Em A Cada Um o Seu Lugar (Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2011), Irene Flunser Pimentel estudou a Obra das Mães pela Educação Nacional (OMEN), uma das organizações que agruparam a elite feminina do Estado Novo. Promotora de actividades filantrópicas, a OMEN revelou-se um fracasso, tendo acção reduzida e falhando o objectivo de mudar as mentalidades das mulheres portuguesas no sentido dos princípios do regime. A forma como a OMEN actuou a nível local pode ser avaliada a partir de fontes como o Relatório Elaborado pela Comissão Municipal da Obra das Mães pela Educação Nacional em Reguengos de Monsaraz, 1943.
No concelho alentejano, a delegação da OMEN foi fundada em Janeiro de 1941, dividindo-se as “senhoras” da terra entre a Comissão Municipal e a comissão paroquial. Num contexto de carência agravado pela guerra em curso, “nada se torna mais imperioso do que socorrer as criancinhas deficientemente alimentadas e vestidas que frequentam as escolas” (p. 6), através da iniciativa “Uma merenda nas escolas”. 60 crianças de Reguengos em idade escolar passaram assim a receber diariamente 2,5 dl de leite (às 8.45 da manhã) e, à tarde, uma fatia de pão com conduto (mel, queijo, marmelada, etc.) resultante de doações particulares. Os alunos beneficiários foram escolhidos pela OMEN tendo em conta a “maior pobreza e aplicação nos estudos” (p. 7), após visitas às suas residências e contactos com os professores (duas docentes, Almerinda Tavares e Julieta de Andrade Rosado, integravam a OMEN). Na escola para rapazes, um refeitório foi inaugurado com a presença das dirigentes distritais da Obra das Mães.
A Semana da Mãe, celebrada em Dezembro (mês da festa de Nossa Senhora da Conceição), era uma das iniciativas mais visíveis da OMEN, que atribuía prémios a famílias numerosas e fornecia berços e enxovais a recém-nascidos. Em Reguengos de Monsaraz, além do prémio anual de mil escudos a uma família numerosa (casal e 10 filhos, no caso dos premiados de 1942), era entregue o diploma de “Mãe Cristã” a uma mulher considerada exemplo de “boa esposa e mãe” (p. 10). A 8 de Dezembro, a festa infantil da OMEN de Reguengos incluía “quadros” (pequenas representações) interpretados por crianças e alunos da Escola Secundária local. De acordo com o relatório, a actividade da Obra das Mães passava também pelo apoio à catequização dos jovens e ao internamento de crianças deficientes ou abandonadas.
O livro publicado pela OMEN inclui também um relatório do médico José Pires Gonçalves, em serviço voluntário na escola primária de Reguengos. Pires Gonçalves procedeu ao exame clínico de uma amostra de 80 indivíduos (parte do total de 636 alunos a estudar na vila), na sua maioria filhos de “gente humilde com uma situação social nítida e dolorosamente abaixo do nível do Pão” (p. 19), detectando numerosas doenças, como sarampo (35 casos), entre as crianças, vítimas da ausência de vacinação e das más condições sanitárias existentes tanto em casa como na escola, onde a transmissão de piolhos era generalizada. Qualquer medida sanitária aplicada a apenas alguns jovens, sem uma melhoria da salubridade do ambiente onde se moviam, seria inútil.
Além da contabilidade dos primeiros três anos da delegação da OMEN em Reguengos de Monsaraz, a obra revela ainda os textos de vários “quadros” apresentados nas festas infantis da organização. Os versos, de discurso cristão e nacionalista, fornecem conselhos relativos aos cuidados com os bebés (“ABC das mães”) e ao comportamento das crianças, as quais deveriam estar atentas e caladas na missa, respeitar “os velhos, os loucos e os aleijados” e, nas ruas, evitar práticas como riscar as paredes ou brincar ao “jogo da pela, terror de tanta janela” (p. 45).
Muito intesressante, Pedro Serra. Só tenho pena de ter "fechado" o livro antes de ler este seu post. É com posts como este que a blogoesfera é tão importante. Abraço e parabéns
ResponderEliminarObrigado, professora. Se quiser, eu dou-lhe o livro.
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