Enquanto não surge o grande filme que D. João II merece (há muitos anos, ouvi falar de um projecto dos irmãos Guedes de Carvalho sobre o Príncipe Perfeito, mas não sei o que aconteceu), a ficção histórica portuguesa, entre a televisão e o cinema, concentra-se no período contemporâneo. Com o tempo, temas “tabu” foram caindo (25 de Abril, guerra colonial, Salazar), proporcionando uma maior diversidade de abordagens. A qualidade artística e pedagógica dos dispendiosos projectos tem variado, embora exemplos como a mini-série Noite Sangrenta, de Tiago Guedes e Frederico Serra, indiquem a possibilidade de criar produtos valiosos e duráveis, sem sacrificar o rigor histórico. No que respeita à história da oposição ao Estado Novo, uma vez feito o trabalho quase definitivo sobre o PCP (Até Amanhã, Camaradas), figuras como Henrique Galvão e Humberto Delgado aparecem como tentadoras para projectos ficcionais. Assalto ao Santa Maria, de Francisco Manso, foi um esforço nesse sentido, embora nem a crítica nem o público se tenham entusiasmado com o filme (entretanto, Manso colocou Vítor Norte na pele de Aristides de Sousa Mendes). Quanto a Delgado, aguarda-se com expectativa Operação Outono, o filme de Bruno de Almeida baseado na biografia do General Sem Medo escrita pelo neto deste, Frederico Delgado Rosa (também neto, por via paterna, do dirigente do Belenenses Acácio Rosa). John Ventimiglia e Nicolau Breyner actuarão numa longa-metragem destinada a distribuição internacional e presumivelmente falada em inglês. O projecto centrar-se-á sobretudo nos últimos anos de Delgado, marcados pelo isolamento e desespero que o conduziriam à cilada da PIDE, na qual terá sido morto não pelos disparos do agente Casimiro Monteiro, como indica a versão mais comum, mas sim através de espancamento. Trata-se sem dúvida de um projecto aliciante que pode levar a história do século XX português a novos públicos.