Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Nunca ter de dormir, só brincar

O opúsculo Nova Cartilha do Povo (edição dos autores, 1969) foi publicado pouco antes das eleições para a Assembleia Nacional de Outubro de 1969, as primeiras do marcelismo, pelos membros da lista da oposicionista CDE (Comissão Democrática Eleitoral) apresentada no círculo de Braga. Além de Marinho Dias, Santos Simões, Lino Lima e Margarida Malvar, candidatos a deputados, assinaram a obra Victor de Sá e Humberto Soeiro, cujas candidaturas foram vetadas por despacho do governador civil bracarense. O texto retoma o formato da Cartilha do Povo escrita em 1884 pelo republicano José Falcão, apresentando diálogos entre as personagens João Portugal e Zé Povinho sobre a situação do país.

A intenção dos autores é apelar à consciencialização política da população, de modo a ajudar o povo “a mais rapidamente tomar conta do destino do País, que é a Pátria de todos nós” (p. 5), e denunciar os problemas existentes (emigração, atraso agrícola, guerra colonial, desigualdades sociais, repressão, etc.), criados pelo Estado Novo, que propositadamente mantivera Portugal afastado das transformações económicas e do desenvolvimento do Estado Social ocorridos na Europa Ocidental a partir de 1945. Seria, de resto, inútil esperar mudanças do regime agora dirigido por Marcelo Caetano (“Se as batatas, o bacalhau, o azeite e as cozinheiras são os mesmos, os bolos de bacalhau não podem ser diferentes”, p. 24). João Portugal e Zé Povinho proferem algumas expressões de carácter poético: “vai com esta bandeira rubra de entusiasmo, vermelha como o sangue que há-de voltar a tingir as faces, de novo risonhas, das nossas mulheres e das nossas crianças” (p. 22), “Nenhuma luz é mais bela do que a da democracia, sol brilhante que ilumina a estrada por onde caminham, de cabeça erguida, os povos livres de todo o mundo” (p. 22), “…o nosso entusiasmo trará a paz à nossa Pátria, o nosso entusiasmo levará à justa repartição das riquezas, o nosso entusiasmo ganhará a Liberdade que transformará o nosso país moribundo num país rico e feliz” (p. 29).

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