O breve texto na contracapa do catálogo de Natal das livrarias Bertrand, que procura promover os livros como presentes ideais, possui frases curiosas. Dirigindo-se ao leitor/consumidor, a Bertrand pergunta: “Que presentes costuma oferecer? Vinhos, perfume, roupas, brinquedos? Então porque não oferecer um bom livro sobre esse tema.” Será que uma criança de seis anos fica mais contente com um livro sobre a história dos brinquedos que com um brinquedo a sério? No entanto, o fundamental surge depois: “Este catálogo encontra-se dividido por temas para que seja mais fácil descobrir o livro de cozinha para (a) avó, a biografia para o pai ou as últimas novidades de romance para a mãe.” Encontra-se numa única frase uma série de estereótipos ligados ao género.
Que personagens temos aqui? Primeiro, a avó, já meio senil e educada numa época em que as mulheres da classe média pouco mais faziam que cozinhar. É a anciã que prepara refeições especiais para toda a família, sobretudo os mimos de que os netos tanto gostam. Não se lhe conhecem quaisquer interesses lúdicos ou intelectuais (como não se fala do avô, talvez ele já tenha morrido por consumir muito álcool e tabaco, como é próprio dos homens a sério). Depois, o pai, um homem sério e racional, leitor do Público e do Expresso, habituado ao estudo das grandes questões da actualidade. Provavelmente ocupa um cargo de decisão e procura inspiração nas biografias de grandes homens de Estado como César e Churchill. Não tem tempo para ler foleirices como poesia ou literatura. Por fim, a mãe, que, por ser mulher, é sensível e generosa, sobrepondo a emoção à razão. Desinteressada dos clássicos, procura romances acabados de chegar ao mercado, sobretudo de autores americanos best-sellers. Os sentimentos das personagens em busca do amor e da felicidade fazem-na sonhar e compensam a banalidade de uma vida passada a lavar a roupa do pai e a cuidar dos filhos. Estes últimos não parecem ser um mercado explorado pela Bertrand, apesar do catálogo incluir secções de carácter infantil e juvenil.
Um problema de certa publicidade é que aponta para grupos predefinidos de consumidores absolutamente homogéneos, o que no caso dos livros é um grave erro. Qualquer leitor tem direito a ler o que lhe apeteça, por mais inesperado que seja e independentemente da sua idade ou posição social.
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