Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Não seja nabo, semeie beterraba


No romance O Teu Rosto Será o Último (Leya, 2012), de João Ricardo Pedro, as frequentes alusões ao desporto servem para fornecer referências temporais e caracterizar as personagens. Em primeiro lugar, surge a paixão pelo Sporting, com figuras de referência como Jesus Correia e Jordão, o sonho dos adeptos com a conquista da Taça dos Campeões Europeus e manchetes sobre os “leões” no Record (não é referido o título de nenhuma outra publicação desportiva). O ciclismo atrai o interesse de vários intervenientes na história, que seguem os feitos de Joaquim Agostinho ou a Volta a Portugal de 1981, quando Manuel Zeferino (FC Porto) chegou ao fim de amarelo. Especificamente sobre futebol, além de um Eusébio, há campos precários criados por iniciativa particular, o golo do holandês Van Basten na final do Campeonato da Europa de 1988 ou “notícias sobre o estado financeiro dos clubes de futebol” (p. 187) em 1991, entre outras marcas do desporto-rei no cenário onde se movem as personagens. Ao longo do percurso do país e dos seus habitantes, o desporto está sempre lá.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

O Estoril e Cascais são o centro do penico


As coisas mais datadas podem ser as mais interessantes. No caso do livro Há Vida em Markl: Opus 2 (Gradiva, 2007), que reúne cartoons e textos radiofónicos criados por Nuno Markl entre 2005 e 2007, ler a obra na actualidade realça um novo significado do trabalho do humorista de Benfica produzido nessa época. Mais concretamente, Há Vida em Markl: Opus 2 é o último livro de Nuno Markl “antes de Ana Galvão”, com tudo o que isso representa. E no entanto ela está lá, como colega de Markl na Antena 3, e nos textos da rubrica radiofónica é possível encontrar Galvão, “um doce de pessoa”, a dizer “Salte-me para cima, seu caixa de óculos gostoso.” (p. 72). Também surgem nas páginas da obra alguns prenúncios do que seria a Caderneta de Cromos, como “Mikado” (p. 83) ou a prancha de análise ao anúncio televisivo do Restaurador Olex (p. 118). Quanto a Pimpinha Jardim (pp. 59-61), parece que tudo acabou em bem, já que a filha de Cinha Jardim apareceu recentemente num dos episódios de Felizes para Sempre.

domingo, 12 de agosto de 2012

Manuel recusa ver a filha recém-nascida

Para um crítico de cinema, escrever uma crítica a um filme que se detestou não é tão simples como parece (nunca consegui fazê-lo convenientemente). Limitar-se a dizer que a obra em questão é “um pastelão” ou mesmo “uma merda” cumpre os mínimos, mas não tem a eficácia de um texto divertido no qual, recorrendo a ironia e exagero, o autor acentue a escassez de qualidade do filme. O humor permite mesmo destacar os aspectos ridículos (ou a falta de piada, nas comédias) da fita analisada. Alguém que costuma alcançar com mestria esse objectivo é Pedro Soares, no Royale With Cheese

No número da Sábado de 9 de Agosto, o suplemento Tentações inclui uma crítica de Tiago R. Santos a Pai Infernal, de Sean Anders, com Adam Sandler no papel principal. A classificação adoptada pela revista utiliza uma escala de 1 a 100, com Pai Infernal a ser o primeiro filme a obter na Sábado uma percentagem de apenas 1%. Tiago R. Santos (também argumentista) começa o texto por afirmar: “Adam Sandler detesta-nos. É essa a única explicação. Ele quer fazer-nos sofrer. Mas é ainda pior. Sandler faz questão de destruir as coisas que nos são preciosas. (…)” Mais à frente: “Vale a pena falar de “Pai Infernal”? Querem mesmo saber? Nem sequer leiam o texto. Salvem-se. Salvem-se já. O que é que ganhei a ver o filme? Nada. Menos que zero. Nesse dia, depois da projecção, a comida deixou de ter sabor. (…) O mundo está perdido. (…) A comunidade internacional assiste passiva a estas catástrofes. (…) Se este texto convencer uma única pessoa a não pagar bilhete para este objecto do demónio, o meu sacrifício não terá sido em vão. (…)” (p. 29) A crítica é provavelmente bem mais divertida que o filme em si. Trata-se de um desanque com classe. No mesmo número, o outro crítico de cinema da Sábado, Pedro Marta Santos, atira-se a ATM – Armadilha Mortal, que mesmo assim chega aos 27%, realçando a excepcionalidade de Pai Infernal.

Quanto aos “filmes de Adam Sandler” (um género cinematográfico específico), parece que quem vê um, vê todos. Mais útil será assistir a algum filmes “com” Adam Sandler, não só o óbvio Embriagado de Amor, de Paul Thomas Anderson, mas também Gente Gira, de Judd Apatow (embora a obra pudesse ter sido melhor conseguida), onde Sandler brinca um pouco com a sua própria imagem.

sábado, 11 de agosto de 2012

O Cavaco e a Cavaca amam-se perdidamente

No capítulo 19 do romance Português Suave (Oficina do Livro, 2008), de Margarida Rebelo Pinto (uma das badanas do livro informa que a escritora “nasceu a 7 de Junho em Lisboa”, ignorando o seu ano de nascimento, 1965), a narradora é “uma velha azeda e reaccionária” (p. 213) no fim da vida e com saudades de Salazar. O desencontro com o tempo em que vive passa pela televisão portuguesa:

“ (…) A televisão enjoa-me, é só cantores pimba, como eles agora dizem, novelas pimba, apresentadoras pimba, gente mal vestida e mal instruída, só a Maria Elisa é que se safa, o resto é uma cambada de pindéricas. Já morreram o José Mensurado, o Henrique Mendes, o Fernando Pessa, a Maria Leonor, essa gente do meu tempo que sabia falar e falava bem. (…)” (pp. 212-213)

Embora Português Suave seja datado de 2008 (no final do livro, surge a indicação “Paço d’Arcos, 17 de Maio de 2008”), a lista de personalidades da RTP já falecidas mencionada pela narradora do capítulo 19 inclui o locutor e jornalista José Mensurado, que só viria a morrer em 2 de Dezembro de 2011, como foi noticiado. O facto dos outros nomes estarem correctos reduz as hipóteses da referência a Mensurado se tratar de um sintoma de senilidade da personagem nascida em 1939. Assim, Margarida Rebelo Pinto “matou”, por lapso, José Mensurado quando este ainda se encontrava vivo.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Inexpugnável na torre da sua sapiência económica

Mário Soares já falou (no final do segundo mandato presidencial) sobre as suas preferências quanto a cinema. Além do simbolismo do filme Casablanca e da rejeição da ficção científica, não recordo nada de especial nos gostos cinéfilos do fundador do PS. Relativamente à televisão, Soares e a sua esposa têm dado atenção àquilo que consideram o problema do excesso de violência na ficção e mesmo nos telejornais. Em Um Político Assume-se (Círculo de Leitores/Temas e Debates, 2011), ao enumerar o que aconteceu no ano de 1993, Soares escreve: “A violência na televisão – e nos filmes americanos – tornou-se quase um hábito, com consequências deploráveis no espírito das crianças e mesmo dos adultos” (pp. 410-411). Maria Barroso e o então Presidente da República procuraram sensibilizar os media para a necessidade de um maior controlo (sem se confundir com censura) dos conteúdos exibidos, mas “A luta pelas audiências foi superior a todos os argumentos…” (p. 412)

É fácil imaginar que a série americana 24, exibida pela RTP2 na década passada, tinha tudo para desagradar a Mário Soares (aspectos artísticos de lado), quer pela abundância de tiroteios e cenas violentas quer pela influência da agenda ideológica da Administração Bush, que passou, nas primeiras temporadas, pela legitimação do uso da tortura (uma questão sensível para Soares) no combate ao terrorismo.

No que respeita a políticos mais jovens, na casa dos 40-50 anos, que cresceram com as séries vindas dos EUA, os gostos em matéria de ficção televisiva não deverão ser muito diferentes dos do resto da população. No entanto, um inquérito sobre o assunto poderia conduzir a conclusões interessantes. Por exemplo, seria útil saber que séries, novelas, telefilmes ou programas humorísticos influenciaram a estratégia política de Miguel Relvas.

sábado, 4 de agosto de 2012

Agora há idiotas eleitos

Apesar da falta de apoios do Estado, este blogue atingiu os dois anos de existência. Só sei que é preciso continuar, continuar sempre.

Prova os clientes que vão ao Tallon

Em 2005, a propósito de uma lista de “momentos televisivos marcantes” que Pedro Mexia elaborou na blogosfera (pode ser consultada no livro de Mexia Prova de Vida, Tinta da China, 2007, pp. 127-128), fiz também uma enumeração de episódios que vi na televisão portuguesa e se destacaram particularmente, por ordem arbitrária:

1. Herman José a destruir o cenário de A Roda da Sorte.
2. Alexandrino apela aos participantes na sua experiência de hipnotismo no Herman SIC que se mantenham firmes e hirtos como uma barra de ferro.
3. As bombas começam a “trovejar sobre Báguedá” (Carlos Fino).
4. Miguel Sousa Tavares, perante a Nova Iorque do 11 de Setembro, comenta na TVI que há uma parte boa no facto de Portugal não ser uma superpotência.
5. Um novo slogan (“Agora Portugal”) surge no cenário do discurso de vitória de Durão Barroso nas autárquicas de 2001.
6. Jorge Gabriel coloca uma iguana viva na cabeça de um concorrente absolutamente apavorado do programa Agora ou Nunca.
7. Miklos Féher morto em campo.
8. Santana Lopes a falar das suas costas “cheias de cicatrizes”.
9. Jerónimo de Sousa sem voz no debate da RTP das legislativas de 2005.
10. João César Monteiro: “Eu quero que o público português se foda”, à saída de uma antestreia no Monumental.
11. Carlos Cruz berra o nome de Dinis Machado (resposta certa à última das 15 perguntas do Quem Quer ser Milionário?).

Não sei que momentos televisivos ocorridos desde 2005 poderiam estar numa nova lista, embora a abundância de frases e situações insólitas nos reality-shows de SIC e TVI, tal como os “Tesourinhos Deprimentes” recolhidos pelos Gato Fedorento, permita obter facilmente exemplos de cenas memoráveis.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Man, esta é de gritos!

O último livro do ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Alberto Franco Nogueira (1918-1993), Juízo Final (2ª edição, Civilização, 1993), expressa como o autor encarava, no fim da sua vida e do século XX, a situação do país e do mundo. Combatendo ao serviço de Salazar como ministro entre 1961 e 1969 (e mesmo depois, nas críticas a Marcelo Caetano, que estaria a ameaçar a integridade nacional), Nogueira conhecera desde então sucessivas derrotas: o 25 de Abril, a descolonização, a entrada de Portugal na CEE.

O pensamento que o biógrafo de Salazar expressa de forma coerente em Juízo Final deixa, de facto, a sensação de que Franco Nogueira foi magoado e ultrapassado pelo seu tempo. As ideias “fascistas” de Nogueira incluem posições como a defesa da nação como valor e unidade fundamental, o eurocepticismo radical (quaisquer instituições supranacionais deveriam ser rejeitadas), o culto dos heróis do passado, a recusa do pacifismo (a paz não poderia sobrepor-se aos interesses da comunidade) ou o desprezo pelas elites portuguesas (na concepção de Nogueira, estas incluem sobretudo o poder político-social e os intelectuais), que em momentos de crise ignoram os interesses nacionais e se colocam ao serviço do estrangeiro, copiando ideias alheias devido ao receio excessivo do isolamento (em 1971, durante a guerra colonial, Franco Nogueira expusera no livro As Crises e os Homens as falhas do escol que, perante as ameaças em 1383, 1580 ou no presente, traía o país). Só o povo sentia sempre a pátria e compreendia o que estava em jogo, mas, em 1992, Nogueira observa que os portugueses manifestam “indiferença perante valores nacionais” e caem numa “submissão passiva e inconsciente, e até alegre e eufórica, aos interesses de terceiros” (p. 229), ignorando os perigos que correm.

Não sei se Franco Nogueira gostava de futebol, mas seria curioso conhecer o que o diplomata pensaria da euforia patriótica criada recentemente nos portugueses pela participação da selecção no Europeu, onde, ainda por cima, a equipa lusa enfrentou a Espanha, sempre desejosa, segundo Nogueira, de nos absorver numa Península Ibérica unificada.