Foot, nº 44, Junho de 1988
Manuel Sérgio, “A dependência cultural”
“ (…) Convenhamos que, logo após o 25 de Abril, viu-se e propagou-se o socialismo e o desporto como ideias reguladoras, no sentido kantiano da expressão, isto é, como transcendentais a priori, ordenando o campo do que deve ser conhecido e transformado. Quero eu dizer: tombou-se no equívoco (no qual eu abundei também e era então dirigente do CF “Os Belenenses”) de partir de uma ideia de socialismo muito mal assimilada dos livros (que é preciso ler, com respeito e preparação filosófica) de Marx, Engels e Lenine, Gramsci e alguns mais, para a transformação do desporto português.
Enfim, éramos todos, os que trabalhávamos no desporto, com honrosas excepções (e entre essas excepções eu quero colocar o Alfredo Melo de Carvalho) idealistas blasonando de materialistas. Valeu ao desporto nacional um Mário Moniz Pereira, o já citado José Maria Pedroto e meia dúzia de homens vividos, para que o próprio futebol não caísse numa retórica que o conduziria a um fracasso de proporções imprevisíveis. Para alguns técnicos da Direcção-Geral dos Desportos, nesses anos de 1974, 1975 e 1976, só o que chegava do desporto socialista merecia adjectivos bem próximos da basbaquice pacóvia ou do oportunismo partidário.
Afinal continuavam o vício tão português de fazer das nossas ideias meras sucursais do que na Europa (a Leste ou a Oeste, consoante os gostos) se legitima como importante ou admirável. A nossa dependência cultural era evidente. Só que com slogans e palavras de ordem que incensavam “outro” imperialismo. E repetidos por indivíduos sem o mínimo de prática aceitável, como atletas, técnicos ou dirigentes. (…)” (p. 16)
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