Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Água e mulher, só boa se quer

O texto mordaz de José de Pina e as ilustrações de João Fazenda tornam Nascido para Mandar. Guia para chegar ao Poder em Portugal (Gradiva, 2004) um livro muito divertido e uma fonte valiosa sobre a política portuguesa (e a imagem pública desta) na transição entre os séculos XX e XXI. O objectivo do “guia” de Pina, na altura um dos argumentistas do Contra-Informação, é indicar ao leitor como alcançar e manter o poder no nosso sistema político-partidário (incluindo o “Partido do Futebol”, cuja influência sobre os políticos era então descoberta), recorrendo a exemplos recentes para analisar como, num cenário de “revolução informática e comunicacional” (p. 12), a forma de fazer política em Portugal se alterou completamente desde os primeiros anos de democracia.


No final da introdução, editor e autor apelam aos leitores para que escrevam a relatar mudanças e novidades entretanto ocorridas, de modo a permitir “fazer uma próxima edição ainda melhor” (p. 13). De facto, Nascido para Mandar veio a público em Maio de 2004, poucos meses antes do consulado de Pedro Santana Lopes, marcado por abundantes episódios que seriam certamente aproveitados por José de Pina. No entanto, a ausência de uma nova edição da obra fez com que esta, sem perder a graça, se desactualizasse em vários aspectos. Por exemplo, Pina ainda aconselha o aspirante a político a fazer uma licenciatura a sério, com a duração de cinco anos e de preferência numa universidade pública (p. 57), assim como afirma, após ponderação e sem ironia, que “não é aconselhável ser presidente ou ter um cargo de muito destaque numa juventude partidária”, indicando razões como a imagem de envelhecimento prematuro fornecida pelos muitos anos de actividade política a “jotas” como António José Seguro (pp. 62-63). Com a excepção do presidente do Governo Regional da Madeira, muito do que é abordado no livro mudou nos últimos dez anos. Deste modo, urge que Pina e Fazenda voltem a trabalhar juntos para criar um Nascido para Mandar que combine a observação satírica dos bastidores partidários com o retrato das circunstâncias políticas do Portugal da troika, naquilo que este tem de cómico e trágico.

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