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segunda-feira, 10 de junho de 2013

Com Pregomia este gajo não fugia

No ano passado, o PCP realizou em Santa Maria da Feira a tradicional homenagem anual a António Ferreira Soares, médico e militante comunista que em 4 de Julho de 1942, quando se encontrava na localidade de Nogueira da Regedoura (onde era protegido pela população, à qual prestava auxílio médico gratuito), foi alvo de uma cilada e assassinado pela PVDE. O nome de Ferreira Soares passou a integrar a lista dos “mártires” do PCP, vítimas da repressão salazarista e referidos nos documentos publicados pelo partido. A propósito dos 70 anos da morte de Ferreira Soares, a romagem ao cemitério da Feira contou com a presença do secretário-geral comunista, Jerónimo de Sousa (em 1992, Álvaro Cunhal participou na cerimónia, recordando que se encontrava no Norte quando soube do assassinato), e um discurso proferido por este.

O discurso de Jerónimo é interessante quer pelo ataque do líder comunista à campanha “levada a cabo pelo exército de historiadores de serviço e difundida pelos difusores de serviço” que estará a desvalorizar a violência promovida pelo Estado Novo e o papel do PCP na resistência à ditadura, quer pelo resumo das actividades oposicionistas desenvolvidas durante a II Guerra Mundial. É feita uma enumeração das povoações e sectores laborais onde ocorreram greves e outras acções de protesto, assim como são referidos os movimentos unitários (MUNAF, MUD, MUDJ) onde diversas correntes da oposição colaboraram no ataque a Salazar. Naturalmente, Jerónimo de Sousa atribui ao seu partido, então em fase de reorganização e crescimento sob a direcção de Álvaro Cunhal, a liderança das movimentações populares e da “unidade anti-fascista”.


O político descreve da seguinte forma o assassinato de António Ferreira Soares: “uma falsa doente, acompanhada por um inspector e dois agentes da PVDE, solicita-lhe uma consulta de urgência, pedido a que ele (...) acede, recebendo a falsa doente em casa de sua irmã. Depois foram as 14 balas de pistola metralhadora disparadas à queima-roupa. (...)” De acordo com a narrativa dos acontecimentos de 4 de Julho de 1942 que tem sido divulgada pelo PCP, o inspector da PVDE referido por Jerónimo seria António Roquete, que comandava então os agentes Leonel Laranjeira e José Rodrigues Coimbra. No entanto, os nomes dos intervenientes e os pormenores da morte de Ferreira Soares divergem várias vezes nas fontes (do PCP ou de outras origens), numa situação que dificulta o esclarecimento do que se passou em Nogueira da Regedoura naquele dia. Certa é apenas a informação de que foi Leonel Laranjeira o único elemento da PVDE a ser julgado, em 1943, pelo crime, e a obter do Tribunal Militar Territorial do Porto a absolvição, a partir da conclusão de que Laranjeira disparara sobre o médico comunista em legítima defesa.

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