Mais que um romance, Madrugada
Suja (Clube do Autor, 2013) constitui uma exposição da visão de Portugal do
seu autor, Miguel Sousa Tavares. De resto, o enredo (que serve as digressões
temáticas do romancista e não o contrário) é pobre e as personagens mal
construídas, longe do que Sousa Tavares mostrou ser capaz de fazer em Equador. Para lá de ocasionais gralhas,
existem várias incongruências, não se percebendo bem se a história se passa em
1997 ou na actualidade. Em compensação, encontramos elementos familiares do
universo do escritor (caça, peixe, Alentejo, FC Porto, etc.) e as opiniões
ácidas de Sousa Tavares sobre temas das últimas décadas como a Reforma Agrária,
a suburbanização, a corrupção nas autarquias, a construção ilegal em áreas
protegidas, a justiça, o jornalismo, os partidos, a arquitectura e o
envolvimento dos ciganos no tráfico de droga, entre outros.
Miguel Sousa Tavares não deixa de se referir, aqui sem
alusões circenses, a Cavaco Silva (não escrevendo o nome deste), visto assim
pelos olhos de uma personagem da mesma família política do algarvio: “ (...) um
enfatuado, que se referia a si próprio como “o Presidente”, e que gostava de se
demarcar dos seus pares e afirmar-se como um homem sério, face à miséria
endógena dos “políticos” – muito embora a sua ascensão ao topo tivesse sido
toda ela feita de manobras, conspirações e jogadas meticulosamente calculadas
da mais banal política. Subira sem jamais se prestar aos combates de risco,
cultivando uma imagem de homem íntegro, diferente, sem vícios nem fraquezas.
(...) o Presidente nunca se misturara, nunca se arriscara, nunca vira nada,
nunca soubera de nada. E, quando os seus próximos caíam na lama, virava a cara
para o lado e fazia um ar pesaroso, de amigo enganado. (...)” (pp. 330-331)