O Acórdão do 2º
Tribunal Militar Territorial de Lisboa de 5-4-1982 (publicado em separata da
revista Scientia Iuridica, tomo
XXXII, nº 184-186, Julho-Dezembro de 1983) expõe a decisão tomada pelos juízes
(os generais Fontes Pereira de Melo e Manuel Themudo Barata e o juiz auditor
Alfredo Rui Gonçalves Pereira) acerca do caso do general Arnaldo Schulz,
ministro do Interior entre 1958 e 1961. A alínea a) do art. 1º da Lei nº 8/75,
de 25 de Julho, prevê uma pena entre oito e doze anos de prisão para os
“responsáveis directos pelas actividades criminosas” da PIDE/DGS, concretamente
os governantes com a tutela da polícia política do regime derrubado pelo 25 de
Abril, ou seja, o Presidente do Conselho e o ministro do Interior. Arnaldo
Schulz estivera já preso cerca de um ano, entre 15 de Janeiro de 1975 e 9 de Janeiro
de 1976.
O 2º TMT de Lisboa
considera, obviamente, provado que Schulz foi ministro do Interior do governo
salazarista, mas resolve aplicar o art. 22º do Código de Justiça Militar,
segundo o qual “Os serviços militares relevantes em tempo de guerra, bem como
os actos de assinalado valor em todo o tempo, como tais qualificados, uns e
outros, no Diário da República (…), podem, se praticados depois do crime, ser
considerados pelos tribunais militares como dirimente da responsabilidade
criminal ou como motivo da reabilitação do condenado” (p. 9). Depois de sair do
Governo, Schulz exerceu comando militar no Norte de Angola e ocupou entre 1964
e 1968 os cargos de governador e comandante-chefe da Guiné (nos quais seria
substituído pelo general António de Spínola), durante a luta contra a guerrilha
do PAIGC, vindo a receber a Ordem Militar da Torre e Espada pelos feitos
alcançados. Para os juízes, “dispõe o réu das condições para lhe poder ser
aplicada a aludida dirimente”, tendo sido os seus serviços “altamente meritórios
para o país” (p. 11). Schulz é, assim, absolvido, numa decisão que seria
confirmada pelo Supremo Tribunal Militar em acórdão de 20 de Janeiro de 1983.
Relativamente ao
processo, refira-se ainda a defesa efectuada por Arnaldo Schulz, que afirmou não
ter desejado o cargo de ministro do Interior, apresentando objecções quando
Salazar o convidou para a pasta. Perante a reticência do general, “o Dr.
Salazar disse que não estava fazendo um convite para uma festa, mas para uma
missão cheia de responsabilidades e de dificuldades e que a um militar não era
dado recusá-la” (p. 4). Já ministro, Schulz teria recebido cartas de familiares
de presos políticos e influenciado a libertação de oposicionistas como Jaime Cortesão,
António Sérgio e Ferreira de Castro (o TMT considerou que estes factos não
foram provados nem desmentidos durante o julgamento). A nomeação do
tenente-coronel Homero de Oliveira Matos para director da PIDE deveu-se às “qualidades
de disciplina e de rigoroso cumprimento da lei e do dever” mostradas pelo
oficial, que asseguraria “uma conduta correcta” nas actividades da polícia (p. 5).
Pressionado por críticas de sectores do regime, “em especial por personalidades
preponderantes da Legião Portuguesa” (p. 4), Schulz abandonaria a seu pedido a
função de ministro do Interior.