O livro Eu Fui Agente da DGS-PIDE (Ecopy, 2011),
de Emídio Oliveira, é especialmente valioso pela raridade, entre os testemunhos
existentes de indivíduos visados pelo processo de justiça política na transição
para a democracia, de depoimentos escritos por antigos funcionários da polícia
política. Emídio José Cabrita de Oliveira (1947-) fez parte da DGS entre 1971 e
1974, trabalhando sobretudo no controlo das fronteiras no Aeroporto de Faro,
como pretendia. Ingressou na polícia depois de ter cumprido o serviço militar,
que terminou mais cedo que o previsto devido a doença, como enfermeiro nos
hospitais do Exército na Estrela e em Campolide, onde observou o sofrimento dos
feridos vindos de África (de acordo com o relato de Oliveira, essa experiência
pouco ou nada teve a ver com o que lhe aconteceu mais tarde).
Oliveira nega ter
conhecido ou participado em quaisquer actos de violência e crueldade contra
presos políticos, reafirmando a sua inocência. De resto, “muitos de nós, os
mais novatos, não estávamos politizados ao ponto de defendermos, em
consciência, um regime político-ideológico tipo fascista. Falo por mim que
sinceramente, me considerava um funcionário integrado num organismo público que
defendia a Nação.” (pp. 107-108) Além do trabalho no aeroporto, onde conheceu
gente famosa, Oliveira conta ter desempenhado missões como a segurança de
ministros em visita ao Algarve ou a investigação do roubo numa pedreira de
explosivos que terão sido usados no atentado da ARA contra postes de alta
tensão em 9 de Agosto de 1972.
Além de reproduzir
artigos da revista Continuidade e
publicar as suas incursões na poesia, o autor narra o que viveu depois dos dias
25 e 26 de Abril de 1974, quando em Faro os agentes da DGS, mal informados
sobre o golpe militar e alvo de manifestações de ódio, admitiam ainda continuar
a trabalhar para o Estado noutro organismo. A 27, os “pides” são detidos no
quartel do Regimento de Infantaria, de onde serão levados para a Cadeia de Faro
e, a 3 de Julho, para a Penitenciária de Lisboa. Emídio Oliveira passará cerca
de um ano e meio (será libertado em 17-02-76) no estabelecimento prisional da
capital, cujo quotidiano relata (neste ponto, as informações de Oliveira podem
ser complementadas com as de outro preso, José Luís Pinto de Sá, na obra Conquistadores de Almas). Pelo meio da
revolta e das saudades da família que o narrador sente, sucedem-se
acontecimentos como o motim de 11 de Agosto de 1974, os piquetes e
manifestações junto da prisão, o 28 de Setembro, as exposições dos presos
políticos às autoridades militares, o primeiro Natal na Penitenciária, o 11 de
Março, a transferência da maioria dos ex-“pides” para Alcoentre e posterior
fuga, a publicação da Lei nº 8/75, de 25 de Julho (estabelecendo as penas a
cumprir pelos funcionários e informadores da extinta policia política), o
receio, a partir de Setembro de 1975, da possível entrada na prisão de grupos
armados com o fim de liquidar os detidos, ou o 25 de Novembro, que permitiu a
prestação de declarações e saída em liberdade provisória dos antigos membros da
DGS. No caso de Oliveira, o processo seria concluído em 1979 com a condenação
do autor de Eu Fui Agente da DGS-PIDE
a 4 dias de prisão preventiva, já expiada, e a sua reintegração na função
pública.
O testemunho de
Emídio Oliveira fornece dados relevantes e adiciona uma perspectiva “humana” do
fenómeno da justiça política revolucionária, no qual o desejo de punição da
PIDE/DGS por parte dos antigos opositores do Estado Novo acabou por colidir com
os problemas legais criados pela prisão irregular de milhares de pessoas e a
busca da “pacificação” da sociedade portuguesa que emergiu do final do PREC.
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