É já no final do
seu livro de memórias, Percurso Solitário
(Bertrand, 2006), que o jurista açoriano Augusto de Ataíde (1941-) relata a sua
passagem pelo cargo de subsecretário (depois secretário) de Estado da Juventude
e Desportos, que ocupou entre 15 de Janeiro de 1970 e 5 de Abril de 1973,
quando passou para a Secretaria de Estado da Instrução e Cultura (foi
substituído no pelouro da Juventude e Desportos por Orlando Valadão Chagas,
efémero presidente do Sporting), que dirigiria até ao 25 de Abril. Escolhido
por Marcelo Caetano, Ataíde trabalhou sob a direcção do ministro da Educação
Nacional, José Veiga Simão, com quem partilhava o entusiasmo pelo projecto de
transformação do país através do alargamento do ensino. Amigo de Amaro da Costa
e Freitas do Amaral, Ataíde acreditava numa evolução pacífica do Estado Novo
para a democracia, sofrendo a desilusão do fracasso do marcelismo.
No que respeita aos
seus contactos com o sector desportivo enquanto governante, Augusto de Ataíde
acredita que o desporto português de então não estava tão afectado por
violência e corrupção como aconteceria nas décadas posteriores. O autor de Percurso Solitário considera igualmente
não fazer sentido falar em três “efes”: “O Futebol idolatrado pelas massas não
parece que as tenha especialmente atraído para o salazarismo…” (p. 321)
Existiriam assim condições para uma relação fácil do Estado com os agentes
desportivos, se o Ministério da Educação Nacional não tivesse a
responsabilidade de se pronunciar sobre as mais diversas matérias da vida dos
clubes e federações. Envolvidos “numa malha de autorizações, homologações e, em
especial, recursos” (p. 321), Veiga Simão e Ataíde são alvo de numerosas
pressões dos dirigentes desportivos e das autoridades locais, que assumem os
interesses bairristas. Os pedidos de subsídios pelos clubes, numa altura em que
estes são financiados sobretudo por mecenas, são também constantes. Perante as
múltiplas solicitações, o Ministério assume geralmente uma posição de firmeza,
como quando, no final da época de 1971/72, os adeptos da Académica tentam obter
de Veiga Simão um alargamento da I Divisão que salve a AAC da descida.
Difundir a prática
do desporto, especialmente entre as crianças e jovens sem condições para a ela
aceder, é uma preocupação fulcral de Augusto de Ataíde, que, em conjunto com o
director-geral dos Desportos, Armando Rocha, promove a construção, através do
Fundo de Fomento do Desporto (financiado pelas receitas do Totobola), de
infra-estruturas básicas como pavilhões gimnodesportivos. O subsecretário de
Estado irá apoiar, através de subsídios e incentivos à colaboração das
autarquias da Margem Sul, os Jogos Juvenis do Barreiro, uma iniciativa de
desporto popular promovida pela esquerda local. Neste caso, hostilizando inicialmente
um evento que lhe é exterior, o Estado solidariza-se com a promoção do fenómeno
visando reduzir a influência comunista nos Jogos e integrar no âmbito oficial o
fomento do desporto juvenil. Refira-se que neste período, ao observar a inacção
e decadência da Mocidade Portuguesa, o MEN cria paralelamente a esta um
conjunto de centros, baseados na adesão voluntária dos jovens, dedicados ao
aproveitamento dos tempos livres dos alunos (o carácter misto e politicamente
neutro desses centros causa a indignação dos mais conservadores, expressa em
muitas cartas recebidas por Ataíde). No exercício das suas funções oficiais,
Ataíde tem ainda a oportunidade de assistir aos Jogos Olímpicos de 1972 (um dos
atletas portugueses é apanhado a roubar numa loja de Munique e enviado de volta
ao país) e à Universíada (Jogos Mundiais Universitários) de 1973, realizada em
Moscovo.
De acordo com o
relatado nas memórias de Augusto de Ataíde, a política desportiva do MEN sob a
chefia de Veiga Simão (desconfortável com a teia burocrática criada pelo
controlo cerrado do Estado Novo sobre a orgânica do desporto português) privilegiou
a massificação e não o conteúdo ideológico, no que respeita às actividades
atléticas fornecidas à juventude dentro e fora das escolas. No entanto, Ataíde
queixa-se de que a imprensa desportiva, alinhada com a oposição ao regime,
criticou sistematicamente os esforços ministeriais. De certa forma, o caso particular
do desporto deixa antever o falhanço dos planos reformistas no quadro da
ditadura, quando muitos agentes e teóricos desportivos acreditavam já que só
uma ruptura política de carácter revolucionário poderia, entre muitos outros
problemas, desbloquear a questão da difusão da prática desportiva por toda a
população portuguesa.