Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

domingo, 24 de junho de 2012

Eles mentem, eles perdem


Com um final bem piroso e lamechas como o amor deve ser, terminou a série televisiva americana Donas de Casa Desesperadas (Desperate Housewives), criada e produzida por Marc Cherry. Durante oito temporadas, os espectadores acompanharam o quotidiano em Wisteria Lane, particularmente as inúmeras peripécias das vidas das personagens interpretadas por Teri Hatcher, Felicity Huffman, Marcia Cross e Eva Longoria. Na função de quinta DCD, sucederam-se Nicolette Sheridan (“saneada” na quinta série), Dana Delany e Vanessa Williams. 

Sem ser genial, Donas de Casa Desesperadas constitui um produto de sucesso baseado na combinação harmoniosa de elementos de comédia, drama, mistério e telenovela. Além desses géneros, os argumentistas conseguem cruzar quase sempre na perfeição as histórias das quatro protagonistas, sem destacar em excesso nenhuma delas. As técnicas utilizadas em cada temporada, como o segredo que é progressivamente revelado ou o episódio marcado pela tragédia (situado mais ou menos a meio da season) que altera o rumo da série, funcionam igualmente bem. No entanto, a sétima temporada revelou já algum desgaste, com ideias sucessivamente lançadas que depressa se esgotavam. Acabou por ser lógico que a oitava série fosse anunciada como a última, tendo-se conseguido acabar em bom nível, apesar da morte da personagem de James Denton ter sido “imposta” pelos interesses dos produtores. No conjunto, Donas de Casa Desesperadas será recordada como uma série bem concebida e interpretada que nos divertiu ao explorar o lado sombrio dos subúrbios.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Matateu não diz mal de ninguém


É de elogiar a posição tomada por Tozé Martinho, que em declarações à Notícias TV de 15 de Junho rejeita introduzir nas suas novelas os “núcleos cómicos” cada vez mais comuns nos folhetins portugueses. Nas telenovelas da SIC e TVI, abundam as personagens de contornos declaradamente humorísticos que se envolvem em situações criadas para fazer rir os espectadores. O artigo da Notícias TV relaciona essa tendência com a função escapista da ficção, sobretudo num período de dificuldades económicas. Os “bonecos” de actores como Carla Andrino e João Ricardo favorecerão, nesse sentido, o bom humor dos portugueses.

No entanto, o público visado pelas telenovelas dos canais generalistas é tão vasto que dificilmente todos os espectadores acharão piada aos “núcleos cómicos”. De resto, independentemente das capacidades dos intérpretes para compor as personagens alvo de risota, a qualidade dos núcleos tem sido reduzida e as situações “cómicas” frequentemente patéticas (em Doce Tentação, as “princesas falidas” são más imitações de personagens de Herman José). A combinação dos elementos cómicos com os dramas passionais dos protagonistas produz contrastes bizarros. António Barreira introduz abundantes traços de comédia em Remédio Santo, novela onde se sucedem os assassinatos, com os consequentes funerais e lutos cheios de sofrimento, o que torna difícil levar a sério os “30% de drama”. Sem caírem no dramalhão nem “exigirem” aos espectadores que riam, os argumentistas devem procurar um meio-termo que possibilite a fruição de histórias inteligentes. Claro que uma coisa é o que seria artisticamente melhor e outra aquilo que a maioria dos fãs das telenovelas lusas quer ver.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

PCP, sempre como o povo


O Sport de Lisboa, 2 de Julho de 1924

Neves Reis: “ (…) a mulher deve praticar todos os desportos que a tornem suficientemente robusta para arcar com as penosas dores de parto. Apesar de todas as teorias feministas, mais ou menos sufragistas ou filosóficas, a função mais nobre da mulher ainda é a da maternidade. É nesse sentido que deve convergir toda a sua educação física – até mesmo a intelectual e a moral – não só para a tornar forte, mas também para a fazer formosa, de rosto, de corpo e de espírito, a fim de gerar filhos sãos e perfeitos. Porque a raça além de forte, precisa também de ser bela.” (p. 4)

segunda-feira, 11 de junho de 2012

He ain't heavy, he's my brother


A revista trimestral Continuidade, editada pela DGS (ex-PIDE) em 1972 e 1973, publicou vários artigos (não assinados) sobre desporto, de carácter teórico ou abordando a participação de atletas portugueses em competições internacionais. No nº 4, de Outubro-Dezembro de 1972, Continuidade inclui uma pequena entrevista com o director de serviços da DGS, o inspector Augusto Pereira de Carvalho, “assíduo praticante do desporto” (p. 35). Interrogado pela revista sobre a utilidade da educação física, Pereira de Carvalho considera que a actividade desportiva “ajuda a obter um nível de saúde e equilíbrio psíquico” que pode melhorar o rendimento dos quadros policiais, além de favorecer as relações entre estes. Assim, a prática do desporto seria positiva na DGS, embora o inspector recorde as dificuldades para a realização de competições motivadas pela dispersão dos agentes ao longo do território nacional, especialmente em Angola e Moçambique. Um núcleo apoiado pela direcção da polícia política deveria coordenar a introdução da educação física, servindo a revista da DGS para sensibilizar os agentes e promover a realização de provas. Ainda segundo Pereira de Carvalho, as modalidades a adoptar dividir-se-iam nos grupos A (tiro, ginástica, judo e artes marciais), B (andebol, futebol, futebol de salão) e C (xadrez e damas). Continuidade publicará artigos sobre judo e karaté, mas não há registo de competições disputadas por funcionários da DGS.

Vamos a pé ou apanhamos um cão?


Continuidade, Outubro-Dezembro de 1972

“Num jogo de carácter amigável realizado no campo de jogos do Centro de Recuperação (da DGS) da Machava, a equipa local derrotou a do Grupo Desportivo da “Comportel” pela marca expressiva de 6-0.
Perante uma grande expectativa e o campo de jogos do CR a registar uma grande concorrência de público amador do desporto-rei, as equipas tiveram um comportamento tanto desportivo como disciplinar a todos os títulos notável.” (p. 48)

domingo, 10 de junho de 2012

Parte os cornos a esse comuna!


O livro Porto 1987-2012: 25 Anos no Topo do Mundo. Factos, memórias e afectos (Afrontamento, 2012), coordenado por João Nuno Coelho, constitui uma recolha de crónicas escritas por um vasto conjunto de portistas (curiosamente, Miguel Sousa Tavares não colaborou na obra) a propósito de 25 jogos disputados pelo FC Porto entre a final de Viena, em 1987, e a de Dublin, no ano passado. Visando assinalar o inédito sucesso interno e externo do FCP no último quarto de século, o volume apresenta um conjunto de testemunhos de adeptos (algo de semelhante foi feito relativamente ao Benfica em Ser Benfiquista, coordenado por Luís Miguel Pereira), cada um com a sua história pessoal de ligação ao clube portuense.

Ao acompanharem os jogos do FCP que inspiraram as crónicas (geralmente partidas das competições europeias ou da Taça Intercontinental, duelos com o eterno rival Benfica e desafios que asseguraram a conquista de campeonatos nacionais), seja nos estádios, pela televisão ou mesmo pela rádio, os “dragões” que João Nuno Coelho desafiou vivem sentimentos ao mesmo tempo pessoais e comuns a toda uma “nação portista”, que se reúne em festejos inter-classistas nas ruas do Porto ou, distante das Antas e mais tarde do Dragão, vibra, em outras regiões ou continentes, com as vitórias “azuis e brancas”. A paixão clubista, um dos motores do futebol, é abordada com tudo o que, apesar (ou precisamente por causa) da sua irracionalidade, a torna parte da identidade dos adeptos e elemento de afirmação regional e nacional. Porque só algo muito poderoso pode levar pessoas “normais” a passarem por imenso sacrifício e sofrimento para depois esquecerem tudo isso quando a equipa de futebol que apoiam triunfa e as conduz à euforia.

terça-feira, 5 de junho de 2012

O alferes não queria, não queria estar ali


A obra “El Portugués” – Parte II (Livros d’Hoje, 2012) terá começado quando Paulo Futre disse à editora Maria João Costa: “Sócia, só as histórias que tenho de Saltillo davam para fazer outro livro”. Surgiu assim o projecto de Futre e o jornalista Luís Aguilar prosseguirem o esforço iniciado no best-seller “El Portugués” e dedicarem o novo volume à carreira do futebolista montijense na selecção (“seleção” no livro, excepto na capa) nacional, a propósito do Euro 2012. Os acontecimentos relacionados com a participação portuguesa no Mundial de 1986, disputado no México, assumem particular relevância na obra.

Já muito foi escrito sobre Saltillo, existindo relatos de jornalistas como Vítor Serpa e Marinho Neves. No entanto, a história é contada pela primeira vez por um dos jogadores que se revoltaram contra Silva Resende e a sua Federação. Na perspectiva de Futre, as posições tomadas pelos “Infantes” denunciaram a incompetência e o amadorismo da FPF, permitindo que o funcionamento desta melhorasse de modo a criar condições para os êxitos da selecção ocorridos nas décadas seguintes. Indo mais atrás, o novo livro de Futre e Aguilar retrata as clivagens surgidas em 1984 no seio do misto federativo devido à rivalidade entre Benfica e FC Porto.  

Claro que parte do interesse de “El Portugués” – Parte II está nas cenas de sexo e nas inúmeras histórias insólitas que Futre tem para contar. Com as suas capacidades para a malandragem, o futebolista (actualmente "Empresário e personalidade do mundo do entretenimento", segundo O Jogo) poderia, caso tivesse seguido uma carreira no crime, ser um óptimo chefe de quadrilha.

sábado, 2 de junho de 2012

Por causa do gás choram os meus olhos


O Sport de Lisboa, 28 de Janeiro de 1927

“Casa Pia Atlético Clube

Realizam-se nos próximos dias 29 e 30 do corrente, na sede deste clube, dois bailes abrilhantados por um quarteto jazz-band, e bem assim tômbola, kermesse (sic) e mais surpresas. A soirée começa às 22 horas.” (p. 8)