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domingo, 13 de janeiro de 2013

As forças do mal não desarmam



É já no final do seu livro de memórias, Percurso Solitário (Bertrand, 2006), que o jurista açoriano Augusto de Ataíde (1941-) relata a sua passagem pelo cargo de subsecretário (depois secretário) de Estado da Juventude e Desportos, que ocupou entre 15 de Janeiro de 1970 e 5 de Abril de 1973, quando passou para a Secretaria de Estado da Instrução e Cultura (foi substituído no pelouro da Juventude e Desportos por Orlando Valadão Chagas, efémero presidente do Sporting), que dirigiria até ao 25 de Abril. Escolhido por Marcelo Caetano, Ataíde trabalhou sob a direcção do ministro da Educação Nacional, José Veiga Simão, com quem partilhava o entusiasmo pelo projecto de transformação do país através do alargamento do ensino. Amigo de Amaro da Costa e Freitas do Amaral, Ataíde acreditava numa evolução pacífica do Estado Novo para a democracia, sofrendo a desilusão do fracasso do marcelismo.

No que respeita aos seus contactos com o sector desportivo enquanto governante, Augusto de Ataíde acredita que o desporto português de então não estava tão afectado por violência e corrupção como aconteceria nas décadas posteriores. O autor de Percurso Solitário considera igualmente não fazer sentido falar em três “efes”: “O Futebol idolatrado pelas massas não parece que as tenha especialmente atraído para o salazarismo…” (p. 321) Existiriam assim condições para uma relação fácil do Estado com os agentes desportivos, se o Ministério da Educação Nacional não tivesse a responsabilidade de se pronunciar sobre as mais diversas matérias da vida dos clubes e federações. Envolvidos “numa malha de autorizações, homologações e, em especial, recursos” (p. 321), Veiga Simão e Ataíde são alvo de numerosas pressões dos dirigentes desportivos e das autoridades locais, que assumem os interesses bairristas. Os pedidos de subsídios pelos clubes, numa altura em que estes são financiados sobretudo por mecenas, são também constantes. Perante as múltiplas solicitações, o Ministério assume geralmente uma posição de firmeza, como quando, no final da época de 1971/72, os adeptos da Académica tentam obter de Veiga Simão um alargamento da I Divisão que salve a AAC da descida.

Difundir a prática do desporto, especialmente entre as crianças e jovens sem condições para a ela aceder, é uma preocupação fulcral de Augusto de Ataíde, que, em conjunto com o director-geral dos Desportos, Armando Rocha, promove a construção, através do Fundo de Fomento do Desporto (financiado pelas receitas do Totobola), de infra-estruturas básicas como pavilhões gimnodesportivos. O subsecretário de Estado irá apoiar, através de subsídios e incentivos à colaboração das autarquias da Margem Sul, os Jogos Juvenis do Barreiro, uma iniciativa de desporto popular promovida pela esquerda local. Neste caso, hostilizando inicialmente um evento que lhe é exterior, o Estado solidariza-se com a promoção do fenómeno visando reduzir a influência comunista nos Jogos e integrar no âmbito oficial o fomento do desporto juvenil. Refira-se que neste período, ao observar a inacção e decadência da Mocidade Portuguesa, o MEN cria paralelamente a esta um conjunto de centros, baseados na adesão voluntária dos jovens, dedicados ao aproveitamento dos tempos livres dos alunos (o carácter misto e politicamente neutro desses centros causa a indignação dos mais conservadores, expressa em muitas cartas recebidas por Ataíde). No exercício das suas funções oficiais, Ataíde tem ainda a oportunidade de assistir aos Jogos Olímpicos de 1972 (um dos atletas portugueses é apanhado a roubar numa loja de Munique e enviado de volta ao país) e à Universíada (Jogos Mundiais Universitários) de 1973, realizada em Moscovo. 

De acordo com o relatado nas memórias de Augusto de Ataíde, a política desportiva do MEN sob a chefia de Veiga Simão (desconfortável com a teia burocrática criada pelo controlo cerrado do Estado Novo sobre a orgânica do desporto português) privilegiou a massificação e não o conteúdo ideológico, no que respeita às actividades atléticas fornecidas à juventude dentro e fora das escolas. No entanto, Ataíde queixa-se de que a imprensa desportiva, alinhada com a oposição ao regime, criticou sistematicamente os esforços ministeriais. De certa forma, o caso particular do desporto deixa antever o falhanço dos planos reformistas no quadro da ditadura, quando muitos agentes e teóricos desportivos acreditavam já que só uma ruptura política de carácter revolucionário poderia, entre muitos outros problemas, desbloquear a questão da difusão da prática desportiva por toda a população portuguesa.

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