Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Para o Pinto da Costa uma salva de palmas

O jornal universitário Via Latina (editado entre 1941 e 1969), pertencente à Associação Académica de Coimbra, concedeu forte atenção ao desporto, quanto mais não seja devido às actividades da AAC no futebol e noutras modalidades. No final dos anos 50, algumas alunas da universidade coimbrã, como a nadadora Margarida Frias, lançaram-se na prática de desporto, sendo representadas dentro da AAC por um Conselho Feminino. Eram ainda, no entanto, muito poucas, tendo em conta o universo das estudantes. Em 1961, quando o Via Latina gera controvérsia ao publicar o artigo “Carta a uma jovem portuguesa” (19 de Abril), de Jorge Marinha de Campos (o autor aborda os tabus e convenções sociais de então que condicionam as relações amorosas entre rapazes e raparigas), o desporto praticado por mulheres é um assunto frequente nas páginas do periódico. 

No número de 21 de Março desse ano, a aluna Isabel Maria assina o artigo “A propósito do jogo AAC-PUC” (p. 2), referindo-se à deslocação a Coimbra de um grupo de jovens basquetebolistas francesas. A qualidade do jogo das visitantes inspira Isabel Maria a retratar “a situação do desporto feminino universitário em Coimbra”, onde eram praticadas as modalidades de badminton (6 inscritas), voleibol (20 jogadoras), basquetebol (apenas 3!) e ginástica (46 alunas inscritas, das quais menos de metade frequentam as aulas). Perguntando “Como se explica que moças do séc. XX achem que o desporto não é próprio para elas?”, a autora, ela própria uma desportista, aponta algumas causas: falta de incentivo familiar, uma mentalidade tradicional (que Isabel Maria desmente dizendo que “não é feio, nem masculino, nem pouco próprio praticar desporto”), excessivo tempo gasto com lazeres em espaços fechados (cinema, bailes, cafés) e no cuidado da aparência, medo de reacções negativas dos rapazes e as carências em equipamentos e pessoal técnico que afectam o conjunto do desporto português. Uma mudança de mentalidades entre as jovens seria decisiva para alterar a situação, devendo-se criar na AAC novas secções femininas como ténis, andebol e atletismo, promover competições entre lares universitários e fora deles ou realizar colóquios sobre o desporto feminino. Até lá, “Cada dia que passa é um dia de atraso na realização de um ideal belo e são a que a Mulher de hoje já não pode fugir, nem ignorar”. 

Curiosamente, a 19 de Abril, no mesmo jornal, surge um artigo de Ramiro Correia (trata-se provavelmente do estudante de Medicina que se tornaria militar e integraria a ala mais à esquerda do MFA) que procura responder a algumas ideias da crónica de Isabel Maria. Ramiro Correia tinha já, a 16 de Janeiro desse ano, defendido no Via Latina que as mulheres não possuíam capacidades físicas e psíquicas para praticar desporto de competição, devendo limitar-se à educação física e às modalidades mais leves. Retomando o tema, Correia considera que, por exemplo, “O andebol é uma modalidade violentíssima, em que o choque é constante e as “boladas” no corpo, face, etc., são frequentíssimas” (p. 10). À violência do jogo soma-se a “verdade clínica” segundo a qual “os traumatismos nos seios e no abdómen são causa frequente, muito frequente, de cancerização do seio e do útero”. Portanto, estaria fora de questão que as jovens praticassem andebol (muito menos futebol), apesar de tal acontecer em países europeus como Suécia e Alemanha. De uma forma geral, a competição desportiva deveria estar vedada às mulheres. Correia cita o parecer de “um excelente técnico australiano de atletismo” que vê nas atletas vencedoras de medalhas olímpicas “ “mulheres” absolutamente masculinizadas, sem seios, com um sistema físico desenvolvidíssimo, indivíduos que apenas podemos considerar doentes hormonalmente””. 

Os textos publicados em 1961 no jornal académico conimbricense reflectem os problemas colocados ao longo do século passado à participação feminina nas actividades desportivas portuguesas. Durante o Estado Novo, vários sectores, incluindo a Igreja Católica, procuraram impor limites à prática desportiva das jovens lusas, considerando haver o risco de masculinização (ou risco para a sua função de futuras mães) daquelas que se envolvessem a fundo na actividade física. Os desportos colectivos eram particularmente temidos e desaconselhados às raparigas. Mesmo assim, grupos de mulheres intrometeram-se progressivamente em actividades lúdicas até aí associadas apenas aos homens, contribuindo para desfazer tabus.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Vale mais ser do Benfica que ser rico

O filme Assalto ao Santa Maria, de Francisco Manso, foi exibido ontem pela RTP1 com a classificação de M/16, um aviso prévio sobre os riscos para a sensibilidade dos espectadores e uma grande bola vermelha no ecrã. Que tem a película de tão chocante para merecer as precauções? No que toca à violência, são disparados durante o filme apenas três tiros, em cenas que hoje são banais em quase todas as obras cinematográficas. A polémica parece estar apenas na visibilidade dos seios de Leonor Seixas durante um diálogo pós-coito. O carácter público da RTP exige talvez uma atenção redobrada a tudo o que seja mais ousado. Quanto ao filme, trata-se de uma desilusão a todos os níveis.

domingo, 24 de abril de 2011

Te amo, Sporting

A realizadora sueca/portuguesa Solveig Nordlund está a filmar A Morte de Carlos Gardel, uma longa-metragem baseada no romance homónimo de António Lobo Antunes (o escritor foi em 1997 o tema de um documentário realizado por Nordlund). Trata-se da primeira adaptação ao cinema de uma obra de Lobo Antunes (não sei porquê, pensei que viria a ser Que Farei Quando Tudo Arde? o romance do autor a conhecer essa honra), o que é considerado espantoso por Nordlund tendo em conta a vastidão do universo do escritor. Na verdade, muitos dos romances de António Lobo Antunes parecem infilmáveis, devido à complexidade da escrita e à opção do autor de deixar indefinidas muitas das características das personagens e afastar-se de uma ordem linear na história. Tal não impede que os romances antunianos estejam repletos de poderosas impressões visuais. A Morte de Carlos Gardel (1994) é o terceiro e último romance do chamado “ciclo de Benfica” (não sei se a crítica distingue algum ciclo na obra posterior de Lobo Antunes), possuindo algum humor e sátira corrosiva ao quotidiano dos subúrbios. Elementos autobiográficos estão presentes na obra, como em muitos outros livros do mesmo autor. Tendo em conta que a melhor personagem de António Lobo Antunes é ele próprio, será interessante ver como é retratado, ainda que de forma indirecta, no filme de Nordlund.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Tanta terra para lavrar e o meu arado a ganhar ferrugem

O convite feito por Diário de Notícias e Jornal de Notícias a 25 celebridades adeptas do FC Porto para escreverem sobre o 25º campeonato nacional ganho pelo clube e um jogador em particular do plantel portista desta época (num total de 25 artigos, ilustrados por desenhadores como Osvaldo Medina) faz lembrar o livro organizado por Luís Miguel Pereira aquando do centenário do Benfica. Ser Benfiquista (Prime Books, 2004) reúne os depoimentos de 100 figuras públicas sem ligações profissionais ao futebol acerca do SLB. Por seu turno, o Sporting formou em 2005 a Comissão de Honra do centenário leonino, incluindo Jorge Sampaio e D. José Policarpo (que então chefiavam, respectivamente, o Estado e a Igreja portugueses), além de outras personalidades de várias áreas apoiantes do SCP, ex-atletas e ex-dirigentes. Clubes de média dimensão possuem também os “seus” famosos, como o Belenenses (João Pedro Pais) e o Sp. Braga (Marcelo Rebelo de Sousa). Para lá da promoção dos clubes através da popularidade dos seus torcedores mais mediáticos, a exibição do sentimento clubista por artistas, políticos, empresários ou jornalistas serve para realçar o impacto e abrangência social do futebol e mostrar que as massas adeptas são formadas por milhares de experiências e sentimentos individuais.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Só descanso quando te tiver destruído

As Conclusões (Seara Nova, 1973) do III Congresso da Oposição Democrática de Aveiro, realizado em Abril de 1973, incluem considerações sobre o desporto português, discutido pela secção de educação, cultura e juventude do congresso. Os opositores do Estado Novo apontam à ditadura uma concepção do desporto como “forma de alienação de vastas camadas da população portuguesa, pela canalização dos seus interesses, disponibilidades e atenções para o espectáculo desportivo profissionalizado, semi-profissionalizado ou pseudo-amadorístico” (p. 92). Um dos sectores prejudicados pelos objectivos do Estado Novo é o desporto juvenil, escassamente desenvolvido nas escolas devido à falta de professores e instrutores de educação física. Relativamente à estratégia a seguir para democratizar o desporto em Portugal, os congressistas desaconselham um controlo apertado das actividades desportivas pelo Estado. A iniciativa dos clubes e federações seria fundamental para a massificação. Um Conselho do Desporto formado por agentes do sector definiria a política desportiva nacional, que os órgãos estatais se limitariam a aplicar. A democratização a nível social, político e económico do país acabaria por levar a um progressivo desaparecimento do profissionalismo no desporto.

sábado, 16 de abril de 2011

Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo

Nova Odivelas, 15 de Abril de 2011 

Miguel Ramos (PS): “ (…) Com a entrada de José Sócrates no pavilhão do congresso, logo se viu a sua importância para os socialistas, para os portugueses, para os europeus e não se espantem até para os média. Tal foi o reboliço nas entradas de José Sócrates que os média pisavam, atropelavam, quase matavam para um bom plano do nosso Secretário-geral. Não encontro descrição que vos faça ter tal imagem, mas a angústia e tristeza de alguns jornalistas era tal que muito se devem ter arrependido do que disseram dele no passado. (…)” (p. 6)

quinta-feira, 14 de abril de 2011

I wouldn't pick my nose to save his life

Os órgãos sociais do Sporting que tomaram posse em 27 de Fevereiro de 1982, com João Rocha como presidente da Direcção, incluíam apenas uma mulher: Maria Angélica Esteves Salgado, vogal da Mesa da Assembleia-Geral e único membro feminino do Conselho Leonino. Ao nível dos seccionistas, a presença de mulheres fazia-se sentir nas modalidades com mais atletas do sexo feminino, como basquetebol (Helena M. Duarte), ginástica (Lina Maria Marrafa de Oliveira, Maria Helena Álvares da Silva, Roseta Maria Salgueiro), patinagem artística (a secção era capitaneada por Maria J. Moreira) e voleibol (Lavínia Brito Pais, Olinda C. Ivans, Maria A. Patrício). Curiosamente, na secção de atletismo não existiam em 1982 nem técnicas nem dirigentes.

Na actualidade, o dirigismo desportivo continua a ser em Portugal uma actividade tradicionalmente masculina, pelo menos nos maiores clubes (não conheço estudos sobre o tema). Para lá das questões também ligadas à escassa participação das mulheres nos postos dirigentes doutras áreas, pareceria estranho a muitos atletas do sexo masculino serem liderados por uma mulher. Uma excepção recente, já na esfera federativa, é o de Leila Marques Mota, presidente da Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes.

O direito moral de continuar a existir


Diamantino, Carlos Manuel, José Pedroto, Paulo Futre, Manuel Marques, Veloso, Humberto Coelho e Eusébio foram as figuras do futebol português que passaram pelo programa do Estebes em O Tal Canal (1983). 

Apesar do programa de Herman José raramente se referir à religião (excepto no episódio do Natal), seria interessante conhecer as reacções daqueles que em 1983 pensaram “isto é um escândalo”, quanto mais não seja pela abundância de piadas à volta da cópula. O 25 de Abril tinha acontecido ainda há pouco tempo e tudo o que passava na RTP estava sujeito a apertado escrutínio dos sectores mais conservadores.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Crítica honesta e independente é o nosso lema

As listas de funcionários da PIDE/DGS (como tal abrangidos pela Lei nº 8/75) incluem, além de agentes, chefes de brigada e outros responsáveis pela investigação e combate aos crimes políticos, centenas e centenas de membros do pessoal auxiliar e administrativo, como escriturários, dactilógrafos, oficiais, chefes de secção, contínuos, serventes, auxiliares de limpeza, etc. Múltiplas perguntas surgem acerca desta multidão de trabalhadores necessários ao funcionamento da polícia política. Quem eram (ou são) estas pessoas? Pensariam que trabalhavam na PIDE como noutro sítio qualquer? Porque se teriam empregado naquele organismo repressivo? Poderiam alegar desconhecimento da violência sobre os presos políticos? Teriam contacto com estes? Como se relacionavam com os dirigentes e agentes da polícia? Dariam garantias de apoiar a ditadura ou pelo menos serem-lhe indiferentes? É possível seguir o seu percurso através da segunda série do Diário do Governo? Que clubes de futebol apoiariam? Iriam ao cinema? Que pensariam durante os últimos anos do Estado Novo? Tentaram ir trabalhar na manhã de 25 de Abril de 1974? Como reagiram à dissolução da polícia onde trabalhavam (no caso dos funcionários residentes em Angola e Moçambique, é possível que muitos tenham ido para a África do Sul)? Além de terem processos na Comissão de Extinção, sofreriam de um estigma após a queda da ditadura? Ocultaram esse passo do seu currículo? Inscreveram-se em partidos de esquerda? A que transportes recorria a auxiliar de limpeza Laurinda de Jesus David para se deslocar do Bairro Dr. Mário Madeira (Pontinha) até à Rua António Maria Cardoso?

domingo, 10 de abril de 2011

A serpente pode mudar de pele, mas é sempre uma serpente


De acordo com os Relatórios e Contas do Sporting Clube de Portugal, verificou-se na primeira metade da década de 80 um grande aumento do número de sócios da colectividade de Alvalade. Os 44 079 associados contabilizados em 1 de Julho de 1981 passaram a 55 623 um ano mais tarde. No final da época de 1983/84, existiam 106 367 sócios do SCP, enquanto em 30 de Junho de 1985 132 489 pessoas podiam exibir o cartão de filiado do clube (ou seja, a massa associativa do Sporting triplicou num período de quatro anos). O crescimento do número de filiados traduziu-se nas receitas associativas, contabilizadas em 71 480 398$20 na época de 1981/82 e em 176 087 315$40 três anos depois.

Serviste a Pátria, ela deu-te um coice

O número de Abril da revista Premiere procura responder à chegada da concorrente Total Film (e do iminente aparecimento da versão portuguesa da Empire), anunciando o director editorial Jorge Paixão da Costa uma nova vida para a publicação fundada em 1999, descontinuada em 2007 e relançada em 2008. A saída para a Total Film de vários colaboradores levou a Premiere a recorrer a nomes com passagens anteriores pela revista (Basílio Martins, Inês Gens Mendes, Rui Brazuna, etc.) e a adoptar um novo chefe de redacção, Jorge Pinto (também há um Jorge Pinto na Total Film; o crítico colabora com as duas revistas ou trata-se de um caso de homonímia?). Procurou-se também recuperar algumas coisas da primeira série da Premiere, como as colunas de Criswell e as “cenas quentes” (existentes na Total com outros nomes). A estragar o conjunto, verificam-se falhas de revisão e uma adaptação incompleta ao Acordo Ortográfico. Assim, Jodie Foster tanto é uma “actriz” (p. 54) como uma “atriz” (p. 55).

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Na guerra com razão anda Deus por capitão

Os resultados das equipas portuguesas na primeira mão dos quartos-de-final da Liga Europa foram bastante bons. Benfica e FC Porto golearam e estão praticamente apurados para as meias-finais, enquanto o Sporting de Braga, após o empate a uma bola em Kiev, tem condições para voltar a brilhar em casa. Os bracarenses continuam a sonhar, ao mesmo tempo que parece óbvio que, para erguer o troféu, FCP e SLB terão que passar por cima um do outro. Recorde-se que só em 2002/03, na então Taça UEFA, duas equipas portuguesas chegaram às meias-finais da mesma competição europeia.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Com molas Antunes, todos ficamos imunes

Esteiro, Nº 1, Março de 2011

Luciano Zaga, “A questão fundamental”

“Numa esplanada à beira-rio, ele está absorto. Ela, sorvido o café, encara-o com estranheza.
— Estás hoje muito calado.
— Sabes, estou a pensar na vida.
— Então? (…)
— A questão fundamental, o cabouco sobre que assentam todos os problemas da vida, é a divisão entre os que acreditam que a origem de tudo, do universo e do mundo foi uma ideia, um ente superior desconhecido e que depois identificaram com o Sol a que chamaram deus, da palavra “div”, luz, em sânscrito; e aqueles que sabem que a matéria sempre existiu, não foi criada por ninguém, e está em contínuo processo de transformação de vida e morte e vida, em espiral ascendente, desde a rocha inanimada ao homem e à mulher sapiens sapiens, à maior maravilha da natureza: o cérebro humano. (…)
Se eu, erradamente, acredito na primeira posição, acredito em mitos, ilusões, homens salvadores da humanidade, submeto-me ao destino, à aceitação da exploração, voto nos partidos da direita, clara ou disfarçada, sou enganado pelos que se dizem meus amigos, sem aferir que interesses servem, sou lançado para a guerra para morrer e matar por interesses que não são os meus. (…)
E eu, pelo contrário, sei firmemente que não há um destino que me aprisione o futuro, que não há seres superiores aos homens. Não indo atrás de qualquer carismático demagogo, então sentes-te irmão, igual aos outros homens, sejam eles de que credo ou cor forem, e sabes que só a solidariedade entre todos os trabalhadores, intelectuais ou manuais, professores ou operários, resolverá os dramas da humanidade. Voto no partido fraternal, que luta pela humanização do homem, em todo o mundo. Não aceito a exploração. Não haverá guerra, nem doenças sociais, não haverá fome e miséria.
— Cada homem realiza a sua felicidade contribuindo para a felicidade dos outros.
— E todos se erguerão acima da condição animal em que nos encontramos… (…)” (p. 7)

domingo, 3 de abril de 2011

Foi mandado para casa sob o peso da vergonha

O livro oficial (Avante, 2001) do XVI Congresso do PCP, realizado em Lisboa (no Pavilhão Atlântico) entre 8 e 10 de Dezembro de 2000, sob o lema “Democracia e Socialismo – Um Projecto para o Século XXI”, inclui a transcrição da intervenção de um membro do Comité Central comunista, Carlos Rabaçal, sobre “Política desportiva”. Fazendo um resumo da situação do desporto em Portugal, que considera desastrosa, Rabaçal afirma que “desde que os comunistas deixaram de deter a responsabilidade governativa da pasta do desporto, mais nada de novo aconteceu no panorama desportivo português, na perspectiva da democratização (…). E isto aconteceu já lá vão 25 anos.” (p. 56) O governo socialista de António Guterres limitava-se a associar-se aos eventos mediáticos do futebol profissional, ignorando as necessidades desportivas da população, satisfeitas apenas pelas autarquias e pelos clubes locais. Tal como noutros sectores do país, só “uma autêntica revolução”, com o PCP no Governo, poderia trazer a mudança ao desporto (p. 57).

Mais adiante, Mário Nogueira refere-se brevemente à falta de condições nas escolas, onde “os espaços para a prática desportiva, incluindo a construção de alguns pavilhões gimnodesportivos com verbas já previstas em PIDDAC, continuam a aguardar por melhores dias, ou, talvez, por próximas eleições” (p. 72). O desporto é também um dos temas abordados na Resolução Política aprovada no congresso, onde a organização do Euro 2004 é encarada com cautelas, devendo ser fiscalizada. Os comunistas pensam que “o desporto deve ser entendido como um importante factor de melhoria da qualidade de vida das populações, de resposta às necessidades de crescimento das crianças e jovens, de integração social e formação completa da juventude, de luta contra as consequências da sedentarização na vida dos trabalhadores e dos adultos em geral, de resposta a problemas específicos dos deficientes e dos idosos, e na luta contra a desintegração e exclusão juvenil e toxicodependência”. (p. 297)

Como curiosidade, regista-se a presença na Presidência do XVI Congresso do professor de Educação Física Carlos Manuel Dias Costa, dirigente da Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes. Um dos delegados que usaram da palavra durante os trabalhos foi Domingos Estanislau, presidente do Futebol Benfica.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Mais parece um travesti

O pior da crise foi ter feito com que o vocabulário ligado à economia (juros, dívida, rating, agências, FEEF, leilão, mercados, Obrigações do Tesouro, etc.) dominasse os noticiários portugueses. Embora eu saiba que sem o conhecimento da economia não é possível compreender nenhum período histórico (como agora se comprova), tudo o que diga respeito a dinheiro e não seja imediatamente palpável me despertou sempre desinteresse. A linguagem económica, associada à crença nos mecanismos financeiros, era uma espécie de latim que só especialistas formados em seminários, ou melhor, em FEs, conheciam na sua plenitude. Sacerdotes e sacerdotisas como a minha irmã reuniam-se em templos (Bolsa, Banco de Portugal, Diário Económico, etc.) para adorar o seu deus e pronunciar na língua oficial do culto os sacramentos que asseguravam, em nome da comunidade, o apaziguamento das entidades divinas. Fora do corpo clerical, as pessoas só tinham uma vaga ideia dos princípios da fé, consultando os sacerdotes em períodos de dificuldades para tentarem compreender os misteriosos desígnios de uma Economia distante mas aparentemente todo-poderosa. Agora, um conhecimento mínimo das Sagradas Escrituras, que começam a ser traduzidas para as línguas profanas, é essencial para perceber o que se passa à nossa volta, até porque parece que um qualquer deus maligno soltou sobre nós a sua ira, sem que os sacerdotes possam fazer algo para aplacar a sede de sangue da divindade enfurecida.