Encontrar algo útil no meio da tralha é parte essencial do trabalho de um historiador.

sábado, 31 de dezembro de 2011

O futuro do futebol é feminino

Num contexto de descida do número de bilhetes vendidos nos cinemas (embora não necessariamente das receitas de bilheteira, devido à expansão do 3D), os filmes dos realizadores portugueses não conseguem lutar contra a tendência. Em 2011, o conjunto das longas-metragens estreadas de origem nacional obteve menos de 70 mil espectadores nas salas de projecção, o valor mais baixo desde 2004 (quando começaram a existir estatísticas oficiais). De facto, faltou no ano agora concluído um sucesso comercial luso ao nível de Filme da Treta, Amália ou mesmo Contraluz. A obra de João Canijo que conquistou a crítica, Sangue do Meu Sangue, foi a película portuguesa mais vista, com cerca de 20 mil entradas vendidas.

Neste artigo, Jorge Pereira analisa a questão, mostrando a irrelevância comercial do nosso cinema (o caso dos filmes de Manoel de Oliveira roça o ridículo) e indo além da queixa frequente de que os realizadores portugueses não fazem obras a pensar no público para admitir que, na verdade, o público português também é um bocado estúpido, além de preconceituoso no que respeita aos produtos cinematográficos nacionais. Trata-se de uma constatação corajosa e credível, mas é preciso ter em conta o problema da distribuição das longas-metragens lusas, para lá do circuito dos festivais. Só as fitas mais “comerciais” (de preferência com Soraia Chaves no elenco), independentemente da sua qualidade, conseguem penetrar nos multiplexes que contribuem para padronizar o consumo de cinema pelos portugueses. A publicidade e divulgação mediática das produções nacionais também deixam geralmente muito a desejar (poucos terão reparado que filmes como O Barão, América ou Quinze Pontos na Alma estrearam). Trata-se de um conjunto de factores que reduzem a viabilidade comercial do cinema português.

Feliz Ano Novo!

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A corrida controlada é saúde prolongada

Referindo-se em Um Político Assume-se (Círculo de Leitores/Temas e Debates, 2011) a um período de prisão sofrido em 1949, Mário Soares escreve: “Numa fria madrugada fui interrogado na sede da PIDE por um tal Farinha Santos, meu antigo colega na Faculdade de Letras, que era então agente qualificado da polícia política. Brincando com uma pistola enquanto me interrogava, disse-me: “Se disparar e o matar, nada me acontecerá. Todos dirão que disparei em legítima defesa.” (…)” (p. 54). O “pide” a que Soares se refere era Manuel Luís de Macedo Farinha dos Santos (1923-2001), inscrito em 1942 na licenciatura de Ciências Histórico-Filosóficas da FLUL, que deixaria incompleta para só a terminar em 1958. A carreira de Farinha dos Santos na PIDE, onde atingiu a categoria de subinspector, terá terminado por volta de 1954, quando partiu para a Ásia ao serviço do Ministério do Ultramar. Depois de voltar à vida académica, dedicou-se à arqueologia e iniciou um percurso que o tornou um dos principais nomes da Pré-História portuguesa. Este artigo de João Luís Cardoso em O Arqueólogo Português resume a vida de Farinha dos Santos, professor, autor de Pré-História de Portugal (Verbo, 1972) e responsável pela descoberta e estudo da arte paleolítica da gruta do Escoural. 

No livro A História da PIDE (Círculo de Leitores/Temas e Debates, 2007), Irene Flunser Pimentel refere que, ao serviço da polícia política, Manuel Farinha dos Santos foi suspenso por 60 dias em 1948 por embriaguez e agressões a dois presos (p. 64). No mesmo ano, um informador acusou Farinha dos Santos de se apoderar do dinheiro destinado ao pagamento das informações daquele, acusação a que a PIDE não deu credibilidade (p. 318). Além de Mário Soares, Farinha dos Santos interrogou outro colega da Faculdade de Letras, Carlos de Aboim Inglês (p. 148).

Quando ocorre o 25 de Abril, Manuel Farinha dos Santos é director do Panteão Nacional, cargo que ocupa desde 1968. Os anos passados na PIDE levam-no à prisão e ao afastamento das suas funções. Em 11 de Junho de 1975, o Diário do Governo, II Série, declara Farinha dos Santos “demitido do respectivo cargo, a partir de 11 de Março último”, por despacho do ministro da Educação e Cultura, José Emílio da Silva. A 21 de Junho, a mesma publicação corrige a informação anterior: “por se ter provado que foi subinspector da ex-PIDE/DGS”, Manuel Farinha dos Santos está abrangido pelo artigo 7º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 123/75, de 11 de Março, o que justifica a pena de demissão da função pública, aplicada a todos os ex-funcionários da antiga polícia. De acordo com João Luís Cardoso, viria a ser reintegrado em 1982, “não ressarcido de todos os desgostos sofridos”, prosseguindo em universidades privadas a sua actividade de professor. 

Paralelamente, a anterior pertença aos quadros da PIDE torna Farinha dos Santos arguido, por crime punido pela Lei nº 8/75, de 25 de Julho. No arquivo da Comissão de Extinção da PIDE/DGS (guardado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa), consta uma ordem de libertação provisória em nome do ex-subinspector Manuel Farinha dos Santos, datada de 29 de Abril de 1976 (com a assinatura do então presidente da Comissão, Manuel Ribeiro de Faria), que obriga o arqueólogo, entre outras condições, a apresentar-se de 20 em 20 dias na esquadra da PSP do Matadouro, em Lisboa, e a pagar uma caução de 30 mil escudos. O processo nº 487, relativo a Farinha dos Santos, será remetido em 22 de Maio de 1979 ao 4º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, desconhecendo-se ainda a data do julgamento e a sentença. A pena aplicada pelo TMT não terá, provavelmente, ultrapassado o tempo de prisão preventiva já cumprido por Manuel Farinha dos Santos.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Fiquei com umas beiças que parecia o Guterres

Boletim do CDCR, Setembro de 1973

“Punha tudo em nome da mulher

Guerra Junqueiro, o grande poeta era também coleccionador de arte bem conhecido.
Um dia entrou numa loja de antiguidades e apontando para um quadro perguntou:
— Então esse é que é o “Rembrandt” que você tem para me vender?
— Sim, senhor…
— Mas, está assinado com “Mariana”!
Resposta “chorosa” do comerciante:
— Ah, desculpe, mas é que eu, com medo dos credores, pus tudo em nome da minha mulher…” (p. 28)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Nós queremos saber onde param os violinos de Chopin

Distantes que estão os tempos de sexo, poder e riqueza dos Bórgia (a série de Neil Jordan em exibição no AXN é fascinante), o cargo de Papa é, para os cardeais de Habemus Papam, de Nanni Moretti, uma responsabilidade descomunal que nenhum deles quer assumir. Quando, depois de empates entre os favoritos do conclave, o trono de S. Pedro é relegado no cardeal Melville (Michel Piccoli), este não se sente com qualidades para o pontificado e entra em pânico, recusando apresentar-se aos fiéis. Apesar da originalidade desta premissa e do enorme talento de Piccoli, fica uma certa sensação de que Moretti não foi tão longe como poderia, até porque a personagem que o cineasta interpreta, um psicanalista ateu, pouco contacta com o Papa e dedica-se a animar os cardeais entediados (detesto voleibol). Menos que uma sátira, assiste-se a uma dessacralização do Vaticano (e também da psicanálise e dos media), cujos responsáveis são homens como quaisquer outros, enquanto o novo Papa enfrenta incógnito os seus receios e tenta decidir o que fazer. No final, Moretti finta com classe as expectativas de personagens e espectadores, deixando um sabor de amargura.

O que terá sentido Joseph Ratzinger naquele dia de 2005?

domingo, 18 de dezembro de 2011

A senhora lava a Coina todos os dias?

Em 1954, a revista cultural Cidade Nova, de Coimbra, editou um suplemento ao seu número 4-5 com o título “A Cidade Nova defende a Índia Portuguesa”. O volume constitui uma compilação de textos em resposta às pretensões da União Indiana de integrar no seu território Goa, Damão e Diu, hipótese que o Governo português recusa admitir, tornando previsível a resolução do conflito por via militar, como veio a acontecer há 50 anos. Os autores que colaboram com a Cidade Nova, vários dos quais se assumem como monárquicos, colocam a possibilidade de um confronto militar, mas, longe de o rejeitarem, apontam-no como preferível a qualquer cedência perante o primeiro-ministro indiano Nehru. Afinal, Goa pertence a Portugal e “os povos não são livres de perder pedaços da sua própria carne” (p. 317).

Dois dos participantes no volume são Sophia de Mello Breyner Andresen (autora do poema “Caminho da Índia”) e Francisco de Sousa Tavares. Este último, apesar das suas divergências com o salazarismo, coloca a questão da Índia no plano dos interesses nacionais, que o Governo defende com a sua posição intransigente, merecendo assim um “apoio sincero, entusiástico e de voluntário sacrifício” (p. 332) por parte dos monárquicos portugueses. Posição idêntica é defendida por Luís Filipe Demony (presidente da Câmara Municipal de Loures quando ocorre o 25 de Abril), dirigente da organização “Unidade Tradicionalista”, o qual se serve de versos de Os Lusíadas para apelar a novos feitos gloriosos na “nova e grande aventura da Índia” (p. 339).

Perante a ameaça à integridade nacional, o discurso do suplemento da Cidade Nova é claramente belicista, incluindo o insólito texto “Viva a Guerra”, assinado por “Azinhal Abelho”, no qual se encontram aforismos como “A guerra não é a morte, mas a vitória do homem sobre a morte” ou “A guerra é como o fogo – purifica” (pp. 311-313). A hipótese de uma “defesa simbólica” de Goa que se limitasse a proteger a honra nacional apesar da derrota é atacada por Carlos Amado, para quem a história portuguesa é feita de “uma série ininterrupta de vitórias sobre inimigos mais numerosos e quase sempre de maior poder bélico” (p. 317). Resistir até ao fim seria a única opção, até porque, como lembra Carlos Eduardo de Soveral, a atitude portuguesa em Goa, Damão e Diu mostrará “o que estaremos decididos a fazer se for a nossa soberania atacada noutro ponto” (p. 319). Para o mesmo autor, “Chegou a hora da Consagração, ou do contrário dela, o que Deus não permita.” (p. 320)

sábado, 17 de dezembro de 2011

Venham cá abaixo e tragam os pássaros

Se o que preocupa José do Carmo Francisco no livro de Ricardo Serrado Futebol – A Magia Para Além do Jogo (Zebra, 2011) é a ausência de referências ao Sporting, pode encontrar no primeiro volume de História do Futebol Português (Prime Books, 2010) textos extensos de Serrado sobre os Cinco Violinos e a conquista da Taça das Taças pelo SCP. Quanto aos erros de revisão em Futebol…, de facto existem, mas é bom lembrar que a obra Fernando Mamede, O Recordista (Sete Caminhos, 2004), de Jorge Vicente, cuja revisão foi feita por José do Carmo Francisco, inclui numerosas gralhas.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Se queres ver o teu marido morto, dá-lhe couves em Agosto

Que eu saiba, nunca Mário Soares manifestou especial interesse por futebol ou uma ligação afectiva a determinado clube. Também não há notícia de que o Bochechas tenha praticado qualquer modalidade desportiva nos seus tempos livres, antes de começar, nos anos 80, a andar de bicicleta por conselho médico. No entanto, Soares deslocou-se várias vezes, como primeiro-ministro e Presidente da República, aos estádios, a convite dos dirigentes dos grandes clubes, desejosos de manter boas relações com o Estado. Da mesma forma, teve todo o gosto em condecorar os heróis nacionais Eusébio, Carlos Lopes e Rosa Mota e elogiar outros desportistas de destaque. Foi ainda Soares que tentou convencer Paulo Futre a dar o exemplo e abandonar Madrid para cumprir o serviço militar obrigatório, mas a resistência do futebolista levou o Presidente a obter para o montijense um estatuto especial de atleta de alta competição que livrou Futre da tropa, pelo menos temporariamente.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Viatura conduzida por um profissional

A historiadora Irene Flunser Pimentel disponibiliza aqui a versão portuguesa da polémica comunicação que fez num colóquio em Londres no passado 25 de Novembro. Os antigos “pides” e informadores foram, de facto, na sua maioria processados e julgados, mas condenados geralmente a penas leves já expiadas durante a prisão preventiva. Apesar dos protestos da imprensa de esquerda, as sentenças dos Tribunais Militares Territoriais foram brandas para com os alvos da justiça política na transição para a democracia. Se deveria ter acontecido assim, é uma questão para debate.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Ou nós os esmagamos a eles, ou eles nos esmagam a nós

O número deste mês da revista Os Meus Livros contém pelo menos duas falhas nos textos. Ao contrário do que se afirma na p. 34 (“Nascido na Alemanha Heerman von Kripahl, é (…)”), o parto de Herman José, autor de Rebeubéu, Pardais ao Ninho, decorreu na Maternidade Bensaúde, em Lisboa. Da mesma forma, na recensão de O Caminho dos Presidentes da República (p. 77), o período atribuído ao mandato presidencial de António de Spínola (“30 de Setembro de 1974 a 27 de Junho de 1976”) corresponde na verdade ao seu sucessor Francisco Costa Gomes.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Aquela mesa é tudo porco

A transição, no canal Q, de Show Markl para Uma Macacada Qualquer não pareceu trazer grandes mudanças, uma vez que se manteve a fórmula: Nuno Markl + os outros três gajos (Francisco Martiniano Palma, Jorge Vaz Gomes e João Pedro Barata) + convidados + música. Na verdade, apesar da questionável secção de música pimba, Uma Macacada Qualquer beneficiou de dinâmica própria, em resultado da inserção de Markl no universo da Rádio Calipso, dominado pelas personagens Almeno Menano (Palma), Vilela Henriques (Barata) e Vítor do Penedo (Palma), além do apagado Dário (Gomes). Os problemas de matemática da Arruaça Musical, os diálogos surreais entre Markl e Vítor e os ataques de fúria de Almeno, resultantes na destruição de adereços e na agressão aos seus subordinados, tornaram-se imagens de marca do programa, cujo sucesso levou a que a vertente de talk-show presente em Uma Macacada Qualquer fosse deixada para trás com a adopção de um formato mais curto, a sitcom Rádio Calipso. Depois de um primeiro episódio ainda incerto, a série ganhou o ritmo correcto. Se as histórias dos episódios nem sempre são um prodígio de inteligência, o carisma das personagens e a diversão dos actores com aquilo que fazem garantem que Rádio Calipso, pelo menos por enquanto, funcione às mil maravilhas.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Não há mestres da táctica

A cronologia Salazar: Biografia da Ditadura (Avante, 1999), de Pedro Ramos de Almeida, não constitui exactamente uma obra científica, adoptando uma perspectiva marxista de crítica e denúncia do Estado Novo, mas reúne numerosos elementos sobre a vida e o regime de Salazar. O índice onomástico assinala uma referência ao escritor inglês George Orwell, presente numa das entradas de 1955, quando é publicada a primeira edição portuguesa de 1984:

“Novembro: A revista mensal da LP, Legião em Marcha, também consagra no seu número deste mês o romance 1984, de George Orwell. É mesmo o seu director, João Ameal, que escreve: “ (…) Georges (sic) Orwell escreveu este impressionante 1984, lido por mim há quatro anos (…) e agora vertido na nossa língua por Paulo de Santa-Rita e editado pela Ulisseia. (…) Com impiedosa lógica, traça o minucioso panorama de uma sociedade caída em inumana escravatura, sujeita a um regime opressivo (…). No fundo, a sociedade tal qual a organizaria o comunismo integral se viesse a exercer o seu domínio em todo o continente europeu. (…)” Uma revista da LP que antecipa as críticas e os gostos de várias correntes anticomunistas da actualidade…” (p. 521)

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Tenho a cultura média de um europeu

Uma particularidade da língua portuguesa é a utilização frequente dos artigos a/o antes dos nomes de pessoas, num sinal de informalidade do discurso ou de familiaridade com aqueles a que se alude. Em dadas circunstâncias, pode também indicar um certo desprezo pelos indivíduos em questão, sobretudo quando se fala de políticos ou outras celebridades. De uma forma geral (nos casos de crianças e animais, o seu uso é mais comum), a linguagem escrita evita essa forma de tratamento, nomeadamente em textos científicos ou jornalísticos. Os órgãos noticiosos, na imprensa, na Internet ou noutros meios, não podem referir-se às pessoas que citam como “o” ou “a” Fulano/a. Quando tal acontece, deve-se a lapso (ou não?) de quem escreve ou revê o texto informativo. No entanto, esta situação é bastante comum, como se pode ver nos seguintes exemplos:

“O Governo de Obama pediu ainda ao regime do Assad (…)” www.publico.pt , 28-08-11
“Recordamos que este é o segundo casamento da cineasta (Sofia Coppola), que esteve unida em matrimónio de 1999 a 2003 com o Spike Jonze (…)” www.c7nema.net, 28-08-11
“A ausência de Rui Pedro foi dada pelas 18.30 quando o Manuel Mendonça foi informado que o filho faltou à explicação.” Diário de Notícias, 30-08-11
“Frederico Pombares (…) escreveu stand-up para Marco Horácio e o Bruno Nogueira (…).” Visão, 06-10-11
“O artigo (do Avante!), assinado pelo Jorge Messias (…).” Público, 04-11-11
“A Académica chega ao golo aos 63 minutos, com o Marinho a surgir no momento certo (…)” desporto.sapo.pt, 19-11-11

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O filme está a ficar demasiado pesado

Não se sabe quem tem medo de baladas, mas a “Edição Exclusiva” do novo álbum de José Cid, vendida nas lojas Fnac, inclui dois CD. Os “extras” que acompanham as 14 baladas do primeiro disco encontram-se num CD 2 com nove faixas, entre as quais estão novas versões de O Melhor Tempo da Minha Vida e Mais 1 Dia. A fechar, existe Medley – Canções de sempre, ou seja, 30 minutos (!) durante os quais, apenas com voz e piano, Cid faz ininterruptamente uma retrospectiva da sua obra (ou de parte dela), relembrando os temas A Nu, Romântico Mas Não Trôpego, Glória, Glória, Aleluia, Em Casablanca, Sonhador, Junto à Lareira, Na Cabana Junto à Praia e muitos outros. Concluída com uma pequena surpresa, esta longa faixa delicia qualquer cidéfilo.

domingo, 13 de novembro de 2011

A sigla sinistra da augusta História da Casa Lusitana

O número de Outubro da revista Dragões, editada pelo FC Porto, inclui uma entrevista a Carlos Tê, poeta, compositor e adepto do clube desde os tempos áridos de No Domingo Fui às Antas. A pedido da publicação, Tê elaborou um “top eleven” de letras da sua autoria, na origem de canções de Rui Veloso ou dos Clã, no qual colocou tanto grandes sucessos como temas que passaram relativamente despercebidos nos respectivos álbuns. Para as centenas de portugueses que não lêem a Dragões, fica aqui a lista:

1. A Gente Não Lê
2. País do Gelo
3. Porto Sentido
4. Conceição
5. Regras da Sensatez
6. Problema de Expressão
7. Bairro do Oriente
8. Guardador de Margens
9. Presépio de Lata
10. GTI
11. Recado a Rosana Arquete

Da mesma forma, Carlos Tê definiu um “onze ideal” do FC Porto, composto por Vítor Baía, Paulo Ferreira, Ricardo Carvalho, Jorge Costa, Branco, André, Jaime Pacheco, Pavão, Gomes, Hernâni e Hulk.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Há uma capitulação moral da população

Como único deputado da UDP eleito nas legislativas de 1976, Acácio Barreiros multiplicou-se em intervenções no Parlamento, celebrizando-se pelo bigode (embora mais comum nessa época) e pela violência dos seus discursos. Além de criticar a direita e os primeiros governos constitucionais, Barreiros tinha como alvo privilegiado a bancada do PCP, por si denominado “grupo burguês contra-revolucionário de Cunhal”.

A 30 de Julho de 1976, Barreiros leu na Assembleia da República as conclusões da última reunião plenária do Comité Central do Partido Comunista Português (Reconstruído), organização através da qual os maoístas pretendiam compensar o revisionismo em que o PCP original teria caído. O Diário da Assembleia da República (reproduzido em Intervenções Parlamentares de Acácio Barreiros, Lisboa, Assembleia da República, 2007, pp. 46-52) registou o discurso do deputado da UDP e os comentários feitos por alguns dos seus colegas do PCP. Ouvindo os ataques de Barreiros, Jerónimo de Sousa, Francisco Miguel, Aboim Inglês e Vital Moreira fizeram apartes como “Nunca te vi à frente da luta dos trabalhadores”, “Onde é que passaste a vida?”, “Não tens nada a ver com a classe operária”, “Cala-te, provocador”, “És um agente da burguesia”, “És um aldrabão, pá!”, “O homem está nervoso!” ou “És a vergonha do bacharelato”. Vasco da Gama Fernandes, então presidente da AR, teve de apelar à contenção dos comunistas, pedindo “compreensão e um pouco de silêncio”. Nem sempre Fernandes se mostrava tolerante para com a oratória de Acácio Barreiros, repreendido noutra ocasião pelo presidente da AR por ter chamado “gangster” ao embaixador dos Estados Unidos, Frank Carlucci.

sábado, 5 de novembro de 2011

O pepino sempre em pé

Na editora Sete Caminhos (não tenho notícia de que esta chancela tenha editado algum livro depois de 2009), Fernando Correia coordenou a publicação de várias obras sobre a história do desporto em Portugal e lançou livros da sua autoria, como as biografias de Matateu e Moniz Pereira ou ainda Pontapé na Bola – Histórias do futebol português (2006). Trata-se de um conjunto de pequenos textos sobre episódios e figuras do desporto-rei, pobre a nível de escrita e com erros de revisão (“O “Papa”, como alguns lhe chamam ainda (…) teve a capacidade e a visão futura de relançar a mitologia do dragão, povo que outrora terá habitado a citânia de Briteiros, na região Norte”, p. 125). O aspecto mais interessante da obra é a transcrição de fontes, embora a sua identificação não seja muito precisa, o que se lamenta sobretudo no caso das “memórias” citadas do jogador José Manuel Martins (pp. 71-73).

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Meio louco e depravado em moral

O Acórdão do 2º Tribunal Militar Territorial de Lisboa de 5-4-1982 (publicado em separata da revista Scientia Iuridica, tomo XXXII, nº 184-186, Julho-Dezembro de 1983) expõe a decisão tomada pelos juízes (os generais Fontes Pereira de Melo e Manuel Themudo Barata e o juiz auditor Alfredo Rui Gonçalves Pereira) acerca do caso do general Arnaldo Schulz, ministro do Interior entre 1958 e 1961. A alínea a) do art. 1º da Lei nº 8/75, de 25 de Julho, prevê uma pena entre oito e doze anos de prisão para os “responsáveis directos pelas actividades criminosas” da PIDE/DGS, concretamente os governantes com a tutela da polícia política do regime derrubado pelo 25 de Abril, ou seja, o Presidente do Conselho e o ministro do Interior. Arnaldo Schulz estivera já preso cerca de um ano, entre 15 de Janeiro de 1975 e 9 de Janeiro de 1976. 

O 2º TMT de Lisboa considera, obviamente, provado que Schulz foi ministro do Interior do governo salazarista, mas resolve aplicar o art. 22º do Código de Justiça Militar, segundo o qual “Os serviços militares relevantes em tempo de guerra, bem como os actos de assinalado valor em todo o tempo, como tais qualificados, uns e outros, no Diário da República (…), podem, se praticados depois do crime, ser considerados pelos tribunais militares como dirimente da responsabilidade criminal ou como motivo da reabilitação do condenado” (p. 9). Depois de sair do Governo, Schulz exerceu comando militar no Norte de Angola e ocupou entre 1964 e 1968 os cargos de governador e comandante-chefe da Guiné (nos quais seria substituído pelo general António de Spínola), durante a luta contra a guerrilha do PAIGC, vindo a receber a Ordem Militar da Torre e Espada pelos feitos alcançados. Para os juízes, “dispõe o réu das condições para lhe poder ser aplicada a aludida dirimente”, tendo sido os seus serviços “altamente meritórios para o país” (p. 11). Schulz é, assim, absolvido, numa decisão que seria confirmada pelo Supremo Tribunal Militar em acórdão de 20 de Janeiro de 1983.

Relativamente ao processo, refira-se ainda a defesa efectuada por Arnaldo Schulz, que afirmou não ter desejado o cargo de ministro do Interior, apresentando objecções quando Salazar o convidou para a pasta. Perante a reticência do general, “o Dr. Salazar disse que não estava fazendo um convite para uma festa, mas para uma missão cheia de responsabilidades e de dificuldades e que a um militar não era dado recusá-la” (p. 4). Já ministro, Schulz teria recebido cartas de familiares de presos políticos e influenciado a libertação de oposicionistas como Jaime Cortesão, António Sérgio e Ferreira de Castro (o TMT considerou que estes factos não foram provados nem desmentidos durante o julgamento). A nomeação do tenente-coronel Homero de Oliveira Matos para director da PIDE deveu-se às “qualidades de disciplina e de rigoroso cumprimento da lei e do dever” mostradas pelo oficial, que asseguraria “uma conduta correcta” nas actividades da polícia (p. 5). Pressionado por críticas de sectores do regime, “em especial por personalidades preponderantes da Legião Portuguesa” (p. 4), Schulz abandonaria a seu pedido a função de ministro do Interior.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Não enjeita por vezes o plebeísmo obsceno

Manuel Cerveira Pereira, o admirável filho da puta que é um dos protagonistas do romance de Pepetela A Sul. O Sombreiro (D. Quixote, 2011), encontra-se assinalado na toponímia quer da sua terra natal, Ponte da Barca, quer da cidade angolana que fundou, Benguela. A Praça Manuel Cerveira Pereira, nas Olaias, perpetua o seu nome em Lisboa. 

Seguindo os passos de João Paulo Oliveira e Costa, Pepetela inclui no seu romance histórico uma referência ao Benfica, através “de um escrivão também da nação, Cosme Damião” (p. 309), que desaparece na mesma página. Um pouco antes, encontra-se um aparente erro de revisão: “Os portugueses estão interessados em duas coisas (…). Escravos, marfim e metais (…)”. (p. 292) Quanto à menção profética feita a Águeda, onde “dois grandes homens virão a nascer, honrando a vila e o nome” (p. 9), se um daqueles que Pepetela pretende homenagear é provavelmente Manuel Alegre, seu colega no júri do Prémio Leya, não sei a que outra figura o autor se refere (talvez o futebolista Hernâni).

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Sou uma cereja, não tenho cerveja

Após cinco números publicados, a versão portuguesa da revista Total Film (com um papel importante na eleição de Pedro Passos Coelho, entrevistado do nº 1, para primeiro-ministro) não lançou a edição prevista para 1 de Setembro. Não se conhecem exactamente as causas do desaparecimento do número desse mês, mas a 6 de Outubro o chefe de redacção da Total Film, Nuno Antunes, informou no Facebook que a edição de Outubro (incluindo material que deveria ter sido divulgado em Setembro) se encontrava fechada, faltando a impressão e distribuição da revista. A verdade é que as bancas ainda não colocaram à venda um novo número da Total Film. Poderá já ter desaparecido mais uma revista de cinema portuguesa, mas impera o silêncio por parte dos responsáveis da publicação. No perfil da Total Film, leitores e assinantes fazem comentários de protesto. A eliminação de alguns desses comentários e a demora em explicar a situação anómala têm favorecido a ira do público da revista. Se o fim precoce da Total Film for confirmado, lamenta-se a perda de um periódico cinéfilo de qualidade, atento ao cinema tanto do presente como do passado (recordem-se os “tops” e listas dedicados a vários temas) e que, apesar da concorrência, parecia ter pernas para andar.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Se for um viciado em futebol esta é a sua overdose


O Norte do Distrito, 10 de Abril de 1974

“Se…

Se concebes a Pátria reduzida
À modesta extensão do Continente,
Dentro do qual, sem espaço, a nossa gente
Venha a ser, mortalmente, comprimida;

Se resistes à dor de ver perdida,
Pisada e saqueada, infamemente,
Em batuque infernal e refervente,
A Terra, que nos deu razão à vida;

Se, conduzido por caminhos tortos,
Sentes coragem de cuspir nos Mortos,
Dos que fizeram Portugal Maior;

Serás cubano, russo, indu (sic), chinês,
Terás honras de escravo e de traidor
— Mas não és, nem por sombras, português…” (p. 1)

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Não beijes essa serpente!

A Biblioteca Municipal de Figueiró dos Vinhos tem procedido à recolha e digitalização dos periódicos publicados na vila desde o século XIX. Um dos títulos da imprensa local figueiroense reproduzidos é O Norte do Distrito (1953-1974). O quinzenário intitulava-se “Órgão nacionalista, defensor dos concelhos do Norte do Distrito de Leiria” e pertencia a Ernesto Lacerda e Costa, conservador do Registo Predial e proprietário agrícola. Figura cimeira da elite política de Figueiró (presidindo à Comissão Concelhia da União Nacional), Ernesto de Araújo Lacerda e Costa foi deputado pelo círculo de Leiria à Assembleia Nacional entre 1949 e 1969. O resumo da sua actividade parlamentar pode ser visto aqui e na entrada respectiva do Dicionário Biográfico Parlamentar, 1935-1974, coordenado por Manuel Braga da Cruz e António Costa Pinto. 

O número de 25 de Janeiro de 1974 de O Norte do Distrito dedica a sua primeira página ao falecimento de Ernesto Lacerda, ocorrido dois dias antes. Nascido em Figueiró dos Vinhos a 20 de Fevereiro de 1899, Lacerda era filho de Joaquim de Araújo Lacerda, um importante vulto local, que viria a substituir no cargo de provedor da Santa Casa da Misericórdia figueiroense. “Trazido pela mão segura e experiente de seu pai ao tablado dos dirigentes locais”, Lacerda licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra e ocupou a presidência da Câmara de Figueiró dos Vinhos, além de marcar presença na AN entre a V e a IX Legislaturas. Solteiro e sem filhos, deixou como única herdeira a sua irmã Maria Leonarda, casada com Joaquim Alves Tomaz Morgado, director de O Norte de Distrito e também ele ex-presidente do município e conservador do Registo de Figueiró dos Vinhos.

O obituário dedicado a Ernesto Lacerda relaciona a acção do deputado com “inúmeros e importantes melhoramentos para o concelho”, embora só refira em concreto a sua pressão junto do poder central para que fosse construída a EN 350, entre Figueiró e a ponte da ribeira de Alge. Possuindo relações com “destacados influentes a nível local e regional”, Lacerda não só defendeu os “interesses da colectividade” como apoiou as “pretensões pessoais, justas e legítimas de muitos figueiroenses”, protegendo a ascensão destes “na função pública e nos sectores privados”. A influência de que o deputado dispunha terá criado à sua volta uma rede de fiéis, necessariamente gratos pela protecção recebida. Ernesto Lacerda surge como um exemplo de “cacique” do Estado Novo cujo estudo poderia contribuir para conhecer melhor os poderes locais durante o período da ditadura, pelos menos na região de Leiria. A nível pessoal, testemunhos de conterrâneos (a minha mãe) acusam-no de ser avarento e prepotente, não tendo a sua morte causado especial tristeza entre a população. Entretanto, o jornal que fundou não lhe sobreviveria muito tempo, tendo O Norte do Distrito (acérrimo defensor do Estado Novo e da guerra colonial) publicado o seu último número a 10 de Abril de 1974, vitimado pela mudança súbita da situação política.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Vou já colar-me a ti

Combate, Março de 1990

“O jovem candidato à presidência da JSD, Pedro Passos Coelho (…) diz em entrevista ao “jornal ilustrado” de 16 de Fevereiro: “Não conheço nenhum povo que tenha andado por esse mundo fora como nós e que seja menos racista do que nós somos. Não conheço. A nossa missão civilizadora nunca teve nada a ver com o racismo. Havia exploração de pretos em África? Havia, como há exploração de brancos cá. Não creio que em Angola – a situação que melhor conheci, existisse qualquer racismo.”
O comércio de escravos, os massacres de populações e de culturas, o colonialismo ou mesmo a guerra colonial nada tiveram que ver com o racismo para Passos Coelho. (…)” (p. IV)

sábado, 8 de outubro de 2011

O futebol é popular porque a estupidez também o é

Oito anos depois, Rowan Atkinson regressa à personagem de Johnny English em… O Regresso de Johnny English. O primeiro filme é engraçado (sobretudo o sotaque francês irritante de John Malkovich), mas não parecia nada que merecesse uma sequela. No entanto, eis de novo Atkinson a parodiar James Bond, contando no elenco com uma Bond girl (Rosamund Pike) e um antigo parceiro da série Blackadder (Tim McInnerny). Falta desta vez, porém, um adversário à altura de English. De qualquer maneira, a história e as piadas previsíveis são só uma desculpa para Atkinson desempenhar a comédia física que faz tão bem e, como é isso que o público quer ver, todos ficam contentes. O entretenimento leve e inofensivo a nível aceitável, portanto. Restam, porém, dúvidas sobre como English viaja para Hong Kong e se encontra com um contacto no casino Lisboa, em Macau. Ainda a nível lusófono, o facto do novo presidente de Moçambique fazer o seu discurso de posse em inglês mostra que a presença da língua portuguesa na África Austral é cada vez menor.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Quem me dera ser eu dentro daquele caixão

O volume 15 da Lexicoteca – Moderna Enciclopédia Universal (Círculo de Leitores, 1987) inclui uma entrada sobre a banda Pink Floyd (p. 32):

“Grupo musical britânico formado por Roger Waters, Syd Barrett, Nick Mason, Rick Wright e, posteriormente, David Gilmour. Foram os máximos expoentes de um som muito elaborado, conhecido como rock sinfónico. Atingiram o seu apogeu em princípios dos anos 60 (sic), como êxitos como “The dark side of the Moon”, “Wish you were here” e “The wall”.”

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Batalhas que se travam de joelhos têm assegurada a vitória

O caso da ocultação da dívida elevou ao cúmulo a irritação dos portugueses cuja aversão ao presidente do Governo Regional da Madeira tem sido alimentada durante anos e anos por sucessivos incidentes e declarações de Alberto João Jardim. O carácter típico desse produto nacional sem paralelo em nenhum país já não chega para travar a ira da maioria da população lusa contra Jardim, quando estão prestes a realizar-se eleições para a Assembleia Legislativa da Madeira. A imprensa continental expõe o sistema vicioso e a corrupção moral do jardinismo, “uma rede baseada nas obras públicas, subsídios, propaganda e a bênção da Igreja” (Público, 2 de Outubro). No DN de hoje, Fernanda Câncio assinala os erros e contradições dos madeirenses apoiantes de Jardim (se deveria fazê-lo numa reportagem, é discutível).

Na verdade, o “regime” madeirense parece ser idílico para quem o integra. Liderado por um chefe eterno e invencível, o sistema beneficia uma elite restrita (que troca favores entre si) e atribui umas migalhas a quem não o contesta, enquanto quem se lhe opõe sofre as consequências. Relativamente à impunidade de Alberto João Jardim e ao seu discurso desbragado, é sabido que o líder (ou dono) da Madeira possui um documento (passado por quem?) que lhe atribui o raro privilégio de poder dizer e fazer tudo o que lhe apeteça. O que para qualquer outro político representaria o fim da sua carreira transforma-se em motivo de orgulho na boca de Alberto João. Tudo isto seria dificilmente imaginável numa democracia, mas constitui um exemplo de poder em estado puro, exercido de forma descarada, sem necessitar de qualquer justificação ideológica a não ser a “luta” fictícia contra Lisboa. O único limite ao poder jardinista reside na obrigatoriedade de se legitimar através de eleições, até agora vencidas pelo PSD/M sem qualquer dificuldade. Resta saber se Vasco Graça Moura tem razão e a Madeira é o Jardim, ou o tempo da eternidade acabará.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Doleni dolori rehenist, si dio

É muito bom saber que um texto escrito por nós é lido e citado. A historiadora Maria de Fátima Bonifácio ganhou os 1500 euros do Prémio Máxima Ensaio pelo seu livro A Monarquia Constitucional, 1807-1910 (Texto, 2010). Nas notícias publicadas sobre o facto, a apresentação da galardoada é feita recorrendo textualmente a várias frases que escrevi ao criar o verbete da Wikipedia sobre Maria Fátima Bonifácio. O sucesso da prof. Bonifácio acabou por me beneficiar também, ainda que em muito menor escala.

sábado, 17 de setembro de 2011

O infantário Trenó da Carochinha

No romance de Carlos Vale Ferraz Os Lobos Não Usam Coleira (Bertrand, 1991), que inspirou o filme Os Imortais, de António-Pedro Vasconcelos (trata-se de uma boa adaptação, com originalidade e vida própria mas mantendo o “espírito” do texto literário), o subinspector Joaquim Malarranha “meteu o Volkswagen a caminho de Odivelas (…) mas ao aproximar-se encontrou um labirinto tão intrincado como o da zona de vivendas do Estoril. O caos urbanístico era um mal comum a todas as classes sociais (…). Só os bombeiros locais o ajudaram a orientar-se no bairro suburbano, onde ninguém se lembrara de tratar dos arruamentos pelos quais o carocha se arrastava a gemer da suspensão.” (p. 168) Antes de chegar ao destino, o polícia passaria pelas ruas (fictícias) Projectada J e Travessa dos Navegantes.

Esta referência pouco elogiosa a Odivelas é rara no panorama da ficção portuguesa, pelo menos daquela que conheço. António Lobo Antunes coloca personagens suas em Odivelas nos romances A Ordem Natural das Coisas (curiosamente referindo também a Rua dos Bombeiros Voluntários) e O Manual dos Inquisidores, onde faz um divertido relance da vida suburbana. Para além destes casos, não recordo a presença da cidade da marmelada em nenhuma obra de ficção (alguém conhece mais referências a Odivelas?). Trata-se de um óbvio desperdício, já que há muito material por explorar da Arroja à Codivel.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Odivelas tem a solução para os dejectos do seu cão

O artigo que o director do i, António Ribeiro Ferreira (n. 1950), publicou anteontem no seu jornal acabou por ser uma boa forma de recordar o 11 de Setembro e os efeitos que teve a nível cultural e ideológico. O editorial de Ribeiro Ferreira pode ser resumido em frases como “o Obama não tem tomates” e “porrada nos mouros, pá”, até porque o nível do discurso do jornalista não é muito superior a isso. Ribeiro Ferreira pode ser (não o conheço bem) uma pessoa geralmente sensata e ponderada, mas quando aborda a política internacional torna-se um “gajo de Alfama”.

Cabe aqui recordar que não é a primeira vez que o actual director do i se indigna com a suposta moleza ocidental em relação ao combate ao terrorismo e à defesa de Israel. Aquando do 11 de Setembro e de acontecimentos posteriores como a ofensiva israelita na Cisjordânia (2002) e a invasão do Iraque, Ribeiro Ferreira escreveu numerosos editoriais do Diário de Notícias (na altura, eram assinados e a sua autoria rodava). Defensor acérrimo das opções de Ariel Sharon e George W. Bush, o jornalista revelava asco pelos “pacifistas” e pela esquerda em geral, que considerava cúmplice do terrorismo e anti-semita. Qualquer hesitação na via militar contra os muçulmanos (perdão, os terroristas) significava cobardia. No contexto de “guerra” nas colunas de opinião da imprensa e na nascente blogosfera portuguesa que marcou os anos de 2002-2003 (o tema poderia dar um bom estudo académico), muitos autores exprimiram posições semelhantes, mas nenhum se aproximou da linguagem e do puro ódio dos textos de António Ribeiro Ferreira. O editorial de sábado passado revela, pelo menos, que o cronista se mantém coerente. No entanto, o discurso guerreiro do director do i surge cada vez mais isolado.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Aborto só queremos um, o Governo e mais nenhum

O livro editado pela Câmara Municipal de Cascais acerca da exposição Cascais – Aqui Nasceu o Futebol em Portugal (1888-1928) (patente no Centro Cultural de Cascais entre 27 de Maio e 5 de Outubro de 2004) inclui imagens do material exibido e uma cronologia em português e inglês. A versão inglesa do texto, escrita por Linda Pereira, possui a particularidade de terem sido traduzidos os nomes de alguns dos clubes portugueses referidos, enquanto outros mantiveram a sua forma original na transposição para inglês. Surgem, assim, colectividades como “Porto Football Club”, “International Football Club”, “Boavista Futebol Club” (sic), “Grupo Sport Lisboa”, “Portugal Sporting Club”, “Sport Lisboa e Benfica”, “Cascais Dramatic and Sporting Group” (Grupo Dramático e Sportivo de Cascais), ““Os Belenenses” Football Club”, “Casa Pia Atlético Clube” e “Carcavelos Sporting Group” (Grupo Sportivo de Carcavelos).

sábado, 3 de setembro de 2011

A partir desta hora, não morre mais ninguém

Não sei se o escritor Pedro Garcia Rosado leu os álbuns da Kingpin Books, mas, para lá da homonímia dos inspectores Franco e do género (thriller), as séries C.A.O.S. (BD) e Não Matarás (romances) partilham agora a atenção concedida a personagens russas a viver em Portugal. Garcia Rosado também tem o seu russo “de estimação”, que não se chama Boris Ivanov, mas sim Serguei Tchekhov, um ex-agente do KGB mais conhecido pelo nome de guerra de Ulianov. Criado por Garcia Rosado no livro Ulianov e o Diabo, o ex-KGB regressa em Vermelho da Cor do Sangue (Asa, 2011), o novo volume da colecção Não Matarás, brilhantemente escrito e sempre empolgante. Outra semelhança, mais indirecta, com as pranchas escritas por Fernando Dordio Campos reside no facto de Garcia Rosado remeter igualmente a origem da narrativa para um período da história contemporânea portuguesa, neste caso o PREC. O eventual apoio da União Soviética a um golpe comunista no Portugal de 1975 serve de base à acção. Apesar da premissa não ser muito verosímil, em termos literários revela-se interessante como ponto de partida.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Trocou a coroa por um chapéu alto

Hesitei antes de ler A Chama Imensa (Tinta-da-China, 2010) devido ao manifesto acinte com que Ricardo Araújo Pereira (RAP) ofende o FC Porto (no livro, o autor refere-se sempre apenas como “Porto” ao clube “que é designado pelos seus dirigentes e adeptos como Ftócuporto”, p. 191) e o presidente deste. Em rigor, não são ofensas, na medida em que as escutas do processo Apito Dourado são verdadeiras (apesar do seu lado divertido, não foram escritas pelos Gato Fedorento). O papel de RAP é o de recordar em todas as crónicas o “caso da fruta”, como se andasse sempre ao lado de Pinto da Costa e lhe repetisse “cheiras mal da boca”. O uso exímio da ironia pelo humorista permite-lhe picar continuamente (qual mosquito irrequieto) FCP, SCP e, a partir de dada altura, também o SCB, fazendo o humor com que as picadas sejam mais irritantes e profundas. Por outro lado, a subvalorização por RAP de treinadores como Jorge Jesus (antes da contratação do técnico pelo Benfica), Domingos Paciência e André Villas-Boas ou dos jogadores Hulk e Falcao indica que o autor de A Chama Imensa não possui a faculdade de adivinhar o futuro. Afinal, no futebol atrás de tempos vêm tempos.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Não leu a aventura que eu escrevi?

A 3 de Setembro, realizar-se-á em Portimão a partida de atribuição da Supertaça de futsal, disputada por Sporting e Benfica. Três cartazes colocados na entrada do centro comercial Alvaláxia divulgam o evento, numa altura em que, aproveitando os seus êxitos recentes na modalidade, o Sporting reforça a valorização do futsal (que tem esta época a sua própria Gamebox). No entanto, é difícil descobrir no Alvaláxia qual será o adversário da equipa treinada por Orlando Duarte, uma vez que a parte da folha com o emblema do Benfica foi arrancada em todos os cartazes. A falta de fair-play não é exclusiva de nenhum clube.

sábado, 20 de agosto de 2011

Amor pelas nossas coisas e Fé num Deus Superior

O livro Vocês Sabem do que Estou a Falar (Livros d’Hoje, 2008), de Octávio Machado, enriquece o conjunto de obras autobiográficas sobre figuras do futebol português que tem sido reunido. Em parágrafos que reproduzem muitos diálogos, Octávio (além do título do livro, o bordão do seu boneco no Contra-Informação era “Trabalho, muito trabalho”, reflectindo os métodos rigorosos e disciplinadores do treinador) fala-nos da luta solitária de um herói (o autor), modelo de honra, dignidade e frontalidade, contra numerosos inimigos, como os irmãos Oliveira, Adelino Caldeira, Jorge Mendes, Luís Norton de Matos, Simões de Almeida, Delane Vieira, Pôncio Monteiro, Vítor Serpa, Rui Santos, Miguel Sousa Tavares e mesmo antigos aliados (Artur Jorge e Pinto da Costa). 

Vocês Sabem do que Estou a Falar tem a singularidade de incluir uma errata, corrigindo lapsos do autor e erros de revisão. No entanto, Octávio manifesta no texto alguma dificuldade com as datas dos acontecimentos. Por exemplo, a final da Taça de Portugal entre FC Porto e Sporting que obrigou a uma finalíssima apitada pelo “chinês” Mário Luís ocorreu em 1978 e não em 1980 (pp. 55-57), ano em que foi o Benfica a derrotar os portistas no Jamor. Da mesma forma, Futre chegou ao FC Porto na época de 1984/85 e não em 1985/86 (p. 85). Em Abril de 1987, o FCP deslocou-se no âmbito da Taça dos Campeões a Kiev, “uma cidade não muito distante do estaleiro de Chernobyl, onde há pouco menos de um mês tinha ocorrido o terrível desastre nuclear” (p. 89); na verdade, o acidente na central atómica registou-se em 26 de Abril de 1986. Por último, as eleições portuguesas de 6 de Outubro de 1991 foram legislativas e não presidenciais, como Octávio indica (p. 141).

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Odeio todos os personagens que não são meus


Quando o DVD de Fantasia Lusitana, de João Canijo, foi lançado, em Dezembro passado, uma crítica na revista Time Out Lisboa (cujo autor não anotei) repudiou o facto dos extras incluírem entrevistas a apenas dois historiadores, ambos da “esquerda radical” (Fernando Rosas e Irene Flunser Pimentel), sem o contraponto de autores mais próximos ideologicamente do Estado Novo. Poderia ser interessante saber o que o Prof. Joaquim Veríssimo Serrão diria acerca do período retratado no filme, mas, além da polémica classificação de Rosas e Pimentel como “esquerda radical” (em comum têm talvez o passado maoísta), os comentários dos historiadores reproduzidos no DVD não enfermam de parcialidade, prestando esclarecimentos sobre temas como a presença em Portugal dos refugiados fugidos de Hitler, a evolução da atitude do regime português durante a guerra ou a pobreza e agitação social que a propaganda da época escondia. Claro que se levanta a questão de até que ponto um historiador, de “esquerda radical” ou não, pode ser objectivo e imparcial. No entanto, para lá das diferenças de opinião, só a distorção dos factos pode levar a excluir totalmente o trabalho de um determinado estudioso do passado.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Como é doloroso acordar morto neste planeta deserto

O segundo volume da obra Manual do Eleitor. V. sabe em quem votar? (Editus, 1975), destinada ao esclarecimento dos participantes nas primeiras eleições realizadas em democracia, inclui os nomes de todos os candidatos a deputados da Assembleia Constituinte apresentados pelos partidos (tendo já em conta a exclusão de PDC, AOC e MRPP do acto eleitoral). Além dos políticos civis que marcariam os primeiros anos da nova República e de numerosos operários e agricultores, fazem parte das listas correspondentes aos diferentes distritos personalidades célebres de outras áreas. Por exemplo, Irene Flunser Pimentel (“24 anos, empregada de escritório”) ocupa o nono lugar da lista apresentada no círculo de Lisboa pela Frente Eleitoral de Comunistas (Marxistas-Leninistas), com a sigla FEC (M-L). Também na capital, o MDP/CDE tem como candidatos o futebolista Artur Jorge e a jornalista Alice Vieira. José Mário Branco (cuja profissão é “compositor”) encabeça a lista da UDP no Porto (não seria eleito), o mesmo círculo onde um dos candidatos do PPD é o treinador de futebol José Maria Pedroto. Outra figura do futebol, o jogador António Simões, concorre como independente no segundo lugar da lista do CDS por Setúbal.