Depois de concluir, com o estudo da I República, os doze
primeiros volumes da sua História de
Portugal, Joaquim Veríssimo Serrão foi além do plano original e passou
à reconstituição dos acontecimentos do período entre 1926 e 1974, para o qual
prefere a designação “II República” à de “Estado Novo”. Acerca desta fase da
história portuguesa, o historiador escalabitano publicou até agora seis
volumes, abordando o volume XVIII (Verbo, 2010) os anos entre 1960 e 1968, que
terminam com a queda de Salazar e a subida à Presidência do Conselho de Marcelo
Caetano. De acordo com o anunciado por Veríssimo Serrão, o período de governo
do seu amigo Caetano (correspondência trocada entre os dois antes e depois do
25 de Abril encontra-se publicada) ocupará o volume XIX e último da História de Portugal, possivelmente já
concluído pelo autor mas ainda inédito.
Se, de acordo com as introduções dos diversos volumes da
monumental obra, a origem do impulso que levou Joaquim Veríssimo Serrão a
lançar, em 1977 (quando se encontrava fora da docência por ter sido saneado
pelo novo regime), o projecto da sua História
de Portugal se encontra nas críticas injustas a grandes figuras do passado
nacional e ao esforço colonizador dos Portugueses feitas, na sua opinião,
durante os anos revolucionários, os trabalhos do investigador sobre o período
posterior ao 28 de Maio orientam-se pela preocupação de reabilitar os
protagonistas da ditadura. É pena que, na defesa intransigente desta, Veríssimo
Serrão proceda a uma leitura acrítica de um âmbito reduzido de fontes (para
narrar os eventos políticos de 1960-1968, o autor recorreu sobretudo ao Diário do Governo, aos discursos de
Salazar, às memórias de Américo Tomás e aos livros de Franco Nogueira) e, nas
obras citadas em rodapé, omita propositadamente quase toda a historiografia sobre o
Estado Novo produzida nas últimas décadas (no volume XVIII, uma excepção é a compilação
feita por Filipe Ribeiro de Meneses da correspondência produzida pelos
diplomatas irlandeses acreditados em Lisboa entre 1941 e 1970, cuja publicação
é saudada por Veríssimo Serrão). No entanto, existem vários aspectos úteis no
volume XVIII da História de Portugal,
como o tom autobiográfico (Veríssimo Serrão recorre frequentemente a contactos
e experiências pessoais para ilustrar os factos narrados), o registo de grande
parte das nomeações oficiais, que contribui para um melhor conhecimento do
pessoal político, militar, colonial e diplomático do regime de Salazar, ou a
descrição do “itinerário” de Américo Tomás, interessante para a história das
localidades visitadas pelo então Presidente da República.
No que respeita ao futebol, cuja visibilidade pública se tornou
(ainda) maior nos anos 60 devido aos êxitos da selecção, do Benfica e do
Sporting em competições internacionais, Veríssimo Serrão (que, relativamente
aos acontecimentos desportivos, complementa a sua memória com a consulta da
revista O Século Ilustrado) parece
dar argumentos aos que defendem a existência de uma relação próxima entre a
ditadura e o desporto-rei. De acordo com Serrão, a satisfação das multidões que
assistiam aos jogos dos seus clubes preferidos tinha “os seus efeitos políticos”
(p. 22) e os responsáveis da II República beneficiavam das relações
cordiais que estabeleciam com o meio futebolístico, expressas em deslocações aos recintos desportivos aquando
de ocasiões especiais, como a inauguração, em 6 de Outubro de 1960, do terceiro
anel do Estádio da Luz, onde Américo Tomás recebeu uma ovação, apesar das
manifestações que no dia anterior tinham sido promovidas por opositores da
ditadura (p. 23). Além disso, o desporto servia como “factor de aglutinação dos
Portugueses” da Europa e de África, já que muitos futebolistas naturais de
Guiné, Angola e Moçambique actuavam então em clubes da metrópole, cujos adeptos
os idolatravam, sem “nenhum preconceito racial” (p. 22). Moçambicanos como
Eusébio e Coluna “foram saudados na metrópole como irmãos portugueses” (p. 425)
e integraram a selecção nacional que brilhou no Campeonato do Mundo de 1966,
obtendo um terceiro lugar que, para Veríssimo Serrão, “constituiu um refrigério
para a vida diplomática” de Portugal (p. 223), então atacado nas Nações Unidas devido
à prática de colonialismo (desmentida pelo autor de História de Portugal, que reproduz as teses defendidas por Salazar
e Franco Nogueira) em África.
Joaquim Veríssimo Serrão designa a conclusão da História de Portugal como “um dos
derradeiros vínculos que me prendem ao mundo da vida” (p. 13), incentivando a
curiosidade dos leitores sobre como o velho historiador contará o marcelismo.
Além dos êxitos governativos que provavelmente atribuirá a Caetano, interessa
saber que causas Veríssimo Serrão encontrará para o 25 de Abril, o qual pôs fim
à existência de Portugal como “nação euro-ultramarina” e, na óptica do
investigador, inviabilizou o projecto a longo prazo para a África portuguesa
formulado pela II República.
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