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sábado, 10 de março de 2012

Onde está o menino Adolfo?

Numa altura em que “É incontestavelmente o primeiro guarda-redes nacional” (Stadium, 06-03-33), António Roquete, guardião do Casa Pia AC, faz a última das suas 16 internacionalizações (a primeira ocorrera contra a França, sete anos antes) a 2 de Abril de 1933, quando a Espanha bate Portugal por 3-0 em Vigo. Com apenas 26 anos, Roquete não voltaria a ser chamado para defender a baliza portuguesa, em grande parte devido ao facto de ter abandonado o Casa Pia no final da época de 1932/33. Não se tratou exactamente de uma transferência, já que, como jogador amador, Roquete trabalhava fora do futebol, na Polícia Internacional, uma corporação especializada no controlo das fronteiras e dos estrangeiros residentes em Portugal que nesse ano de 1933 seria integrada na PVDE. Deixando Lisboa, o casapiano assume a chefia do posto da Polícia Internacional em Valença. Como futebolista, prossegue a sua actividade no Sport Club Valenciano, colectividade onde (a troco de algum dinheiro) realiza partidas amigáveis. A qualidade e popularidade de Roquete atrairão muito público ao campo das Antas.

Apesar de afastado da prática do futebol ao mais alto nível, por duas vezes António Roquete esteve perto de voltar a envergar a camisola da selecção nacional. Em 11 de Março de 1934, Portugal sofre em Madrid a sua derrota mais pesada, com os espanhóis a triunfarem por 9-0 na primeira mão da eliminatória de acesso ao Mundial desse ano. O volume do resultado e a má exibição do guarda-redes estreante na selecção Soares dos Reis (FC Porto), substituído durante a partida por Amaro (Benfica), acentuam a exigência do regresso de Roquete à baliza lusa. O seleccionador Ribeiro dos Reis resolve tentar convencer o casapiano a alinhar na segunda mão, que se realizará em 18 de Março no Lumiar, em Lisboa. No entanto, Roquete deslocar-se-á à capital como mero adepto, protestando contra a não inclusão no onze nacional de Carlos Alves, defesa que o acompanhara nos Jogos Olímpicos de 1928 (Sporting, 19-03-34). Saber-se-á depois do Portugal-Espanha (1-2), no qual Amaro e, na segunda parte, Dyson (Sporting) passaram pela baliza, que Roquete enviou à Federação um telegrama pedindo 900 escudos para jogar pela selecção (a verba cobriria a viagem entre Valença e Lisboa e outras despesas), o que, no contexto “amador” da época, deve ter sido julgado pelos dirigentes federativos como um acto digno de mercenário. Acusado de interesseiro, Roquete transmitiria a Ribeiro dos Reis, já no dia do desafio, a sua disponibilidade para jogar graciosamente, mas o seleccionador, desconhecedor da forma do guarda-redes, considerou ser demasiado tarde para a oferta (Sporting, 22-03-34).

Roquete permanecerá em Valença (apesar do interesse do Benfica e de clubes do Porto na sua contratação) até ao final de 1934, sendo em seguida transferido pela PVDE para Coimbra. Cândido de Oliveira é agora o seleccionador nacional, surpreendendo a imprensa ao apontar Roquete, então sem clube, como a sua escolha para a baliza no próximo Portugal-Espanha, a realizar em 5 de Maio. Apesar de reticente, António cede ao pedido de Cândido e começa a treinar-se em Coimbra, recorrendo ao auxílio do húngaro Rudolf Jeny, técnico da Académica. O casapiano comparece no primeiro treino da selecção, em 3 de Abril, e vê as suas capacidades testadas em dois jogos com a equipa austríaca do Wacker (em digressão por Portugal), o primeiro pelos “seleccionáveis” e o segundo, excepcionalmente, na baliza do Benfica. As incidências dos desafios não dão a Roquete grandes oportunidades para brilhar, embora a sua aparente serenidade impressione o seleccionador. Todavia, Cândido vê-se criticado e pressionado a desistir da sua opção, com o próprio Roquete a apontar-lhe o risco do treinador ser arrasado na imprensa em caso de fracasso defensivo no jogo com Espanha. Receoso de acusações de sectarismo ao proteger outro casapiano, como escreveria no Relatório do seleccionador nacional para o XII Portugal-Espanha (Federação Portuguesa de Football Association, 1935), Cândido de Oliveira acaba por ceder e Roquete não segue para o estágio em Carcavelos. Soares dos Reis seria o guarda-redes titular contra a Espanha, que, após chegar aos 0-3, consentiria um empate a três bolas.

Em Coimbra, António Roquete assumiria por um breve período o comando técnico do União local, praticando o seu outro desporto, a natação, pela Académica. Mais tarde, em Dezembro de 1935, regressou ao Casa Pia, então em dificuldades na prova regional de Lisboa, para acabar a carreira de futebolista no seu clube do coração.

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