Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

sábado, 11 de junho de 2011

A perenidade reconfortante das certezas infalíveis

Repetindo o que fizera com Fernando Mendes (Jogo Sujo), o escritor e jornalista Luís Aguilar obteve a colaboração do ex-futebolista Paulo Futre na realização de uma obra autobiográfica sobre este último. “El Portugués” (Livros D’Hoje, 2011) seria “apenas” uma retrospectiva pessoal da carreira de um dos futebolistas portugueses mais admirados pelos adeptos em toda a Península Ibérica e da sua actividade posterior ao abandono dos relvados, nomeadamente como director desportivo do Atlético de Madrid. Mas Futre está longe de ser uma figura convencional e previsível. Depois de alguns anos de afastamento da ribalta, o ex-jogador envolveu-se em 2011 na candidatura de Dias Ferreira à presidência do Sporting e, habilmente, atraiu as atenções da comunicação social através de uma depressa tornada lendária conferência de imprensa poucos dias antes das eleições nas quais o seu candidato sairia derrotado. Difundido na Internet e parodiado até à exaustão, o discurso do “concentradíssimo” Futre tornou-o novamente uma estrela e deu origem a uma campanha publicitária. Chegou então o esforço de promoção de “El Portugués”, na origem de entrevistas de Futre a inúmeros periódicos e múltiplas aparições televisivas do montijense. Uma vez colocado nas lojas, o livro de Futre/Aguilar tornou-se o líder de todas as tabelas de vendas e promete permanecer nesse estatuto.

A verdade é que “El Portugués” deve ser um dos livros sobre futebol mais interessantes alguma vez escritos na língua de Camões. Desde logo, como é óbvio, pelo percurso de Futre, recheado de momentos de glória, jogos inesquecíveis, golos fabulosos e emoções fortes, vividas tanto em ocasiões felizes como em períodos de tensão. O registo coloquial da prosa autobiográfica dá a ideia de estarmos junto de Paulo Futre a ouvi-lo contar histórias da sua vida, a qual nada tem tido de aborrecida. Os episódios insólitos, à beira da comédia, vão-se sucedendo, deixando o leitor concentradíssimo à espera do que acontece a seguir. O Futre que se revela (aparentemente) sem disfarces é o modelo do Português esperto, malandro e desenrascado, que ultrapassa situações complicadas graças à sua força de vontade, autoconfiança, habilidade e até talento de actor (o desportista vai, aliás, fazer uma participação na telenovela Laços de Sangue). Seja a lidar com as mulheres, ameaçar Dani, abandonar o Brasil, convencer Figo a ir para o Real Madrid, explicar a Mário Soares a sua recusa de ir à tropa ou a enfrentar o feitio temível de Gil y Gil, Futre finta as adversidades e faz jogadas de enorme classe. Mesmo os leitores indiferentes pelo futebol têm a oportunidade de sorrir com as peripécias em que o Bola de Prata se vê envolvido. Não é muito rigoroso, porém, afirmar-se no livro que Futre ganhou a Champions League em 1987, já que a prova se chamava então Taça dos Campeões Europeus e possuía outro formato. Seja como for, “El Portugués” constitui um relato bem-humorado duma carreira desportiva ímpar que, como qualquer bom livro, tem muitas vidas lá dentro.

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