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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Meio louco e depravado em moral

O Acórdão do 2º Tribunal Militar Territorial de Lisboa de 5-4-1982 (publicado em separata da revista Scientia Iuridica, tomo XXXII, nº 184-186, Julho-Dezembro de 1983) expõe a decisão tomada pelos juízes (os generais Fontes Pereira de Melo e Manuel Themudo Barata e o juiz auditor Alfredo Rui Gonçalves Pereira) acerca do caso do general Arnaldo Schulz, ministro do Interior entre 1958 e 1961. A alínea a) do art. 1º da Lei nº 8/75, de 25 de Julho, prevê uma pena entre oito e doze anos de prisão para os “responsáveis directos pelas actividades criminosas” da PIDE/DGS, concretamente os governantes com a tutela da polícia política do regime derrubado pelo 25 de Abril, ou seja, o Presidente do Conselho e o ministro do Interior. Arnaldo Schulz estivera já preso cerca de um ano, entre 15 de Janeiro de 1975 e 9 de Janeiro de 1976. 

O 2º TMT de Lisboa considera, obviamente, provado que Schulz foi ministro do Interior do governo salazarista, mas resolve aplicar o art. 22º do Código de Justiça Militar, segundo o qual “Os serviços militares relevantes em tempo de guerra, bem como os actos de assinalado valor em todo o tempo, como tais qualificados, uns e outros, no Diário da República (…), podem, se praticados depois do crime, ser considerados pelos tribunais militares como dirimente da responsabilidade criminal ou como motivo da reabilitação do condenado” (p. 9). Depois de sair do Governo, Schulz exerceu comando militar no Norte de Angola e ocupou entre 1964 e 1968 os cargos de governador e comandante-chefe da Guiné (nos quais seria substituído pelo general António de Spínola), durante a luta contra a guerrilha do PAIGC, vindo a receber a Ordem Militar da Torre e Espada pelos feitos alcançados. Para os juízes, “dispõe o réu das condições para lhe poder ser aplicada a aludida dirimente”, tendo sido os seus serviços “altamente meritórios para o país” (p. 11). Schulz é, assim, absolvido, numa decisão que seria confirmada pelo Supremo Tribunal Militar em acórdão de 20 de Janeiro de 1983.

Relativamente ao processo, refira-se ainda a defesa efectuada por Arnaldo Schulz, que afirmou não ter desejado o cargo de ministro do Interior, apresentando objecções quando Salazar o convidou para a pasta. Perante a reticência do general, “o Dr. Salazar disse que não estava fazendo um convite para uma festa, mas para uma missão cheia de responsabilidades e de dificuldades e que a um militar não era dado recusá-la” (p. 4). Já ministro, Schulz teria recebido cartas de familiares de presos políticos e influenciado a libertação de oposicionistas como Jaime Cortesão, António Sérgio e Ferreira de Castro (o TMT considerou que estes factos não foram provados nem desmentidos durante o julgamento). A nomeação do tenente-coronel Homero de Oliveira Matos para director da PIDE deveu-se às “qualidades de disciplina e de rigoroso cumprimento da lei e do dever” mostradas pelo oficial, que asseguraria “uma conduta correcta” nas actividades da polícia (p. 5). Pressionado por críticas de sectores do regime, “em especial por personalidades preponderantes da Legião Portuguesa” (p. 4), Schulz abandonaria a seu pedido a função de ministro do Interior.

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