A Biblioteca
Municipal de Figueiró dos Vinhos tem procedido à recolha e digitalização dos
periódicos publicados na vila desde o século XIX. Um dos títulos da imprensa
local figueiroense reproduzidos é O Norte
do Distrito (1953-1974). O quinzenário intitulava-se “Órgão nacionalista,
defensor dos concelhos do Norte do Distrito de Leiria” e pertencia a Ernesto
Lacerda e Costa, conservador do Registo Predial e proprietário agrícola. Figura
cimeira da elite política de Figueiró (presidindo à Comissão Concelhia da União
Nacional), Ernesto de Araújo Lacerda e Costa foi deputado pelo círculo de
Leiria à Assembleia Nacional entre 1949 e 1969. O resumo da sua actividade
parlamentar pode ser visto aqui e na entrada respectiva do Dicionário
Biográfico Parlamentar, 1935-1974, coordenado por Manuel Braga da Cruz e
António Costa Pinto.
O número de 25 de Janeiro de 1974 de O Norte do Distrito dedica a sua primeira página ao
falecimento de Ernesto Lacerda, ocorrido dois dias antes. Nascido em Figueiró
dos Vinhos a 20 de Fevereiro de 1899, Lacerda era filho de Joaquim de Araújo
Lacerda, um importante vulto local, que viria a substituir no cargo de provedor
da Santa Casa da Misericórdia figueiroense. “Trazido pela mão segura e
experiente de seu pai ao tablado dos dirigentes locais”, Lacerda licenciou-se
em Direito pela Universidade de Coimbra e ocupou a presidência da Câmara de
Figueiró dos Vinhos, além de marcar presença na AN entre a V e a IX
Legislaturas. Solteiro e sem filhos, deixou como única herdeira a sua irmã
Maria Leonarda, casada com Joaquim Alves Tomaz Morgado, director de O Norte de Distrito e também ele ex-presidente
do município e conservador do Registo de Figueiró dos Vinhos.
O obituário
dedicado a Ernesto Lacerda relaciona a acção do deputado com “inúmeros e
importantes melhoramentos para o concelho”, embora só refira em concreto a sua
pressão junto do poder central para que fosse construída a EN 350, entre
Figueiró e a ponte da ribeira de Alge. Possuindo relações com “destacados
influentes a nível local e regional”, Lacerda não só defendeu os “interesses da
colectividade” como apoiou as “pretensões pessoais, justas e legítimas de
muitos figueiroenses”, protegendo a ascensão destes “na função pública e nos sectores
privados”. A influência de que o deputado dispunha terá criado à sua volta uma
rede de fiéis, necessariamente gratos pela protecção recebida. Ernesto Lacerda
surge como um exemplo de “cacique” do Estado Novo cujo estudo poderia
contribuir para conhecer melhor os poderes locais durante o período da
ditadura, pelos menos na região de Leiria. A nível pessoal, testemunhos de
conterrâneos (a minha mãe) acusam-no de ser avarento e prepotente, não tendo a
sua morte causado especial tristeza entre a população. Entretanto, o jornal que
fundou não lhe sobreviveria muito tempo, tendo O Norte do Distrito (acérrimo defensor do Estado Novo e da guerra
colonial) publicado o seu último número a 10 de Abril de 1974, vitimado pela
mudança súbita da situação política.
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