Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

terça-feira, 20 de março de 2012

Os incapazes são pessoas perigosas


No livro Carlos Lopes e a Escola Portuguesa do Meio Fundo (Sá da Costa Editora, 1981), o treinador Mário Moniz Pereira procura transmitir os métodos que utilizou para favorecer o sucesso do atletismo masculino português, com o seu ponto alto, até então, na medalha de prata dos 10 mil metros conseguida por Carlos Lopes nos Jogos Olímpicos de 1976, em Montreal. Crente na possibilidade dos corredores portugueses obterem resultados de nível internacional, logo que lhes fossem facultadas condições de treino semelhantes às das potências da modalidade (os atletas lusos tinham então de conciliar os treinos com as suas obrigações profissionais), Moniz Pereira traçou em Agosto de 1975 um plano de preparação para os Jogos de Montreal que submeteu à aprovação da Direcção-Geral dos Desportos (liderada por Alfredo Melo de Carvalho), vindo a receber um parecer positivo. Além do cepticismo generalizado quanto à possibilidade de um português atingir a glória olímpica no atletismo, Moniz Pereira teve então de enfrentar as críticas provocadas pelo orçamento elevado (quase 600 contos) do seu plano de preparação intensiva, numa época de dificuldades económicas e agitação política. Mesmo assim, valeu a pena, já que Carlos Lopes falhou por pouco o ouro e os restantes cinco representantes de Portugal tiveram igualmente excelentes resultados. Os treinos diários de Lopes (com descanso semanal), começados em 11 de Novembro de 1975, são registados no livro por Moniz Pereira, incluindo o seguinte excerto:

“24-11-1975: Parque 25 de Abril – 10 horas: uma hora e meia de corta-mato e estrada;
25-11-1975: Estádio da Luz – 9 horas: 4X1500 m com 5 minutos de intervalo (…)
Estádio Alvalade – 18 horas: uma hora de footing na relva;
26-11-1975: Praia de Carcavelos – 9 horas: 45 minutos de footing na areia;
Estádio Universitário – 18 horas: uma hora e um quarto de corta-mato; (...)” (p. 72)

A ameaça de guerra civil e a tentativa de golpe militar de 25 de Novembro, com o estado de sítio em Lisboa daí decorrente, em nada parecem ter afectado a rotina de Carlos Lopes e do seu técnico. Sob o comando de Moniz Pereira, o treino dos atletas realizava-se em quaisquer condições, quer atmosféricas, quer político-militares.

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