Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Eu sou AD, eu trabalho

Além do apelido e da profissão, pouco há de comum entre o inspector Franco, personagem de BD criada por Fernando Dordio Campos (ver séries C.A.O.S. e Super Pig), e o seu “parente” Joel Franco, herói da colecção de romances policiais Não Matarás, escrita por Pedro Garcia Rosado e inaugurada com A Cidade do Medo.


Nas pranchas, Franco (não lhe conhecemos o nome próprio) é um cinquentão já com décadas de experiência na Polícia Judiciária, enquanto nos parágrafos Joel mal ultrapassa os trinta e leva pouco tempo de casa, entre uma passagem pelo combate ao crime económico e o actual trabalho nos Homicídios. Franco tem bigode e uma farta cabeleira grisalha, aos quais Joel responde com cabelo ruivo e óculos exigidos pela miopia. Franco mora no Rossio e Joel em Campo de Ourique. Franco disse adeus ao casamento e à filha por causa do trabalho na PJ. Ainda sem filhos, Joel tem uma relação feliz e estável com uma desenhadora que procura manter à margem das suas investigações. Temos visto Franco sobretudo em acção no terreno, enquanto Joel, sem se intimidar mas também sem ficar ileso nos confrontos, recorre com frequência ao raciocínio e à sua memória fotográfica para compreender as motivações do assassino e descobrir a verdade. Franco é rude e irascível. Diplomático, Joel utiliza sempre uma linguagem cuidada. Nada sabemos sobre as motivações de Franco para combater o crime. Joel busca permanentemente justiça com o objectivo de vingar a morte do seu amigo de infância Augusto e consegue-o ao punir criminosos. O sucesso de Franco é bem mais ambíguo.


O inspector Franco regressará um dia destes no álbum Agentes do C.A.O.S. O inspector Joel Franco deverá surgir novamente em 2011, numa aventura com o título Vermelho da Cor do Sangue.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Onde está a Rick(y)eza de golos?

Escusado será dizer que pouco depois de escrever o post anterior encontrei no romance policial A Cidade do Medo (Asa, 2010), de Pedro Garcia Rosado, uma prostituta assassinada chamada Maria da Conceição Bonifácio. O nome da personagem é uma pura coincidência... ou não? Temos assim um mistério dentro do mistério do livro (que não é muito, já que a sinopse da contracapa conta a história praticamente toda): existe uma ligação entre Pedro Garcia Rosado e a autora de A Segunda Ascensão e Queda de Costa Cabral?

domingo, 29 de agosto de 2010

Mas o melhor de tudo é crer em Cristo

Maria Filomena Mónica, Vasco Pulido Valente e Maria de Fátima Bonifácio, além de amigos e colegas no Instituto de Ciências Sociais, têm várias coisas em comum: a cultura anglófona, a frontalidade, o estudo do período contemporâneo, a profusão de livros, a escrita clara e saborosa, o carácter de referências na imprensa e na historiografia. Talvez por causa disso tudo, partilham ainda uma enorme lata. Não são propriamente simpáticos ao avaliar a inteligência dos outros e integram-se numa elite intelectual restrita. Esse sentimento de superioridade explica que Bonifácio tenha classificado publicamente o quinto volume (“O Liberalismo”), produzido por investigadores de Coimbra, da História de Portugal dirigida por José Mattoso como “lixo”. O assunto já foi abordado por Ricardo Araújo Pereira na crónica de 2005 “Toda a gente é estúpida menos o Vasco Pulido Valente”, que é aplicável aos outros dois membros do trio. De qualquer maneira, não pretendo fazer “justiça” (a prof. Bonifácio deu-me nota de 14 valores, o que para ela era muito), até porque eles são tão queridos assim.

Beija-me na boca e chama-me Tarzan

Por culpa própria, não estou bem informado sobre o conflito israelo-palestiniano, ignorando as condições passadas e presentes que impedem que a solução aparentemente natural e óbvia (dois Estados soberanos com capital em Jerusalém) seja levada à prática ainda esta semana. No entanto, é fácil prever quais serão as opiniões dos comentadores portugueses na imprensa e na Internet quando ocorre um incidente que agrava a tensão no Próximo Oriente. De um lado, a esquerda canta “Palestina, olé, Palestina, olé, Palestina, olé, Palestina, olé, olé”, enquanto a direita faz-se ouvir: “Israel allez, Israel allez, cantaremos só pra ti, Israel allez”. Durante o jogo, as duas claques provocam-se mutuamente com acusações de islamofobia e anti-semitismo e a violência do confronto entre os espectadores aproxima-se daquela que decorre no campo.

sábado, 28 de agosto de 2010

Os meus amigos riem-se de mim

Como se tem visto ultimamente, ninguém bate em ironia os deuses do futebol.

É agola, Cascão

Na colectânea de posts Intriga em Família (Quasi, 2007), Eduardo Pitta faz um resumo eficaz das consequências mais duradouras da Revolução dos Cravos:


“ (…) Foi o 25 de Abril que fez ruir o Estado Novo, abriu Portugal ao mundo, extinguiu a polícia política e a censura, pôs termo à guerra colonial, propiciou a independência das colónias, fixou direitos, liberdades e garantias, transformou servos da gleba em cidadãos, permitiu a legalização de partidos, fundou um Parlamento democrático, rasgou a Constituição de 1933, assegurou eleições livres, alfabetizou, propendeu a equiparar os direitos das mulheres aos dos homens, universalizou o divórcio, disse não à unicidade sindical, acolheu e integrou meio milhão de retornados, e relativizou o papel da Igreja. O principal terá sido isto. Conquistas, de facto. (…)” (p. 158)

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

E as estrelas à noitinha nunca dormem ao relento

José Ruy (1930-), natural da Amadora, é um dos nomes maiores da história da banda desenhada em Portugal, com uma obra vasta. As suas adaptações de obras literárias, como Os Lusíadas, Peregrinação e vários autos de Gil Vicente, são importantes numa primeira abordagem aos autores quinhentistas (li a brilhante adaptação para BD da epopeia antes de passar ao texto de Camões propriamente dito). Apoiando-se numa documentação alargada que permite reconstituições históricas cuidadas, Ruy retratou os Descobrimentos na série Bomvento, com oito álbuns (as personagens principais são apresentadas em Homens sem Alma), sem deixar de avançar para o período contemporâneo, onde se debruçou sobre a implantação da República, Alves dos Reis, o 25 de Abril, as vidas de Aristides de Sousa Mendes e Humberto Delgado, etc.


Na minha opinião, fraqueja por vezes quando delineia argumentos originais, criando personagens sem carisma que atravessam décadas de história praticamente inalteradas. Os rostos das figuras humanas desenhadas por Ruy são pouco expressivos e as personagens parecem calmas mesmo quando estão furiosas. Apesar destes problemas e de um traço que talvez pareça ingénuo actualmente, José Ruy é um autor prolífico que como nenhum outro expressou em papel a História portuguesa.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O que os malhados merecem é as caras esfoladas

O inquérito realizado em Março de 1964 pela Juventude Universitária Católica junto dos alunos do ensino superior português, então concentrado em Lisboa, Coimbra e Porto, inclui as questões mais variadas, que constituem por si só um inventário das preocupações da época. Os resultados da sondagem (publicados em livro em 1967) incluem respostas sobre o consumo de produtos culturais. No caso dos jornais desportivos (pp. 253-254), 75,7% dos inquiridos declararam não os ler, com a percentagem a subir para 93,9% entre as mulheres (apenas 64,4 entre estudantes do sexo masculino). Os restantes discentes universitários, que compram uma ou mais publicações de temática desportiva, referem ler os jornais A Bola (18,7% do total dos inquiridos), Mundo Desportivo (10%), Record (4,3), Sporting (0,8), O Benfica (0,7), O Norte Desportivo (0,5), Motor (0,1) e o francês L’Équipe (0,1). No caso dos alunos da Universidade do Porto, O Norte Desportivo sobe para 18,9% (mais que A Bola, com 18,3), costumando ser adquirido pelos estudantes juntamente com um ou dois periódicos de Lisboa. O inquérito não detecta nenhum leitor de O Benfica na academia portuense, embora sejam muito poucos os alunos que afirmam ler o órgão do FCP, O Porto.

Cantaremos só pra ti

Sinónimos depreciativos de “homossexual”:

Fanchono, maricas, puto, paneleiro, roto, cheirador, veado, panasca, mariconço, “tutti-frutti”, chibungo, efeminado, invertido, papa-cus, rabeta, menina, enrabador, bicha, larilas, chupista, sodomita, brochista.

Alguém conhece mais? É de assinalar a escassez de vocábulos relacionados com a homossexualidade feminina (“fufa”), como se esta fosse menos visível ou imaginável.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Primeiro é estudar, só depois brincar

O Diário, 10 de Janeiro de 1977


“ (…) Sérgio Godinho: eis outro nome que, neste momento, “mete respeito” a quem tenha a veleidade de fazer cantigas em Portugal. Diz-se, dele, que é “o maior”. E, aqui para nós, é capaz de ser verdade. 1976 foi, mais uma vez, prova dessa suspeita que temos. “De Pequenino se Torce o Destino” pode, mesmo, ser que seja o melhor disco do ano, se é que há um “melhor”… (…) “Pois Canté!”, LP colectivo do Grupo de Acção Cultural, um trabalho de fôlego, com uma ou outra cantiga inaceitável pelo meio. (…)” (p. 29)

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Juras de foder não são para crer

Em 2003, na final da Taça UEFA em Sevilha, os golos de Larsson, um descendente de cabo-verdianos ao serviço do Celtic de Glasgow que por duas vezes anulou a vantagem do FC Porto, deixaram-me muito nervoso. Com a chegada do prolongamento, atingi o limite e deixei a minha irmã mudar de canal, passando a ver na SIC Mulher o The Geena Davis Show (uma sitcom sem piada). De vez em quando, pedia para verificar o resultado da partida de futebol. A certa altura, a transição para a RTP1 produz a imagem dos jogadores portistas deitados na relva, celebrando o golo de Derlei aos 114 minutos. Escusado será dizer que lhes gritei para se levantarem imediatamente, pois o jogo ainda não tinha terminado.


A final da Liga dos Campeões de 2004, em Gelsenkirchen, foi bem mais tranquila. Até aproveitei parte do segundo tempo para desligar a televisão e preparar a conferência (a minha primeira comunicação) que ia fazer no dia seguinte num colóquio na faculdade.

domingo, 22 de agosto de 2010

E o menino lindo não nasceu para fazer mal

Jornal Português de Economia & Finanças, 16 a 31 de Agosto de 1974



“Morte aos “Pides”. Porquê? Em primeiro lugar os “Pides” eram meros executantes de uma política e, deste modo, é mais curial castigar os mentores dessa política do que os seus obscuros executores. Em segundo lugar, entre todos os “Pides” apenas um número dígito terá, no exercício das suas funções, manifestado aquela crueldade e insensibilidade que caracterizou a “Guepeú” russa e a “Gestapo” alemã, e hoje caracteriza a “KGB” russa em que assenta o regime de um país cuja bandeira é o prato de resistência ornamental dos comícios de um dos partidos governamentais.” (p. 58)

Bebedor do sangue português

O jornalista comunista francês Jacques Frémontier esteve em Portugal durante o PREC, vindo a expor as suas observações e análises no livro Portugal, Os Pontos nos ii (Moraes, 1976), traduzido do francês por José Saramago. No capítulo sobre a imprensa portuguesa, Frémontier refere-se aos saneamentos de jornalistas ocorridos no Diário de Notícias em Agosto de 1975. É então que se estabelece no papel um curioso diálogo entre autor e tradutor:


“ (…) A 27 de Agosto, uma assembleia plenária do pessoal (do DN) decide uma depuração maciça dos jornalistas: vinte e dois dos trinta signatários de um documento que condenava a orientação política do jornal são demitidos sem indemnização.


(Nota do tradutor: “Não por terem “condenado a orientação política do jornal”, mas por terem sido considerados “responsáveis no empolamento exterior de um caso que (dizia) respeito a todos os trabalhadores (da) empresa”. O leitor interessado fará bem em consultar o “DN” de 19 e 28 de Agosto de 1975, dias em que, se vem a propósito, se tiraram, respectivamente, 112 200 e 100 700 exemplares…”)


Inquieto-me junto de José Saramago, director-adjunto do jornal e comunista (…). Saramago trata-me gentilmente de “idealista”: “Tu não compreendes”, diz-me, “que estamos em plena luta de classes. É uma batalha de vida ou de morte entre eles e nós…”

Seja… Mas então há que ganhar a batalha. Saramago e os seus amigos perderam-na. Aqueles que invocam constantemente o ensinamento de Lenine, fariam bem em lembrar-se do princípio fundamental duma estratégia leninista: apreciar correctamente a relação das forças…


(Nota do tradutor: “Perdeu-se uma batalha, meu caro Jacques, não se perdeu a guerra…”)” (pp. 135-136)

sábado, 21 de agosto de 2010

O caracol é um bicho

Encontrei a referência ao domicílio de Pedro Passos Coelho em Odivelas na reportagem sobre o quotidiano do político publicada na Notícias Sábado. No entanto, não existe consenso a respeito do local da residência de PPC. A entrada sobre o presidente do PSD na Wikipedia em português situa-a na Amadora, enquanto o artigo homónimo na Wikipedia inglesa fala de Massamá (como foi mencionado por Mendes Bota no comício do Pontal).

Basta uma ervilha de cheiro e volta tudo ao normal

De pouco vale acompanhar a peça de teatro da política nacional. A imprensa já começou a preparar-nos para a chegada do sexy e bem vestido Pedro Passos Coelho ao gabinete de S. Bento. Pelo menos quando PPC tiver protecção policial saber-se-á em que rua de Odivelas mora.

E vai ao fundo sim senhor

Um assunto que ainda não esclareci completamente é a alegada responsabilidade do locutor e jornalista Fernando Correia (do programa radiofónico Bancada Central) na prisão de Artur Agostinho, em 28 de Setembro de 1974. Segundo os livros de Agostinho Até na Prisão Fui Roubado e Português sem Portugal, Correia denunciou ao COPCON a (imaginária) existência de armas destinadas ao “golpe fascista” em preparação na posse do director do Record, provocando a detenção deste em Caxias. A carta presumivelmente em sua defesa enviada em 1976 pelo “progressista” Correia ao semanário Sporting, que o atacara aproveitando as acusações de Agostinho, não chegou a ser publicada pelo jornal leonino, com o argumento de que o director João Xara-Brasil, a quem era destinada, se encontrava em viagem. Que se passou exactamente em 1974? Terá Fernando Correia obtido a absolvição junto de Artur Agostinho (o qual Correia refere em entrevistas como o responsável pela sua iniciação no relato de jogos de futebol, ao serviço da Emissora Nacional) ou perdura ainda o ressentimento entre os dois velhos mestres do jornalismo desportivo?

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Estou virando picolé

UEC, 28 de Maio de 1976



“Se alguma vez foste fotógrafo do “Luta Popular” e tens mais daquelas do Rosas a tocar tambor ou clarinete, do “Avental” a chupar vinho por uma palhinha, corre, vem ter connosco: também damos direito a 1.ª página. Vai ser cá um furo! (…)

Segundo fontes do maior crédito e geralmente bem informadas, asseguram-nos que o Barroso (Zanaga de apelido e vista) estaria a passear-se em Londres, pelo Buckingham Palace, por merecidas férias de tão exaustivo trabalho no Conselho de Gestão da Faculdade de Direito.

Ora tomem, qu’ é p’ra saberem qu’a Escola Democrática e Popular não convence, mas compensa!” (pp. 6-7)

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Uma porta, uma janela e um rosto bonito à sua espera

Cem anos depois do início da I República, em que regime vivemos? Após a implantação da República, sucederam-se três sistemas políticos contidos em períodos cronológicos distintos (1910-1926, 1926-1974, 1974-?). A designação do actual regime não é, no entanto, consensual: II ou III República? Em 1976, Ramalho Eanes referiu-se à República a que presidia como a segunda. Entrevistado por Ricardo Araújo Pereira no ano passado, Mário Soares corrigiu aquele ao frisar que o sistema actual é a II República portuguesa, uma vez que a ditadura de 1926-1974 “não é monarquia nem república”. O 25 de Abril seria o fim de uma longa interrupção reaccionária do caminho democrático iniciado em 1910.


O facto é que, embora na prática Salazar reinasse como soberano absoluto (mais poderoso que qualquer dos governantes anteriores de Portugal), o Estado Novo nunca abandonou a forma republicana de governo, para desgosto dos seus apoiantes monárquicos. “Eleitos” pela população com direito a voto ou por um colégio eleitoral, os presidentes da República sucederam-se a partir de 1926, fazendo, tal como a Assembleia Nacional, parte das cedências da ditadura aos republicanos conservadores que também integravam a sua base de apoio. Nesse sentido, a designação “III República” para o sistema presente será a mais adequada. O nome do regime acaba, no entanto, por não ser o mais importante. Cautelosamente, a FCSH-UNL refere-se nos seus programas ao período posterior a 1974 como “Democracia”.


Há três dias, José Miguel Sardica afirmou no Público que monarquia constitucional, I República e Estado Novo tinham chegado ao fim não tanto por causa dos ataques dos seus adversários mas sobretudo devido à estagnação política e incapacidade de auto-regeneração em que caíram. Será que o actual regime está fadado a seguir o mesmo caminho?

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Ah se não ser é submissão ser é revolta

O romance histórico O Império dos Pardais (1.ª edição, 2008), de João Paulo Oliveira e Costa, reflecte muito da personalidade do autor, com destaque para as suas opiniões acerca da história da Expansão e do reinado de D. Manuel I. O lado subjectivo da obra (cuja acção se concentra no início do século XVI) vai, no entanto, mais longe. Algures entre as centenas de páginas do livro, encontramos um papagaio chamado Eusébio que, não importa explicar porquê, sabe dizer “Viva Benfica” e “Mata o dragão”.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O saneamento dos fascistas é uma luta justa

O livro de Luís Miguel Pereira Bíblia do Benfica (7.ª edição, Novembro de 2009) possui alguns lapsos na evocação de épocas passadas. Assim, quando ocorreu a inauguração do terceiro anel do Estádio da Luz, a 20 de Setembro de 1985 (p. 28), Mário Soares não era ainda Presidente da República. Só o seria depois de triunfar na segunda volta das eleições para o cargo, a 16 de Fevereiro de 1986. A escassa vantagem obtida por Soares sobre Freitas do Amaral levou a que se dissesse que o socialista tinha vencido por “um Estádio da Luz cheio”. Mais à frente, a expressão, a propósito da eleição de António Simões para o Parlamento, “em 1976, na Primeira República, sob a presidência do General Ramalho Eanes e a gestão de um governo provisório socialista” (p. 219) regista duas incorrecções (Terceira República, I Governo Constitucional). Outras falhas devem-se apenas a distracção, como a afirmação de que “Na história do Campeonato Nacional da Primeira Divisão apenas uma equipa, numa única época, ficou invicta. Foi o Benfica em 1972/73” (p. 66), quando, noutro ponto, a obra refere correctamente que o SLB repetiu o feito em 1977/78.

Se houvesse uma semente que eu pudesse semear

O segundo álbum do GAC (Grupo de Acção Cultural), Pois Canté! (1976), apresenta uma qualidade musical bem superior à de A Cantiga É uma Arma, enriquecendo a recolha da música popular portuguesa. Para além do destacado contributo de José Mário Branco, autor das melhores temas (“Pois canté!”, “Coro dos trabalhadores emigrados”), verifica-se uma refinação das letras que afasta algumas frases feitas marxistas-leninistas. Tal não impede que as canções adoptem sempre a perspectiva dos trabalhadores explorados pela burguesia, num quadro de desconfiança para com a democracia parlamentar então em consolidação. Independentemente da ideologia dos membros do GAC, as situações sociais abordadas no disco contribuem para explicar a dificuldade dos portugueses em acreditar que os baixos salários se devem apenas à escassa produtividade da economia.

sábado, 14 de agosto de 2010

Eu só saio com você se for pra ser o ricardão


Diário de Lisboa, 2 de Outubro de 1976


Crítica de Jorge Leitão Ramos ao filme Um Dia de Cão, de Sidney Lumet (p. 14)


“ (…) Não é por colar dois planos perfeitamente, ou por dirigir bem actores, ou por saber os truques do ritmo magnético e sonoro, que Lumet se revela como um dos mais exemplares cineastas liberais americanos. Mas exactamente porque faz passar o seu ponto de vista ideológico de forma quase deslizante, sem recorrer a personagens-tipo ou a chavões. É a própria desenvoltura da acção, a própria alternância comédia-drama, o próprio delinear dos personagens que já contém em si, e de forma acabada, a ideologia liberal. Ou seja, este filme (este cinema) nunca está puramente a constatar, está a cada momento a opinar (isto passa-se aliás em todo o cinema, mas aqui atinge um expoente de perfeição). (…)”

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O meu rosto de guerreira e de mulher

Depois do fracasso de Disaster Movie, temi que todos em Hollywood percebessem que dar dinheiro a Aaron Seltzer e Jason Friedberg para fazer filmes é um grave erro. No entanto, não há motivo para preocupações. Os discípulos de Ed Wood no género da comédia “cinéfila” preparam-se para estrear Vampires Suck, uma paródia à saga Twilight. O título português da fita que chegará cá ainda este mês é, obviamente, Ponha Aqui o Seu Dentinho.

Passaram para o Oriente Eterno


O Século, 9 de Maio de 1975


José Raimundo, “A libertação dos escravos” (p. 5)


“A situação dos jogadores do nosso futebol profissional não é de espantar. Os “donos” dos jogadores eram, também, donos de operários, de trabalhadores a quem quotidianamente exploravam e a quem não admitiam a menor acção reivindicativa para aumento de salário. A PIDE e as forças repressivas lá estavam sempre “à coca”. Quem eram os grandes mecenas dos clubes? Adolfo e Jorge Vieira de Brito, no Benfica; Cazal-Ribeiro, Brás Medeiros, José Matias, no Sporting; Bulhosa, no Belenenses; Pinto de Magalhães, no FC Porto; Xavier de Lima, no Vitória de Setúbal.

Fundamental objectivo: desviar as grandes massas para o culto religioso do futebol. De segunda a quinta, discutir o jogo do domingo anterior; de quinta a sábado, o jogo seguinte. Entretanto, fazia-se o Totobola.

Tínhamos e temos milhares de desportistas de bancada. Que, na sua grande maioria, nunca praticaram desporto. Por falta de tempos livres, porque, explorados pelos patrões até à medula, tinham de fazer horas extraordinárias. Pequenos estádios polivalentes nos bairros e nas vilas? Não. Enormes estádios para os trabalhadores estafados verem o grande espectáculo que o companheiro de classe do patrão lhes oferecia através de outros escravos: os jogadores de futebol. E, entre escravos e escravos, trocavam-se apupos, e o jogador que falhava o golo era vaiado. Porque, para quem nunca praticou desporto, é difícil admitir a falha. Nos campos de futebol descarregava-se a má disposição da vida difícil.

Com o futebol, a adesão maciça das massas a uma alienação incentivada pela burguesia exploradora. Com o Totobola, a outra alienação. À semelhança do burguês que nada produz, a saída do “treze” que abre o caminho para ter dinheiro e nada fazer. Ou ter dinheiro para passar de explorado a explorador.

Hoje, a consciência profissional do jogador de futebol desperta e afirma-se. E, com ela, desperta também a consciência das massas que gostam de assistir ao espectáculo do futebol.

O futebolista consciente quer ser um artista na arte de jogar bem. É justo que seja ele o dono da arte que cultiva.”

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Aramis, és uma mulher

Há quase dez anos que a TVI forma uma geração de jovens actores na conhecida “escola Morangos com Açúcar”, inspirada no modelo da Academia Sporting Puma. A série juvenil é o espaço onde os candidatos a estrelas da televisão, vindos dos escalões iniciais da formação (agências de modelos), desenvolvem as suas capacidades e ganham exposição pública. Os melhores (ou antes, os mais bonitos) conhecem em pouco tempo a ascensão à equipa sénior de Queluz (as novelas da noite), de modo a promover a renovação dos elementos que constroem jogo para o reduzido grupo das estrelas do clube (os actores a sério). Progressivamente, as jovens esperanças asseguram lugares nos corações dos adeptos, nas páginas das revistas de televisão e nos artigos da Wikipedia. A produtiva cantera de Queluz celebrizou-se internacionalmente por ter criado uma verdadeira craque com sucesso no estrangeiro (Daniela Ruah), que serve de exemplo para os aspirantes a vedetas dos plantéis orientados por técnicos como Rui Vilhena e Tozé Martinho. No entanto, a produção da escola destina-se sobretudo a consumo interno, devido a níveis de qualidade geralmente modestos. Mesmo assim, a TVI conta com a vantagem de, ao contrário do que acontece com o Sporting, a concorrência não ser grande coisa.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Proteges os tomates, é o que tu proteges

São relativamente claras as bases teóricas e práticas da Direcção-Geral dos Desportos de Alfredo Melo de Carvalho (1974-1976) e dos seus esforços “missionários” na criação de um desporto massificado ao serviço da Revolução. Falta-me conhecer as rupturas (ou continuidades) trazidas pela política do I Governo Constitucional, com Rodolfo Begonha como director-geral dos Desportos.

domingo, 8 de agosto de 2010

Entalado no cu deve ser fodido


Notícias de Loures, 15 de Maio de 1974, p. 10.


“O Futebol e o seu subdesenvolvimento


Domingo a domingo lá vamos assistindo por esses campos de futebol do país a invasões de campo, aos desgostos estúpidos que sofremos quando a equipa da nossa simpatia perde, a zangas entre clubes e a muitos outros aspectos negativos.

Multidões gritantes, gesticulantes enchem os estádios servindo-se do futebol como escape do quotidiano adverso.

De olhos nos rectângulos de jogo, o indivíduo irmanado às massas que o acompanham liberta-se da sua violência contra a sociedade exploradora, regressando a casa mais leve, mas ainda mais frustrado.

A sua participação na vida da sociedade que o condiciona é perfeitamente apolítica.

Sendo o futebol um dos mais seguros refúgios do reflexo patriótico dado pelas instituições capitalistas e sobretudo do nacionalismo fácil, dá-se uma expansão das empresas desportivas e a alienação dos estádios – catedrais-sagradas dos encontros das almas frustradas (espectadores) com as almas glorificadas (as dos atletas vencedores).

O subdesenvolvimento dá-se muito bem com o futebol. Verifica-se que nos países pouco desenvolvidos o futebol floresce muito melhor do que as ciências, as artes e as letras.

Sabido que é do interesse sempre demonstrado pelas elites no poder em manipular as actividades populares por caminhos que afastem as pessoas do conhecimento, da verdadeira cultura.

Efectivamente, o povo não sabe ocupar as suas horas de ócio. Assim, não lê, não vai aos museus nem a recitais, nem discute os problemas que o afectam.

Então joga e vai à bola. E com tal paixão o faz que vem a ser especialista nesse jogo.

Este é o caso do futebol brasileiro ou o seu segredo.

Esta foi segundo as linhas gerais a resposta dada por um jornalista brasileiro à pergunta, como poderia ele explicar a força do seu país no caso do futebol ao nível mundial.

O caso brasileiro não é único, e paralelamente com o Brasil temos os outros países da América do Sul e os países latinos, com excepção da França.

Generalizando, em todos os países economicamente fracos, sem infra-estruturas de educação e de assistência social, o futebol é uma das suas fugas, dele se fazendo um caso de prestígio nacional.”

Vomite tudo o que sabe!

Actores com presença não creditada na segunda série de "Herman Enciclopédia": Pedro Lima, Luís Esparteiro, David Almeida, Paulo Matos.

sábado, 7 de agosto de 2010

Elas são as maduras, eu sou a querida

O Centro de História do Futebol e do Desporto (CHFD) é uma associação fundada em Setembro de 2008 com sede em Lisboa que tem por objectivo o estudo historiográfico do fenómeno desportivo, especialmente do futebol, visando combater a escassez de abordagens deste pela investigação académica portuguesa. Dirigido pelo historiador Ricardo Serrado, o CHFD, aberto a parcerias com entidades públicas ou privadas, tem reunido uma vasta biblioteca de temática desportiva, incluindo periódicos especializados. As duas primeiras obras produzidas pelo CHFD foram História do Futebol Português, Uma análise social e cultural, em dois volumes (Prime Books, 2010), e uma biografia de Cosme Damião (no prelo).

Esse teu seio é um braseiro

Nâo tinha pensado em como o posicionamento político pode ser influenciado por uma postura "filosófica" de querer fazer "uma outra terra no mesmo lugar" (Sérgio Godinho) ou aceitar as coisas tal como são. Pela minha parte, cada vez acredito menos na possibilidade de torcer o destino. No entanto...

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Good to be ugly after all

Desconheço os fundamentos para que Luís Miguel Pereira tenha incluído José Saramago na lista de celebridades que “nunca esconderam” o seu afecto pelo SLB (Bíblia do Benfica, 2009). Sei de apenas duas situações em que o autor de Todos os Nomes foi associado ao futebol. Numa entrevista concedida em 1998 a Afonso de Melo (que este refere em A Lenda de Jorge Bum!, 2003), Saramago confessa o seu desconhecimento do mundo do futebol, que o impediria de abordar o desporto-rei nos seus romances. Por outro lado, na crónica “Que voltem os gregos!” (publicada em Folhas Políticas, 1976-1998, 1999), o futuro Prémio Nobel, após ter assistido pela televisão ao Mundial de 1986, afirma-se saturado de “grandes penalidades, lançamentos laterais, dribles, pontapés de canto e mãos de Deus antigas e modernas”, tendo compreendido que o futebol “é um sucedâneo da guerra”. Não me recordo se entre os acontecimentos de 1936 enumerados em O Ano da Morte de Ricardo Reis está a vitória do Benfica na I Liga.

Pergunta à central de informações o que quer dizer US of A

Vera Lagoa achava que Mário Castrim só tinha casado com Alice Vieira ("a Alicinha"), 22 anos mais nova que o crítico do Diário de Lisboa, por causa da herança que a futura escritora iria receber de um tio (Revolucionários que Eu Conheci, 1977).

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

É bem verdade que o Benfica tem valor

Desaparecido em Combate 3 (1988), realizado por Aaron Norris (irmão de Chuck), é o meu mau filme preferido. Um autêntico clássico da comédia involuntária, com pretensões dramáticas (James Braddock encontra no Vietname o filho que não sabia existir, sendo capturado e torturado) de resultados desastrosos. O DVD pode ser encontrado em promoções de hipermercados.