (...)” De acordo com a narrativa dos acontecimentos de 4 de Julho de 1942 que tem sido divulgada pelo PCP, o inspector da PVDE referido por Jerónimo seria António Roquete, que comandava então os agentes Leonel Laranjeira e José Rodrigues Coimbra. No entanto, os nomes dos intervenientes e os pormenores da morte de Ferreira Soares divergem várias vezes nas fontes (do PCP ou de outras origens), numa situação que dificulta o esclarecimento do que se passou em Nogueira da Regedoura naquele dia. Certa é apenas a informação de que foi Leonel Laranjeira o único elemento da PVDE a ser julgado, em 1943, pelo crime, e a obter do Tribunal Militar Territorial do Porto a absolvição, a partir da conclusão de que Laranjeira disparara sobre o médico comunista em legítima defesa.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Tens o cabelo diferente, Miguel

Avante!, Nº 155, Janeiro de 1951

“Os futobolistas (sic)
Azevedo, Veríssimo, Francisco Ferreira, Capela, Bentes e Barros
São da PIDE

Apupai-os nos campos de jogos!” (p. 1)