Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

domingo, 7 de julho de 2013

António, traz-me uma vespa

Mais que um romance, Madrugada Suja (Clube do Autor, 2013) constitui uma exposição da visão de Portugal do seu autor, Miguel Sousa Tavares. De resto, o enredo (que serve as digressões temáticas do romancista e não o contrário) é pobre e as personagens mal construídas, longe do que Sousa Tavares mostrou ser capaz de fazer em Equador. Para lá de ocasionais gralhas, existem várias incongruências, não se percebendo bem se a história se passa em 1997 ou na actualidade. Em compensação, encontramos elementos familiares do universo do escritor (caça, peixe, Alentejo, FC Porto, etc.) e as opiniões ácidas de Sousa Tavares sobre temas das últimas décadas como a Reforma Agrária, a suburbanização, a corrupção nas autarquias, a construção ilegal em áreas protegidas, a justiça, o jornalismo, os partidos, a arquitectura e o envolvimento dos ciganos no tráfico de droga, entre outros.


Miguel Sousa Tavares não deixa de se referir, aqui sem alusões circenses, a Cavaco Silva (não escrevendo o nome deste), visto assim pelos olhos de uma personagem da mesma família política do algarvio: “ (...) um enfatuado, que se referia a si próprio como “o Presidente”, e que gostava de se demarcar dos seus pares e afirmar-se como um homem sério, face à miséria endógena dos “políticos” – muito embora a sua ascensão ao topo tivesse sido toda ela feita de manobras, conspirações e jogadas meticulosamente calculadas da mais banal política. Subira sem jamais se prestar aos combates de risco, cultivando uma imagem de homem íntegro, diferente, sem vícios nem fraquezas. (...) o Presidente nunca se misturara, nunca se arriscara, nunca vira nada, nunca soubera de nada. E, quando os seus próximos caíam na lama, virava a cara para o lado e fazia um ar pesaroso, de amigo enganado. (...)” (pp. 330-331)

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