A conferência Hoje, como ontem: o Estado Novo (União Nacional, 1946) foi proferida por Marcelo Caetano, então ministro das Colónias, no Porto, aquando das comemorações do vigésimo aniversário do 28 de Maio. Perante várias autoridades civis e militares do regime, Caetano relembra os seus anos de juventude passados na I República, em especial o período entre 1919 e 1926, expondo as razões que levaram ao golpe do Exército. Realça em seguida os méritos do guia da “Revolução Nacional”, Salazar, homem de “sistemática oposição a todas as violências” e “zelo pelos direitos essenciais da personalidade” (p. 31), tal como a obra desenvolvida em vinte anos de ditadura. Perante o choque do pós-guerra que o regime português então enfrenta, o jurista considera que o Estado Novo tem todas as condições para sobreviver na nova Europa. A estabilidade política é, para Caetano, uma conquista fundamental do salazarismo que o distingue do caos e agitação permanentes da democracia.
O crescimento da população portuguesa desde 1930 fora favorecido pela queda da emigração, prejudicada pela crise internacional e consequentes barreiras à entrada de estrangeiros no Brasil e nos Estados Unidos. Marcelo Caetano pensa que o país, contrariando as previsões mais pessimistas, sobrevivera bem na nova situação. Se a oposição aponta o “nível de vida baixíssimo” dos portugueses, Caetano resume o presente com as palavras “cá vamos vivendo” (p. 37). O ministro, ele próprio “de modestíssima origem”, acredita que a situação económica da população é melhor que vinte anos antes, até porque existem no Portugal de Salazar escassos preconceitos de classe e uma acentuada mobilidade social: “Homem com algumas qualidades de inteligência, iniciativa e carácter, muito pouco sorte terá se não conseguir elevar-se” (p. 38). Seria impossível esperar milagres no combate à pobreza, especialmente num período de urbanização e industrialização, que tinham criado novas necessidades materiais. Para Caetano, “O problema do nível da vida do povo português não pode ser resolvido revolucionariamente” (p. 38), através de uma hipotética distribuição indiscriminada de dinheiro. Seria necessário, além do aumento da produção nacional e da melhoria dos mecanismos de distribuição de riqueza, fornecer aos trabalhadores, através da educação, uma nova mentalidade que lhes permitisse gastar melhor os seus recursos e ganhar hábitos de higiene. A assistência social deveria ser, mais do que apoio material aos necessitados, “amparo, guia e ensino” (p. 45).
O futuro Presidente do Conselho não é insensível às desigualdades, integrando-se no “cristianismo social” europeu que subordina a política a “um profundo sentido de justiça” e à virtude da caridade (p. 43). Essa preocupação permitiria corrigir os problemas do capitalismo e as situações de exploração. Assim, apesar de garantir a propriedade privada, o Estado deveria ser intervencionista; de acordo com o bem comum e a moral, “a economia tem de ser dirigida, regulada e limitada” (p. 47). Caetano pensa mesmo que o Estado Novo terá de acentuar o seu “carácter intervencionista e social” nos próximos anos (p. 48), criticando a liberdade económica defendida pela oposição. Outro meio de combater as injustiças sociais seria o filantropismo dos ricos, os quais possuem o dever de aplicar a sua fortuna em obras que beneficiem a comunidade. O modelo do capitalista explorador é, implicitamente, considerado por Caetano incompatível com a doutrina cristã e o interesse colectivo defendido pelo Estado Novo, um regime ainda com largo futuro, pois “Hoje como ontem, Portugal quer viver: hoje como ontem Portugal quer o Estado Novo” (p. 53).