Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

sábado, 31 de dezembro de 2011

O futuro do futebol é feminino

Num contexto de descida do número de bilhetes vendidos nos cinemas (embora não necessariamente das receitas de bilheteira, devido à expansão do 3D), os filmes dos realizadores portugueses não conseguem lutar contra a tendência. Em 2011, o conjunto das longas-metragens estreadas de origem nacional obteve menos de 70 mil espectadores nas salas de projecção, o valor mais baixo desde 2004 (quando começaram a existir estatísticas oficiais). De facto, faltou no ano agora concluído um sucesso comercial luso ao nível de Filme da Treta, Amália ou mesmo Contraluz. A obra de João Canijo que conquistou a crítica, Sangue do Meu Sangue, foi a película portuguesa mais vista, com cerca de 20 mil entradas vendidas.

Neste artigo, Jorge Pereira analisa a questão, mostrando a irrelevância comercial do nosso cinema (o caso dos filmes de Manoel de Oliveira roça o ridículo) e indo além da queixa frequente de que os realizadores portugueses não fazem obras a pensar no público para admitir que, na verdade, o público português também é um bocado estúpido, além de preconceituoso no que respeita aos produtos cinematográficos nacionais. Trata-se de uma constatação corajosa e credível, mas é preciso ter em conta o problema da distribuição das longas-metragens lusas, para lá do circuito dos festivais. Só as fitas mais “comerciais” (de preferência com Soraia Chaves no elenco), independentemente da sua qualidade, conseguem penetrar nos multiplexes que contribuem para padronizar o consumo de cinema pelos portugueses. A publicidade e divulgação mediática das produções nacionais também deixam geralmente muito a desejar (poucos terão reparado que filmes como O Barão, América ou Quinze Pontos na Alma estrearam). Trata-se de um conjunto de factores que reduzem a viabilidade comercial do cinema português.

Feliz Ano Novo!

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A corrida controlada é saúde prolongada

Referindo-se em Um Político Assume-se (Círculo de Leitores/Temas e Debates, 2011) a um período de prisão sofrido em 1949, Mário Soares escreve: “Numa fria madrugada fui interrogado na sede da PIDE por um tal Farinha Santos, meu antigo colega na Faculdade de Letras, que era então agente qualificado da polícia política. Brincando com uma pistola enquanto me interrogava, disse-me: “Se disparar e o matar, nada me acontecerá. Todos dirão que disparei em legítima defesa.” (…)” (p. 54). O “pide” a que Soares se refere era Manuel Luís de Macedo Farinha dos Santos (1923-2001), inscrito em 1942 na licenciatura de Ciências Histórico-Filosóficas da FLUL, que deixaria incompleta para só a terminar em 1958. A carreira de Farinha dos Santos na PIDE, onde atingiu a categoria de subinspector, terá terminado por volta de 1954, quando partiu para a Ásia ao serviço do Ministério do Ultramar. Depois de voltar à vida académica, dedicou-se à arqueologia e iniciou um percurso que o tornou um dos principais nomes da Pré-História portuguesa. Este artigo de João Luís Cardoso em O Arqueólogo Português resume a vida de Farinha dos Santos, professor, autor de Pré-História de Portugal (Verbo, 1972) e responsável pela descoberta e estudo da arte paleolítica da gruta do Escoural. 

No livro A História da PIDE (Círculo de Leitores/Temas e Debates, 2007), Irene Flunser Pimentel refere que, ao serviço da polícia política, Manuel Farinha dos Santos foi suspenso por 60 dias em 1948 por embriaguez e agressões a dois presos (p. 64). No mesmo ano, um informador acusou Farinha dos Santos de se apoderar do dinheiro destinado ao pagamento das informações daquele, acusação a que a PIDE não deu credibilidade (p. 318). Além de Mário Soares, Farinha dos Santos interrogou outro colega da Faculdade de Letras, Carlos de Aboim Inglês (p. 148).

Quando ocorre o 25 de Abril, Manuel Farinha dos Santos é director do Panteão Nacional, cargo que ocupa desde 1968. Os anos passados na PIDE levam-no à prisão e ao afastamento das suas funções. Em 11 de Junho de 1975, o Diário do Governo, II Série, declara Farinha dos Santos “demitido do respectivo cargo, a partir de 11 de Março último”, por despacho do ministro da Educação e Cultura, José Emílio da Silva. A 21 de Junho, a mesma publicação corrige a informação anterior: “por se ter provado que foi subinspector da ex-PIDE/DGS”, Manuel Farinha dos Santos está abrangido pelo artigo 7º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 123/75, de 11 de Março, o que justifica a pena de demissão da função pública, aplicada a todos os ex-funcionários da antiga polícia. De acordo com João Luís Cardoso, viria a ser reintegrado em 1982, “não ressarcido de todos os desgostos sofridos”, prosseguindo em universidades privadas a sua actividade de professor. 

Paralelamente, a anterior pertença aos quadros da PIDE torna Farinha dos Santos arguido, por crime punido pela Lei nº 8/75, de 25 de Julho. No arquivo da Comissão de Extinção da PIDE/DGS (guardado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa), consta uma ordem de libertação provisória em nome do ex-subinspector Manuel Farinha dos Santos, datada de 29 de Abril de 1976 (com a assinatura do então presidente da Comissão, Manuel Ribeiro de Faria), que obriga o arqueólogo, entre outras condições, a apresentar-se de 20 em 20 dias na esquadra da PSP do Matadouro, em Lisboa, e a pagar uma caução de 30 mil escudos. O processo nº 487, relativo a Farinha dos Santos, será remetido em 22 de Maio de 1979 ao 4º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, desconhecendo-se ainda a data do julgamento e a sentença. A pena aplicada pelo TMT não terá, provavelmente, ultrapassado o tempo de prisão preventiva já cumprido por Manuel Farinha dos Santos.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Fiquei com umas beiças que parecia o Guterres

Boletim do CDCR, Setembro de 1973

“Punha tudo em nome da mulher

Guerra Junqueiro, o grande poeta era também coleccionador de arte bem conhecido.
Um dia entrou numa loja de antiguidades e apontando para um quadro perguntou:
— Então esse é que é o “Rembrandt” que você tem para me vender?
— Sim, senhor…
— Mas, está assinado com “Mariana”!
Resposta “chorosa” do comerciante:
— Ah, desculpe, mas é que eu, com medo dos credores, pus tudo em nome da minha mulher…” (p. 28)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Nós queremos saber onde param os violinos de Chopin

Distantes que estão os tempos de sexo, poder e riqueza dos Bórgia (a série de Neil Jordan em exibição no AXN é fascinante), o cargo de Papa é, para os cardeais de Habemus Papam, de Nanni Moretti, uma responsabilidade descomunal que nenhum deles quer assumir. Quando, depois de empates entre os favoritos do conclave, o trono de S. Pedro é relegado no cardeal Melville (Michel Piccoli), este não se sente com qualidades para o pontificado e entra em pânico, recusando apresentar-se aos fiéis. Apesar da originalidade desta premissa e do enorme talento de Piccoli, fica uma certa sensação de que Moretti não foi tão longe como poderia, até porque a personagem que o cineasta interpreta, um psicanalista ateu, pouco contacta com o Papa e dedica-se a animar os cardeais entediados (detesto voleibol). Menos que uma sátira, assiste-se a uma dessacralização do Vaticano (e também da psicanálise e dos media), cujos responsáveis são homens como quaisquer outros, enquanto o novo Papa enfrenta incógnito os seus receios e tenta decidir o que fazer. No final, Moretti finta com classe as expectativas de personagens e espectadores, deixando um sabor de amargura.

O que terá sentido Joseph Ratzinger naquele dia de 2005?

domingo, 18 de dezembro de 2011

A senhora lava a Coina todos os dias?

Em 1954, a revista cultural Cidade Nova, de Coimbra, editou um suplemento ao seu número 4-5 com o título “A Cidade Nova defende a Índia Portuguesa”. O volume constitui uma compilação de textos em resposta às pretensões da União Indiana de integrar no seu território Goa, Damão e Diu, hipótese que o Governo português recusa admitir, tornando previsível a resolução do conflito por via militar, como veio a acontecer há 50 anos. Os autores que colaboram com a Cidade Nova, vários dos quais se assumem como monárquicos, colocam a possibilidade de um confronto militar, mas, longe de o rejeitarem, apontam-no como preferível a qualquer cedência perante o primeiro-ministro indiano Nehru. Afinal, Goa pertence a Portugal e “os povos não são livres de perder pedaços da sua própria carne” (p. 317).

Dois dos participantes no volume são Sophia de Mello Breyner Andresen (autora do poema “Caminho da Índia”) e Francisco de Sousa Tavares. Este último, apesar das suas divergências com o salazarismo, coloca a questão da Índia no plano dos interesses nacionais, que o Governo defende com a sua posição intransigente, merecendo assim um “apoio sincero, entusiástico e de voluntário sacrifício” (p. 332) por parte dos monárquicos portugueses. Posição idêntica é defendida por Luís Filipe Demony (presidente da Câmara Municipal de Loures quando ocorre o 25 de Abril), dirigente da organização “Unidade Tradicionalista”, o qual se serve de versos de Os Lusíadas para apelar a novos feitos gloriosos na “nova e grande aventura da Índia” (p. 339).

Perante a ameaça à integridade nacional, o discurso do suplemento da Cidade Nova é claramente belicista, incluindo o insólito texto “Viva a Guerra”, assinado por “Azinhal Abelho”, no qual se encontram aforismos como “A guerra não é a morte, mas a vitória do homem sobre a morte” ou “A guerra é como o fogo – purifica” (pp. 311-313). A hipótese de uma “defesa simbólica” de Goa que se limitasse a proteger a honra nacional apesar da derrota é atacada por Carlos Amado, para quem a história portuguesa é feita de “uma série ininterrupta de vitórias sobre inimigos mais numerosos e quase sempre de maior poder bélico” (p. 317). Resistir até ao fim seria a única opção, até porque, como lembra Carlos Eduardo de Soveral, a atitude portuguesa em Goa, Damão e Diu mostrará “o que estaremos decididos a fazer se for a nossa soberania atacada noutro ponto” (p. 319). Para o mesmo autor, “Chegou a hora da Consagração, ou do contrário dela, o que Deus não permita.” (p. 320)

sábado, 17 de dezembro de 2011

Venham cá abaixo e tragam os pássaros

Se o que preocupa José do Carmo Francisco no livro de Ricardo Serrado Futebol – A Magia Para Além do Jogo (Zebra, 2011) é a ausência de referências ao Sporting, pode encontrar no primeiro volume de História do Futebol Português (Prime Books, 2010) textos extensos de Serrado sobre os Cinco Violinos e a conquista da Taça das Taças pelo SCP. Quanto aos erros de revisão em Futebol…, de facto existem, mas é bom lembrar que a obra Fernando Mamede, O Recordista (Sete Caminhos, 2004), de Jorge Vicente, cuja revisão foi feita por José do Carmo Francisco, inclui numerosas gralhas.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Se queres ver o teu marido morto, dá-lhe couves em Agosto

Que eu saiba, nunca Mário Soares manifestou especial interesse por futebol ou uma ligação afectiva a determinado clube. Também não há notícia de que o Bochechas tenha praticado qualquer modalidade desportiva nos seus tempos livres, antes de começar, nos anos 80, a andar de bicicleta por conselho médico. No entanto, Soares deslocou-se várias vezes, como primeiro-ministro e Presidente da República, aos estádios, a convite dos dirigentes dos grandes clubes, desejosos de manter boas relações com o Estado. Da mesma forma, teve todo o gosto em condecorar os heróis nacionais Eusébio, Carlos Lopes e Rosa Mota e elogiar outros desportistas de destaque. Foi ainda Soares que tentou convencer Paulo Futre a dar o exemplo e abandonar Madrid para cumprir o serviço militar obrigatório, mas a resistência do futebolista levou o Presidente a obter para o montijense um estatuto especial de atleta de alta competição que livrou Futre da tropa, pelo menos temporariamente.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Viatura conduzida por um profissional

A historiadora Irene Flunser Pimentel disponibiliza aqui a versão portuguesa da polémica comunicação que fez num colóquio em Londres no passado 25 de Novembro. Os antigos “pides” e informadores foram, de facto, na sua maioria processados e julgados, mas condenados geralmente a penas leves já expiadas durante a prisão preventiva. Apesar dos protestos da imprensa de esquerda, as sentenças dos Tribunais Militares Territoriais foram brandas para com os alvos da justiça política na transição para a democracia. Se deveria ter acontecido assim, é uma questão para debate.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Ou nós os esmagamos a eles, ou eles nos esmagam a nós

O número deste mês da revista Os Meus Livros contém pelo menos duas falhas nos textos. Ao contrário do que se afirma na p. 34 (“Nascido na Alemanha Heerman von Kripahl, é (…)”), o parto de Herman José, autor de Rebeubéu, Pardais ao Ninho, decorreu na Maternidade Bensaúde, em Lisboa. Da mesma forma, na recensão de O Caminho dos Presidentes da República (p. 77), o período atribuído ao mandato presidencial de António de Spínola (“30 de Setembro de 1974 a 27 de Junho de 1976”) corresponde na verdade ao seu sucessor Francisco Costa Gomes.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Aquela mesa é tudo porco

A transição, no canal Q, de Show Markl para Uma Macacada Qualquer não pareceu trazer grandes mudanças, uma vez que se manteve a fórmula: Nuno Markl + os outros três gajos (Francisco Martiniano Palma, Jorge Vaz Gomes e João Pedro Barata) + convidados + música. Na verdade, apesar da questionável secção de música pimba, Uma Macacada Qualquer beneficiou de dinâmica própria, em resultado da inserção de Markl no universo da Rádio Calipso, dominado pelas personagens Almeno Menano (Palma), Vilela Henriques (Barata) e Vítor do Penedo (Palma), além do apagado Dário (Gomes). Os problemas de matemática da Arruaça Musical, os diálogos surreais entre Markl e Vítor e os ataques de fúria de Almeno, resultantes na destruição de adereços e na agressão aos seus subordinados, tornaram-se imagens de marca do programa, cujo sucesso levou a que a vertente de talk-show presente em Uma Macacada Qualquer fosse deixada para trás com a adopção de um formato mais curto, a sitcom Rádio Calipso. Depois de um primeiro episódio ainda incerto, a série ganhou o ritmo correcto. Se as histórias dos episódios nem sempre são um prodígio de inteligência, o carisma das personagens e a diversão dos actores com aquilo que fazem garantem que Rádio Calipso, pelo menos por enquanto, funcione às mil maravilhas.