O interesse historiográfico do estudo da vida de António
Fernandes Roquete (1906-1995) reside em boa parte na diversidade de meios onde o biografado
se moveu e na abundância de temas e períodos que o caso pessoal de Roquete pode
contribuir para compreender melhor. No entanto, seria errado analisar Roquete
como um mero exemplo de determinados grupos e épocas, sem ter em conta as suas
características individuais e a singularidade do seu percurso. Para lá do facto
de ter sido simultaneamente um desportista célebre e um elemento importante na
hierarquia das polícias políticas da Ditadura Militar e do Estado Novo, a sua
vida foi marcada por numerosas contradições.
Assim, embora o apelido “Roquete” estivesse associado, no
início do século XX, a uma família da elite local (em Salvaterra de Magos) e
nacional (dela provinham vários dos fundadores do Sporting), António foi pobre
e inscrito como aluno da Casa Pia de Lisboa. Apesar desse baixo estatuto
económico-social, tornou-se, através do desporto, uma personalidade conhecida a
nível nacional e mesmo internacional. Guarda-redes do Casa Pia Atlético Clube
em anos nos quais os “gansos”, depois do sucesso inicial, perderam terreno para
os seus rivais lisboetas, Roquete projectou-se como um dos ídolos do futebol
português e foi por várias vezes o único jogador do CPAC convocado para a
selecção nacional. Após aceitar uma proposta para jogar num clube do Funchal,
deixou a Madeira sem ter participado num único encontro. Futebolista num tempo
onde vigorariam, supostamente, em Portugal o amadorismo puro e o “amor à
camisola”, recebeu dinheiro para jogar e foi abordado por clubes estrangeiros. Possuindo
a vivência de partidas em grandes recintos a abarrotar de público e
competições como o torneio olímpico de futebol, Roquete mostrou o seu talento
nos campos com escassas condições de pequenos clubes de Elvas e Valença. A
formação obtida na Casa Pia, em especial o conhecimento de línguas
estrangeiras, e a experiência de viagens ao Brasil e a vários países europeus
diferenciavam-no, no início da década de 30, da maioria dos subordinados do
capitão Agostinho Lourenço na polícia política. A abundância de fotografias de Roquete publicadas na imprensa durante os
anos 20 e 30 contrasta com a dificuldade que os investigadores actuais sentem
em encontrar imagens dos responsáveis das polícias políticas anteriores à PVDE.
Admirado por casapianos e outros adeptos do futebol, Roquete converteu-se em
alvo do ódio dos opositores à ditadura e ao colonialismo. Amigo e protegido de
Cândido de Oliveira, foi acusado de colaboração na prisão e espancamento do
treinador, antes de participar, anos mais tarde, em homenagens públicas a
Cândido. Ao fim de décadas como servidor do Estado na repressão dos crimes
políticos, deixou a polícia e iniciou uma carreira no sector privado (embora as
fronteiras entre o Estado e os agentes económicos, no Moçambique colonial,
estivessem longe de ser rígidas). Aparentemente, António Roquete escapou à
passagem pela prisão que o 25 de Abril implicou para muitos dos antigos membros
da PIDE/DGS. Para estes, findos os problemas com o sistema de justiça política,
seguiu-se frequentemente um percurso na obscuridade e marcado pelo desprezo
colectivo, enquanto Roquete continuou a ser um herói do Casa Pia e, pouco antes
de morrer, foi homenageado como “glória” do desporto português, sendo a sua
morte assinalada pelo meio futebolístico.
Teria a história portuguesa evoluído da mesma forma se António
Roquete não tivesse existido? Provavelmente sim, mas, se não fosse a exibição
espantosa do guarda-redes casapiano, Portugal teria sido derrotado pela
Argentina no jogo disputado em 1 de Abril de 1928 no Lumiar.
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